segunda-feira, 19 de maio de 2008

CAPÍTULO 6 - O PROGRAMA É SER BOM

“A Moral, o Amor, a Revelação, a Sabedoria e a Virtude, tudo isso está incluso no AMOR VERTICAL ou de Deus, que terá de substituir o amor horizontal das criaturas involuídas. Não confundais a VERDADE com as religiões e os sectarismos humanos.”

Fui parar, no dia seguinte, e na hora certa, junto ao diretor do hospital; e ele me disse que tudo estava designado; eu formaria no conjunto de irmãos e irmãs que mantinham contato com as duas casas de recolhimento afetas ao hospital.
Uma esbelta morena, sorridente e feliz, veio a mim, tendo dito o diretor:
— A nossa irmã Celeste será a companheira ideal para você... Vá, e que muitas bonitas ações possam essas mãos realizar. Quem aprendeu com Rosa, aquela ternura feita amiga e irmã, não precisa de avisos sobre ser o Amor a integral arma de vitória, nestes planos da vida.
Ainda comovida, murmurei:
— Sem esquecer aquela irmã do coração, que julgo muito acima de meus poderes de afinidade, quero dizer que todos aqui são ternamente irmãos; algum dia hei de poder agradecer tudo isso...
Como poderia eu terminar a frase, se meus olhos estavam rasos e minha voz embargada? Mas senti o seu ósculo paternal em minha testa, acompanhado destas palavras cujo sentido jamais terá fim:
— Toda vez que estiver servindo a um irmão que precise de seus cuidados, é a Deus que estará retribuindo gratidões... E nós, filhos Seus, irmãos e companheiros de trabalho, juntos estaremos sempre bebendo no Sagrado Manancial da Vida Maior! Estaremos sempre quites, nada mais, porque nenhum ato fraternal pode ser levado em conta de favor.
Comecei o trabalho sendo apresentada a cinco irmãos; três homens e duas mulheres. Agora éramos três a três.
— Venha ver os pavilhões por dentro – convidou a irmã Celeste.
— Eu já os vi lá do alto, ontem, mas de outro modo; agora, quero aprender o quanto possa, para servir do melhor modo.
Muito simples, Celeste emendou:
— Não tenha pressa, ouviu? Ninguém sofre por ser inocente...
— Bem, mas se chegou a hora de socorrer? – observei, prontamente.
Ela passou a mão pela minha cintura e convidou-me:
— Venha ver!
E fomos parar numa ampla sala de estar, muito ricamente florida, com bastantes sofás dispostos. Alguns grupos conversavam, outros discutiam assunto que julguei importante, pelo calor da conversa e dos gestos.
Celeste me segredou no ouvido:
— Vá passando e ouvindo, sem fazer de conta que faz questão de ouvir. Note bem o que falam, como falam e para quê.
Fui andando, como se estivesse apreciando as flores, até chegar bem perto dos quatro que mais acaloradamente discutiam. E ouvi que falavam sobre hierarquia religiosa, tendo mesmo um deles dito ao outro, que lhe era superior na carne, não admitindo que não o fosse ali. Tudo, como dizia, uma questão de ordem e de linha, para haver sempre harmonia reinante.
Ao voltar junto de Celeste, esta me segurou pelo braço, com muito carinho, para me levar embora; e mais adiante, lembrou-me:
— Vieram rastejando, feridos e fedorentos, e agora já se acham em condições de discutir hierarquia clerical. Chegará a hora, dentro de alguns dias, em que a coisa mudará, porque terão que ler umas páginas interessantes sobre Verdade e Virtude, Trabalho e Renúncia. Mas, irá observar, alguns ainda fazem questão de querer impor suas nobiliarquias, dizem que tudo lhes devemos, que são ministros de Deus, pretendendo até atirar exorcismos contra nós.
— Meu Deus!... – exclamei, realmente aturdida.
— Isso mesmo, irmã Leonor. Cérebros viciados em idolatrias, em importâncias do mundo... Uma praga, isso sim, pode estar certa disso. E vá começando a pensar livremente, tendo justa alegria no coração, observe o que quer que seja, porque isto é um plano deveras inferior.
— E como fazem para os doutrinar certo?
Celeste sorriu, afirmando:
— Temos prisões e podemos remetê-los aos abismos tenebrosos... Não pense que a disciplina seja, por aqui, uma questão de conversas e delongas. Não podemos perder tempo com gente de má fé ou com manias de grandezas formais. Bem que você vê, Leonor, que a coisa séria gira em torno de três palavras: Verdade, Virtude e Trabalho!
— Isto me agrada imensamente – afirmei.
Celeste arregalou os muito bonitos olhos negros, para dizer:
— E como poderíamos lutar contra loucuras... Sim, que são perfeitas loucuras, sem ser assim?!... Se fôssemos discutir, eles iriam aos confins dos tempos, procurando todos os recursos em livros ditos sagrados e recursos que tais. Como, porém, as questões são resolvidas de outro modo, diretas e frontais, as discussões muitas vezes são feitas a um só e nas prisões, com uma ameaça apenas de volta aos abismos tenebrosos.
— Uma ameaça, apenas? Por quê? – inquiri, muito interessada.
Ela fez um significativo gesto de mão, completando com a frase seguinte:
— Quando o tal importante não cede, levam-no para a prisão, com menos alimento e menos luz, isolamento e repúdio, e avisam-no de que o pior, se mantiver a teima, será lembrado apenas uma vez. E a vez logo entra, porque fica avisado de que dentro de dois dias de punição, se assim quiser que seja, será remetido aos abismos.
— Que coisa estranha!... Eu não seria capaz de conceber isso.
Celeste encolheu os ombros, fez uma careta muito sua, um arremedo, explicando também muito ao seu modo:
— Essa coisa estranha produz efeitos maravilhosos! Onde se viu essa onda de porcarias vir dar tanto trabalho e depois querer mandar até em Deus?!
Curiosa, perguntei:
— De onde veio você, querida?
— Das trevas! – respondeu prontamente – Mas eu nunca fui metida a importante. Jamais pensei em ser ministro de Deus, porque nunca os aturei, sabendo como eram, eu que fui... Bem, eu vi muita coisa e ajudei a fazer uma porção delas, também. Vim da sujeira e das tormentas, ficando muito agradecida por tudo quanto fizeram por mim. Quem quiser ser grande, que seja em atos de Bondade. Eu não sou forte em matéria de Verdade, mas gosto muito da Bondade, porque isso a gente dá e recebe, ficando todos muito satisfeitos, não é real?
Só para mim, pensei com atenção, mas pensei alto:
— Ó Amor! Ó Amor! Quando te faremos o senhor de todos os nossos atos?
Celeste ficou pensativa por alguns segundos, murmurando:
— Se não fosse compreender as leis de Deus, eu odiaria essa gente... Fazem errar e cair nas trevas, até mesmo a criaturas boas, como Rosa, por exemplo.
— Rosa?! – perguntei.
— O diretor esteve a nos falar de Rosa, depois que ela partiu; disse que a vida clerical atirou-a nos abismos, de onde saiu faz muitos anos, para recuperar o estado anterior, com grandes esforços ressarcitivos. Ora, perguntemos, que é uma instituição que se diz religiosa, que pelos seus erros e crimes atira a seus adeptos nas trevas?
— Estou bem com você, Celeste, porque também fui uma vítima dessa instituição, que em nome de Deus e do Cristo atira as almas nos infernos.
— E que direi eu, Leonor? Filha de gente simples, desviada por um padre e passando a vida como amante de outros? Que direi eu que, para encobri-los, tive que casar com um doido, para ser a empregada de aparência e a amante de verdade, traindo a todos e a mim mesma? Que direi eu, Leonor, que acusei gentes sem conhecer, apenas para ficar tudo em casa, para bem funcionar a máquina infernal, o instrumento de defesa da Santa Madre Igreja? E os anos que passei nas trevas? E quanto tempo ficarei por aqui, retida nestes planos inferiores, por causa dos desequilíbrios íntimos?
Quando parou, encarou-me com agudeza e perguntou-me:
— Você não fez a mesma coisa, Leonor?
— Fiz... – respondi, sem querer falar mais.
— Teve filhos de padres? – tornou, com veemência.
— Não...
— Por que não os teve?
Amargurada, respondi:
— Como poderiam eles ter filhos?!...
Abanando a cabeça, tornou a perguntar:
— Mas qual foi a realidade? Não os tiveram?
Diante de minha mudez, ela avançou:
— Bem sabemos, Leonor, como são as obras da hipocrisia! Você não tinha um marido adoidado, para ser o pai dos filhos de padres, por isso os matavam. Mas o meu caso era diferente... Ó Senhor! Até quando tudo isso será assim, um caudal sem fim de vergonhas?
Condoída, falei-lhe:
— Onde está a moça cheia de alegria que há poucos minutos atrás conheci?
Levantou a formosa cabeça, enxugou as lágrimas e balbuciou:
— Bem, o melhor sempre está por vir, porque a Perfeição ainda está longe de nós; mas é doloroso que tudo isso aconteça em nome de Deus e do Cristo. Tudo saindo de gente que se finge, que fala em absolver e salvar!...
Ainda com o fito de soerguê-la, repeti:
— Vamos falar de outros assuntos?
Abanou a cabeça, muito a seu modo, respondendo:
— Por estas plagas, não; por aqui o confronto é perpétuo entre as coisas da Verdade e as coisas da mentira e do erro. O maior número dos advindos das trevas é por conta dessa gente, cheia de rótulos por fora e farta de imundícies por dentro.
Veio ao nosso encontro uma outra irmã, Isabel, reclamando:
— E o caso de Alexandrina?
Celeste ergueu-se prontamente e fomos atendê-la.
Frente à enferma, Celeste explicou:
— Esta fazia os seus infelizes comerem porcarias, como castigo... Uns procuravam matar-se, para não comerem porcarias, outros as comiam e adoeciam, e ainda outros enlouqueciam... E agora é ela que vomita um nunca mais acabar de gomas, de babas fedidas, de mil porcarias...
— Está aqui há muito tempo? – indaguei.
— Uns quinze dias – respondeu.
— E quando ficará boa? – tornei a perguntar.
Tornou a abanar a cabeça, afirmando:
— Depois de curada em parte, ou por fora, terá que reencarnar e enfrentar os seus problemas criados...
A enferma ouviu alguma coisa que não gostou e sacudiu a cabeça em sinal de repúdio.
— Ela não quer reencarnar? – perguntei.
Celeste sorriu e replicou:
— Ela não quer aceitar a lei... Ela pensa que sabe e pode mais do que Deus!
— Como assim?
— Ora! Ora! Pois se era uma terrível funcionária da Inquisição, como quererá saber de reencarnações? Tudo isso, para eles, não são heresias?
— Mas agora ela está aqui! – observei.
Celeste encolheu os ombros, sentenciando:
— Mas cada um pensa de acordo com os seus vícios mentais, achando que isso representa a Vontade de Deus! Está compreendendo como a coisa é e se passa?
E foi enfrentando problemas assim, meus irmãos, que comecei a pensar sobre a Verdade e a Virtude; foi assim que fui me libertando de certas manias, que ainda passavam como sendo boa religião; foi assim que ali trabalhei muitos anos, para depois reencarnar.

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