segunda-feira, 19 de maio de 2008

CAPÍTULO 11 - O DOUTOR BEZERRA DE MENEZES

“Raríssimas são as pessoas que, encarnando, trazem lembrança das vidas pretéritas e dos encargos que as trouxeram ao mundo; entretanto, os espíritos de escol sempre trazem o poder intuitivo em grau superior, tendo por isso um inato sentimento da VERDADE e da VIRTUDE, inclinando-se pois aos trabalhos de ordem celestial; o trabalho de ordem celestial não é aquele que se fantasia de religioso, à maneira clerical, com ou sem batina, mas sim aquele que se caracteriza pelo VERDADEIRO, BOM e BELO, que é o que conduz a Deus.”

Por estas alturas de minha narrativa já estava participando das legiões que giravam em torno de Bezerra de Menezes. Quando digo o homem em seus trabalhos, o que faço é salientar a Determinação Divina, o serviço delegado pelo Plano Diretor. Porque se alguns espíritos vêm do submundo ou da subcrosta, para ressarcir tremendas faltas; se outros vêm dos reinos espirituais ainda pouco vantajosos, para terçar armas com as obrigações evolutivas mais elementares; se outros vêm dos reinos um pouco melhores, para evoluir e deixar bons exemplos, certo é que outros vêm de reinos superiores para marcar suas vidas com o vinco dos missionários de primeira linha, deixando no mundo os rastros luminosos de seus feitos, os caminhos por onde outros poderão se endereçar aos Sagrados Objetivos da Vida.
Há gente, muita gente, que pensa estar a marca do missionário superior nas arengas teologais; outros querem encontrá-la nos galardões religiosistas, nas pompas mundanas ou nos títulos da nobiliarquia clerical; outros pretendem que esteja a marca superior na descoberta de Deus e do espírito, do que sejam feitos e como são; porém, a verdadeira marca está no serviço do Bem, no amor pelo próximo, na renúncia de si mesmo pela melhora alheia!
Deus não é o produto das elucubrações humanas; tudo quanto existe, material e espiritualmente, não é pelo desejo humano; o movimento a que está sujeito é por Deus e não pelo homem; a evolução das almas não foi programada pelo homem; a responsabilidade é acima de cogitações humanas; a Reencarnação, a Comunicação, a Habitação Cósmica e a Sagrada Finalidade, tudo é por designação de Deus, tudo está totalmente acima do que podem os míseros vermes que ainda somos.
Portanto, havendo o que seja de nossa vontade apressar ou não, isso é a realização em nós mesmos da Verdade e da Virtude; isto é, identificar com a Verdade e viver a Virtude. Se a Moral for esquecida e o Amor desprezado, por qualquer motivo que se pretenda pôr em jogo, tudo estará muito mal, porque essa alma deitará para longe de si a luz e a glória, caindo em sofrimentos tremendos, até o dia em que, reconhecendo os desígnios de Deus, venha a trabalhar em si mesma pela Verdade e pela Virtude.
Não importam as posições sociais; não há que considerar a cor ou a nacionalidade; tampouco observar o homem pelo prisma do seu culto sectarista, porque os fatores de ordem essencial, como a Moral e o Amor, únicos que conduzem à Verdade e à Virtude, não reconhecem tais argumentos, sem ser, em muitos casos, para tanto mais responsabilizar.
O Divino Modelo não apelou para estes e aqueles ramos do saber dito humano; mas, pelo contrário, apelou e mandou apelar para a Suprema Cátedra, que é amar o quanto seja possível. Porque não existe saber algum que, mal aplicado, seja caminho de glorificação!
E o médico Bezerra de Menezes, defrontando a vida dos semelhantes pela senda pura da medicina, compreendeu que o semelhante, branco ou preto, rico ou pobre, doutor ou analfabeto, nacional ou estrangeiro, religioso ou ateu, era alguém que vinha de Deus, que estava acima de suas forças poder julgar. Se, no pouco, o homem é tão pequenino, pensou e sentiu ele, como poderá ser grande naquilo que cabe a Deus, somente a Deus querer e determinar?
E tendo assim compreendido a religião da Verdade e da Virtude, enveredou por ela e deu de si, por toda a vida, o que podia dar. O missionário tinha, no plano carnal, encontrado a porta do Reino de Deus!
Sabendo ou não, o plano invisível estava sempre a postos; o médico da matéria fazia o que podia e o mundo espiritual agia segundo outras ordens, limpando aqueles que se fizessem dignos de limpeza. E os trabalhos doutrinários foram tomando conta do médico, colocando-o em plano superior, exigindo mais trabalho, a fim de traçar as metas futuras, a fim de sulcar a terra, para que outros, mais tarde, em tais sulcos encontrassem as veredas a serem abertas.
Bem sabemos de multidões de almas desencarnadas que em seus trabalhos doutrinários encontraram o caminho da recuperação; digo recuperação, porque a libertação está no Grau Crístico. Quem está sujeito ao processo evolutivo não está livre de cair e de ter que levantar, para prosseguir a jornada; não está liberto, porque a libertação é a superação das reencarnações obrigatórias. E os realmente libertos, os Cristos ou Cristificados, quando encarnam é por vontade própria, como Jesus o salientou, afirmando que viera de espontânea vontade.
E no primeiro trabalho espírita em que tomamos parte, por causa da designação do diretor da região, tivemos o caso seguinte: pessoa encarnada falara ao médico Bezerra de Menezes do seu doente, nestes termos:
— Minha esposa já não tem mais remédios para tomar; e de tudo quanto ela tem tomado, nada resultou. Agora alguém falou no senhor, e eu aqui estou... Para lhe ser franco, não creio em coisa alguma... Isto é, creio na Natureza!...
O medico sorriu, perguntando onde morava, nada mais. E para lá foram eles, o marido com suas idéias e o médico com o seu dever em dia.
Casa rica de bens materiais, porque o dono, o engenheiro, era de boa fama e de muita procura. Sua esposa estava acamada, enfraquecida, intoxicada de tantas medicações, aliás materialmente muito bem indicadas.
Bezerra falou à doente, lembrou-lhe Deus e o mundo espiritual, recomendou-lhe tomar os remédios e não se esquecer das orações. Que tomasse os remédios com a água fluidificada, lembrando na ocasião que os bons espíritos ali estariam, para auxiliá-la.
E a doente, mais duvidosa do que outra coisa, balbuciou:
— Eu sempre faço o que me recomendam, doutor!...
Todo bondade, Bezerra assegurou-lhe:
— Então faça o que Jesus quer que faça... Seus filhos necessitam de cuidados maternais, e Jesus sabe disso. Eu lhe dou os remédios do corpo, mas é Jesus quem lhe dará os remédios do espírito.
— Como fala com tanta certeza, doutor? – inquiriu ela.
— Porque Jesus é quem realmente cura, minha senhora. Nós, os médicos, apenas remendamos alguma coisa...
Sabendo ou não os doentes, crendo ou não, mas Bezerra de Menezes colocava os casos à frente do mundo espiritual; e quando os casos eram como este, graves de certo modo, então sabia ele que a cura estava nos trabalhos espíritas, porque as atuações espirituais maléficas tinham que ser combatidas pelas atuações espirituais benéficas.
No momento da visita, o nosso grupo assistencial, guiado por Tancredo, retirou um dos vultos negros que envolviam a senhora do engenheiro. Afinal de contas, se o marido não acreditava em Deus nem nos espíritos, isso não fazia com que a realidade dos fatos deixasse de ser aquela. E se a esposa duvidava de tudo, nem por isso tinha menos do que dois vultos negros colados a ela. E para nós, uma vez mais, a rica miséria do homem falecia defronte ao pobre realismo da Verdade!
O vulto negro, retirado no momento do receituário, uma vez sujeito ao nosso processo de tratamento, revelou-se uma nobre dama, nobre para os galardões do mundo, que compartilhara com ela de afrontosos atos contra a Lei de Harmonia, lá pelos meados do século dezessete. Foram familiares e agiram monstruosamente contra pobres escravos e outros servidores. Suas vontades eram leis e quem tinha o poder tudo fazia para agradá-las.
E uma vez colocada em condições de falar, reclamou respeito à sua posição; o nosso instrutor e dirigente, Tancredo, nem para seu criado poderia servir, pois o principal em um criado é obedecer cegamente, assim reclamava ela.
Depois de dar-lhe total liberdade, sem nada lhe explicar do que estava ocorrendo, Tancredo achou que era hora de avisá-la:
— Irmã, a morte física deu término aos seus títulos mundanos, faz muito tempo. É apenas um espírito sofredor, retirado de junto de alguém que também participou dos mesmos erros e crimes.
Irritada, gritou:
— Feitiçarias é para escravos! Desapareça de diante de mim, que o mandarei esfolar vivo!...
Cinco servidores estenderam contra ela as suas mãos, projetaram forças energéticas e fizeram-na dormir. Após, foi reduzida magneticamente, tratada em nossas estufas e logo mais encaminhada a uma nova romagem carnal. No seu roteiro da vida estava escrito que nasceria uma pretinha muito pobre, casaria muito cedo, teria vários filhos, ficaria viúva e teria que lavar muita roupa, a fim de enfrentar a triste situação.
Quem estava perto do servidor que lia o programa, comentou:
— Teve títulos, riquezas, extraordinária formosura e pagou bem pelos escapulários religiosistas. Como conseqüências, teve as trevas do mundo astral pelos tempos que a Justiça Divina determinou, sendo agora obrigada a encarnar assim e para esse programa. Observemos bem, portanto, que fora da Moral e do Amor tudo são caminhos de perdição. Sem acusar, mas apenas deplorando tais falhas, tratemos de aprender as grandes lições que a vida nos oferece.
Um novato perguntou:
— Resgataria ela a todos os débitos, com essa vida?
O comentarista perguntou, para dar a resposta certa:
— Quem pode garantir que não venha a fracassar de novo?
E diante do mutismo geral, do pesaroso mutismo, convidou ele a fazermos oração pela pobre irmã.

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