terça-feira, 6 de maio de 2008

CAPÍTULO 3 - NOS CÉUS INFERIORES

“Na casa do Pai há muitas moradas” – Jesus.

Enderecei-me ao belo casarão das torres, casarão que, se por fora parecia de enormes proporções, por dentro era muito amplo e bem disposto. A torre central, muito mais elevada, era circundada de outras, mais baixas. E se por fora pareciam apenas adornos, por dentro, como após vim a observar, eram instrumentos terapeutas, eram coletoras de irradiações cósmicas, através de dispositivos que não estou apta a relatar, por dependerem as explicações de conhecimentos técnicos de que não disponho.

Outra questão a mencionar, diz respeito aos nomes do diretor da casa e dos seus imediatos e servidores; é que não desejo citar nomes, visto como tudo pertence, em bloco, ao serviço do Bem e do Bom. Se não fossem aqueles que ali estão, substitutos normais daqueles que lá estiveram antes, seriam outros, mas sempre em função do serviço, peças do mecanismo da vida e de suas contingências.

Uma vez que os espíritos são evolutíveis; uma vez que os meios são fornecidos por Deus, através de leis e de elementos, de condições e de situações, tudo o mais é questão de somenos. De cima para baixo ou de baixo para cima, do Cristo Planetário ao menor dos servidores da Lei de Deus, tudo é questão de funcionamento, tudo é dever a cumprir, cada um no seu devido lugar, para que a Sagrada Finalidade seja o mais breve atingida por todos. O Todo é a máquina e o mais tudo as peças constituintes, tanto bastando, para a felicidade de todas as peças, que cada uma faça apenas a parte que lhe compete, para a máquina funcionar bem.

O diretor da casa, que tinha prazer em conversar com todos os recolhidos, assim me recebeu:

— Minha irmã, isto é nosso pelo fato de ser de Deus... Espero que saiba conhecer e usar tudo com muito respeito, para assim colher mais benefícios e dar exemplos dignificantes. Sou o diretor, mas faço questão de ser bem dirigido pelo melhor senso crítico.

Olhou-me bem nos olhos, meditou um pouco e emendou:

— Porque Deus nos dá tudo em potencial, em forma de leis e de elementos, de liberdade e de oportunidades, mas nós é que temos que saber como agir e para que fim. Entendeu bem, irmã Leonor?

— Creio que entendi os seus propósitos, senhor diretor – respondi, com bem pouca certeza do que estava dizendo.

— Pois eu – aparteou ele – ainda cometo umas falhas... Mas estamos saindo das regiões trevosas, compreende? Tudo por aqui é de baixa freqüência vibratória: os elementos em geral e também nós. Portanto, tratemos de fazer o melhor, que já não é pouco.

— Todos por aqui – disse eu – fazem questão de salientar o pronunciado nível de relatividade; ninguém aqui sonha com o perfeito...

— Ora! Ora! Sonhar todos sonhamos, mas apenas sonhamos! – interrompeu-me ele, encolhendo os ombros ao terminar a fala, como a significar que tudo por ali era mais relativo do que eu estava pensando.

Diante de tais franquezas, observei:

— O senhor duvida da utilidade do seu departamento de serviço?

— Pelo amor de Deus! – bramiu ele – Isto funciona como deve funcionar, e tudo por conta de Deus, isto é, de leis que obrigam a ser assim. Basta-nos fazer o que nos compete, e com o amor que nos seja possível, para tudo resultar em maravilhas. Mas, repito, o amor é a chave mestra de tudo. E por aqui, pelo visto, o amor é irmão da simplicidade.

Ocupei o breve lapso para indagar:

— Confesso que tenho sido bem doutrinada, senhor diretor; parece que por aqui todos já foram diplomatas, pois não?

Ele sorriu, considerando:

— Gostamos daqueles que compreendem depressa e temos paciência com aqueles que demoram para compreender. Mas, pode estar certa, agimos com rigor para com os fingidos e mal intencionados.

— E ainda existem mal intencionados por aqui, depois de dezenas de anos de tortura e de tanta bondade prodigalizada, por parte dos residentes da região?

Naquela hora estava chegando o homem por ele convocado para me atender, sendo interrompida a palestra; porém, findos os tratos a serem observados, retornou ele ao assunto, afirmando:

— Você mesma, irmã, irá ter as provas... O Reino do Céu está dentro de cada um de nós, como Jesus afirmou, mas nós estamos ainda muito mais perto da brutalidade... As feras, por aqui e dentro de nós, ameaçam perenemente os anjos e as virtudes.

Tomou-me a mão com um carinho paternal, para me enviar aos tratamentos e aos possíveis serviços:

— Vá, minha filha, trate-se, aprenda e trabalhe o bom trabalho; basta de incompreensões e de trevas, não acha?

Fitei-o bem e vi, nos seus olhos, o brilho de umas lágrimas retidas. Bem se via que era um grande errado arrependido, lutando dentro de si mesmo pela realização do Reino de Deus, essa Glória que dorme ainda dentro de nós, que outros podem e devem auxiliar a desabrochar, mas que, afinal de contas, só a nós compete o dever de realizar, realizando em nós mesmos a Verdade e a Virtude.

O homem a quem fui entregue, um médico, por sua vez entregou-me a uma enfermeira. Rosa tinha sob sua guarda uma fila de tanques e uns trinta e tantos leitos. Tudo, pode-se dizer, estava adstrito a isso, porque se os casos fossem de outras montas, seriam enviados a outros setores. Eu estava suja e combalida, mal cheirosa e algo febril, mas estava perfeita de físico, não tinha chagas, não estava deformada.

Desses casos cheguei a ver muitos, e muitos, e muitos ajudei a tratar, mas o meu caso era muito mais simples, porque, como eles disseram, eu tinha agido mais por ignorância e medo, do que mesmo por outros motivos. E os longos anos passados no submundo, sofrendo como sofrera, fizeram o serviço de punição.

Frente à fileira de tanques, disse-me Rosa:

— Hoje, Leonor, você entrará no primeiro deles; lembre-se de que não é apenas água o que eles contêm, mas alguns agentes químico-energéticos. Repare que os fios vindos das torres os circundam por dentro, carregando-os de elementos, de cargas de força que eu não saberia explicar.

— Como entrarei ali? Com que roupas? – perguntei, vendo que muitas irmãs por ali transitavam, de um lado para outro, sem se importar com ninguém.

Ela sorriu do meu desconhecimento de causa, dizendo:

— Pode entrar como está, porque estas águas são diferentes das da Terra, sendo também diferentes as pessoas, embora não muito.

Apontou uma escadinha, mandou entrar e banhar também a cabeça. Fiz como ela disse e ali fiquei por algum tempo, até ela voltar e mandar-me sair. Notei que a água secou por si mesma e muito depressa, deixando um bem estar maravilhoso, uma leveza que parecia sublime.

— Agora – convidou-me ela – venha tomar um suco, para depois dormir um longo sono...

Você dormirá desde o primeiro banho... Vantagem sua, pois muitos aqui passam meses, em torturas, gemidos e convulsões, antes de poderem dormir e recuperar o equilíbrio de si mesmos.

— Por quê? – perguntei.
Rosa fitou-me com profunda significação, para murmurando sentenciar:

— “Quem com ferro fere, com ferro será ferido!” “Em Verdade vos digo, que não sairá dali, sem pagar até o último ceitil!”

— Justiça Divina? – retornei.
Fez uma curvatura de dorso, repetindo:

— Justiça Divina, minha irmã, e que se impõe acima de conjeturas humanas.

— E como agem os médicos? – voltei a perguntar.

Ergueu os ombros para dizer:

— Vão dando voltas por fora, com profundo respeito pelas voltas que os males vão dando por dentro. Tratam dos males, com o amor que a Justiça Divina merece e faz respeitar nas criaturas. Eles e nós todos ganhamos trabalhando, enquanto os doentes ganham tendo paciência e aprendendo as lições do Evangelho. Verdadeiramente, Leonor, o grande remédio é o Evangelho, é a Verdade, o Bom e o Bem.

— A Verdade, o Bem e o Bom! – repeti, perfeitamente concorde.
Rosa ergueu o dedo da mão direita, como quem pede atenção, afirmando:

— Não o Evangelho das longas conversas, não o Evangelho dos formalismos; o

Evangelho, aqui, é procedimento, é vida em sociedade, é trabalho fraterno. Temos aqui gente vinda de todos os níveis da hierarquia religiosa, mas gente que veio dos abismos do submundo. O Evangelho de fora aqui não forma como valor algum, antes representa muitas culpas. Vá aprendendo a lição dos fatos, Leonor, porque a Justiça

Divina desconhece e aborrece a todos os conchavismos de homens.

Interessada, perguntei:

— Como lêem o Evangelho, aqui?

Simplesmente, explicou:

— Para saber como Jesus viveu os Mandamentos da Lei de Deus, nada mais. Se o Divino Modelo agiu como agiu, que os modelandos procurem imitá-Lo. E quem não o fizer antes, algum dia terá que fazê-lo, porque em Deus tudo é Eterno, Perfeito e Imutável. Isto é, nenhuma designação de Deus jamais voltará atrás, compreendeu?

— Isto eu o compreendo muito bem – respondi.

— Pois faça questão de viver essa compreensão! – respondeu, veementemente.

Naquela hora, estava com o grande copo de suco avermelhado nas mãos, pronta para tomá-lo e tendo um leito muito bem preparado para nele deitar, pela frente. Tomei o suco, deitei-me e dormi horas e horas a fio.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog