quarta-feira, 16 de junho de 2010

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Volta de Jesus Cristo

 

 

 

 

 

 

OSVALDO POLIDORO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A VOLTA DE

JESUS CRISTO




 

 

 

 

 

 

ÍNDICE

Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Nota Elucidativa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Lembretes Introdutivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Dedicando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

PRIMEIRA PARTE

Tomás de Torquemada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Nos Abismos da Subcrosta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Nos Céus Inferiores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

O Bem é a Religião . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Todos Serão Puros e Sábios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

O Programa é Ser Bom. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Renascendo Para Crescer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Há Sábios Nos Infernos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

O Apóstolos Bezerra de Menezes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Sujeitai-vos à Verdade e à Virtude . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

O Doutor Bezerra de Menezes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Consolador e Instrutor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

O Irmão Pureza de Jesus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

O Reino de Deus Não é Teoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Bezerra Força o Mundo Espiritual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Estão de Pé os Grandes Iniciados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

O Amparo Celestial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

O Cristo é Permanente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Marchai Para o Grau Crístico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Bezerra de Menezes, Médicos e Pretos Velhos . . . . . . . . . . . . .

 


SEGUNDA PARTE


Paz e Ventura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Oração a Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Oração ao Espírito Santo (Mensageiria Divina) . . . . . . . . . . . . . . .

 

Crística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Oração a Jesus Cristo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Oração a Maria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Oração a Maria Madalena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Oração a Bezerra de Menezes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

A Oração pela Criança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Oração a André Luís . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Oração dos Pretos Velhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Oração das Crianças. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Obras de Osvaldo Polidoro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

Obras do Autor que já Estão nas Livrarias.




 

DEUS

 

 

Eu Sou a Essência Absoluta, Sou Arquinatural,

Onisciente e Onipresente, Sou a Mente Universal,

Sou a Causa Originária, Sou o Pai Onipotente,

Sou Distinto e Sou o Todo, Eu Sou Ambivalente.

 

 

Estou Fora e Dentro, Estou em Cima e em Baixo,

Eu Sou o Todo e a Parte, Eu é que a tudo enfaixo,

Sendo a Divina Essência, Me Revelo também Criação,

E Respiro na Minha Obra, sendo o Todo e a Fração.

 

 

Estou em vossas profundezas, sempre a vos Manter,

Pois Sou a vossa Existência, a vossa Razão de Ser,

E Falo no vosso íntimo, e também no vosso exterior,

Estou no cérebro e no coração, porque Sou o Senhor.

 

 

Vinde pois a Meu Templo, retornai portanto a Mim,

Estou em vós e no Infinito, Sou Princípio e Sou Fim,

De Minha Mente sois filhos, vós sereis sempre deuses,

E, marchando para a Verdade, ruireis as vossas cruzes.

 

 

Não vos entregueis a mistérios, enigmas e rituais,

Eu quero Verdade e Virtude, nada de “ismos” que tais,

Que de Mim partem as Leis, e, quando nelas crescerdes,

Em Meus Fatos crescereis, para Minhas Glórias terdes.

 

 

Eu não Venho e não Vou, Eu sou o Eterno e o Presente,

Sempre Fui e Serei, em vós, a Essência Divina Patente,

A vossa presença é em Mim, e Quero-a plena e crescida,

Acima de simulacros, glorificando em Mim a Eterna Vida.

 

 

Abandonando os atrasados e mórbidos encaminhamentos,

Que lembram tempos idólatras e paganismos poeirentos,

Buscai a Mim no Templo Interior, em Virtude e Verdade,

E unidos a Mim tereis, em Mim, a Glória e a Liberdade.

 

 

Sempre Fui, Sou e Serei em vós a Fonte de Clemência,

Aguardando a vossa Santidade, na Integral Consciência,

Pois não quero formas e babugens, mas filhos conscientes,

Filhos colaboradores Meus, pela União de Nossas Mentes.

 

LEMBRETES INTRODUTIVOS

 

“Se pretendes parecer diante dos homens, apega-te aos rotulismos religiosistas e sectários, agarra-te aos mórbidos preconceitos que as igrejinhas costumam levantar, para gáudio de seus donos. Em verdade, fácil conseguirás glórias e galardões faiscantes, com as devidas dobrações de espinhaço da parte dos menos experimentados ou simplórios... Porém, se pretendes as glórias de Deus, para depois do túmulo, apega-te ao bem fazer, procura vestir o nu, pensar a ferida, consolar o aflito, enxugar o pranto, e, quanto possas, procura desmanchar as barreiras humanas, os preconceitos que depõem contra a Divina Paternidade e que aviltam o dever de Fraternidade. Procura ser um continuador de Jesus Cristo, que assim agiu e ensinou: ‘VINDE A MIM, VÓS QUE VOS ACHAIS CANSADOS, TRISTES E OPRIMIDOS, E EU VOS ALIVIAREI!’”

* * *

“Acima dos conceitos de homem, que recomendam o Espiritismo como Ciência, Filosofia e Religião, lembra-te da Ordem Divina, que o expõe como Escola de Verdade, Amor e Virtude. A Verdade é a Verdade, transcende aos escolasticismos humanos e a tudo supera infinitamente. Que ninguém, em seu nome, fabrique dogmas e instrumentos de fanatização sectária.”

* * *

“Quem menos calou, em face dos mediocrismos e crimes da Humanidade terrestre, foi sem dúvida Jesus Cristo; e pagou com a crucificação o preço de não haver sido traidor da Verdade! Entretanto, sob pretexto de paciência e tolerância, mansidão e benignidade, legiões de mentirosos, falsos, hipócritas, preguiçosos e covardes, não apenas calam, mas ajudam a engrossar a horda criminosa. É necessário, e muito, tomar cuidado com a falsa espiritualidade, com as falsas aparências de bondade e de tolerância. Muita coisa escrita e falada, que passa por boa doutrina, nada mais contém do que ignorância e comodismos criminosos.”

* * *

 “Pense no Consolador ou Espírito da Verdade, lembrando estes informes bíblicos:”

“E há de ser que, depois, derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão sonhos, e vossos mancebos verão visões” – Joel, cap. 2.

“Porque a Lei foi dada por Moisés, a Graça e a Verdade vieram por Jesus Cristo” – João, cap. 1.

Sobre aquele que vires descer  o Espírito, e repousar sobre ele, esse é o que batiza com o Espírito Santo” – João, cap. 1.

“E isto disse ele, do Espírito que haviam de receber os que nele cressem; porque o Espírito ainda não fora dado, por não ter sido ainda Jesus glorificado” – João, cap. 7

“Tenho ainda muitas coisas a vos dizer, mas vós não poderíeis suportá-las agora; porém quando vier aquele espírito da Verdade, ele vos guiará em toda a Verdade, etc.” – João, cap. 16.

“Aquele que ler o livro dos Atos saberá sobre a Graça da Revelação generalizada pelo Cristo, após a Sua volta em Espírito e, compreenderá que a Sua volta é sobre as nuvens do Céu, sobre a Mensageiria Divina. Quaisquer outras interpretações são errôneas e caminhos de perdição.”

“Como autoridade doutrinária tendes a Moral, o Amor, a Revelação, a Sabedoria e a Virtude; Deus é o Pai, Cristo é o Mestre e vós sois irmãos. Realizai em vós a Verdade, o Amor e a Virtude, e o Reino de Deus será vosso.”

DEDICANDO

 

“Aquele Consolador que era esotérico nas iniciações antigas, ou antes de Jesus Cristo, através do Cristo foi generalizado, pois Ele deixara o glorioso Pentecoste, a Igreja Viva do Caminho, estabelecida sobre a Revelação generalizada.

Tendo Roma corrompido e imposto a corrupção da Igreja Viva do Caminho, era imperioso que houvesse reposição das coisas no lugar, consoante profecia do mesmo Jesus Cristo.”

 

A Mensageiria Espiritual do Bem dedica este livro aos servidores do generoso serviço mediúnico prático; àqueles que recorrem aos Mensageiros Espirituais, procurando consolar os aflitos, enxugar as lágrimas, levantar os quebrantados de ânimo e instruir no sentido da autocristificação, valendo-se do imenso organismo dirigido pelo bondoso Bezerra de Menezes.

O Cristo é permanente nos três sentidos de Sua obra impassável – exemplificar a Lei de Deus, generalizar a Revelação e dar testemunho da ressurreição final de todos os filhos de Deus; de modo universal, ser para sempre o Inconfundível Divino Exemplo da escalada biológica, Aquele que em si mesmo contém a Origem Divina, o Processo Evolutivo realizado e a Sagrada Finalidade exposta gloriosamente.

Não vem nem vai o Cristo; mas permanece Divino Exemplo e funciona como Diretor Planetário, através de inúmeros Imediatos e de legiões angélicas ou espirituais socorristas. É do Pai o Verbo e é dos Imediatos o Chefe Supremo Planetário. O Sagrado Ministério da Revelação, ou do Espírito Santo, que agora designamos como Mensageiria Espiritual do Bem, terá que desempenhar a tarefa do esclarecimento e dos socorros, endereçando a humanidade terrestre aos cimos do conhecimento perfeito.

E o nosso querido Bezerra de Menezes, colocado à frente de inúmeras e muito eficientes subchefias, comandando legiões servidoras que se estendem por dezenas de ordens de trabalhos especializados, bem caracteriza o servidor do maravilhoso mecanismo da Revelação, em um dos seus múltiplos aspectos, na vastidão do programa que se espraia pelos nossos e vossos rincões de trabalho.

O Cristo age através de nuvens do Céu, que quer dizer das falanges servidoras, uma vez que o Consolador, deixado no Pentecoste e corrompido pelos homens, está de novo entre as gentes, com o nome de Espiritismo. E nós, representando a Mensageiria Espiritual do Bem, aqui deixamos a obra dedicada aos humildes trabalhadores, os médiuns em geral, bem intencionados quanto aos deveres que lhes competem. Que colham nos planos de Luz e Glória, dos emissários do Despenseiro Fiel e Prudente, que é Jesus, e distribuam a todos aqueles que disso fizerem jus.

 

J.E.

CAPÍTULO 1 

TOMÁS DE TORQUEMADA

 

“E todo aquele que vos matar, pensará estar prestando um bom serviço a Deus” – Jesus.

 

Corria o ano de 1490. A mão fanática e assassina de Tomás de Torquemada infundia terror às gentes de Espanha, porque o Santo Ofício funcionava desenfreado e infernal, remetendo ao mundo das almas, depois dos mais cruéis martírios, milhares e milhares de filhos de Deus. Como simples questões de cisma pudessem levar as mais notáveis criaturas ante o Santo Ofício, bem assim como a ausência de cisma algum, contanto que outros interesses convenientes à Igreja Católica o determinassem, eis que em todos os corações havia muito lugar para os mais temíveis prognósticos.

Se para alguns o problema consistia em ser herético, fosse lá  pelo que fosse, para outros o problema estava cingido ao simples fato de ter posses ou posições que fossem desejadas pelos senhores do Santo Ofício. Em nome do purismo religioso caudais de lágrimas corriam, antes que viesse correr o sangue ou antes que as labaredas tostassem milhares de corpos.

A máquina infernal do Santo Ofício funcionava perfeitamente, organizadamente, estando suas peças e engrenagens estendidas aos mais distantes rincões da Espanha; afora a gente superior e diretamente autorizada, outros havia que funcionavam a bem de mais afastados servidores da forja de terrores. Os interesses eram tantos e de tal modo se haviam tornado complexos, por causa da multidão de objetivos pessoais, que elementos da mesma infernal maquinação se encontravam e mutuamente se espionavam, sem terem disso a menor idéia.

Eu, Leonor, simples camareira de abastadíssima família, fora induzida a funcionar a bem dos tentáculos infernais, em parte por amedrontamento e em parte em função de melhor posição social. De tal modo as coisas se foram passando, progredindo, avolumando, que em pouco tempo meus felizes amos estavam envolvidos nas malhas do Santo Ofício, terrivelmente culpados, tendo aparecido até mesmo fartos documentos comprovantes de culpa, documentos que, bem sabia eu, foram totalmente forjados.

E depois de estarem os elementos visados e dentro das garras do Santo Ofício, acusados com aquela montante imensa e tenebrosa de escritos culposos, quem iria dizer alguma coisa em contrário? E mesmo que uma voz se levantasse, de que adiantaria, sem ser para jogar essa mesma voz contra a máquina usurpadora e sanguinária?

As fogueiras eram o final de um longo processo de tortura; muitas vezes foram rogadas pelo amor de Deus, para dar fim a um longo e desesperador programa de maceração geral. Pelo menos, depois de alguns momentos de tortura cruel, soaria como verdadeira carta de alforria.

Meus amos foram aprisionados, sujeitos a forçadas respostas e seus bens foram confiscados; Deus, o Cristo e a Igreja Católica foram os instrumentos usados pelos sanguinários e perversos elementos do Santo Ofício, para que milhares de inocentes se tornassem culpados, roubados e ferozmente assassinados.

Minha participação foi a princípio por medo, mas de pouco em pouco já não era assim, porque uma onda, não sei de que tenebrosas províncias do meu ser, manifestou-se com arrebatadora violência, tornando-me a mais fiel e compenetrada de todas as defensoras da causa inquisitorial.

Os porões e os corredores, os pavimentos de reclusão e as celas, por certo que marcaram por ali a minha passagem, agora transformada em alguém que era temida ao extremo. A Igreja Católica devia ser acima de tudo rica e poderosa, ainda que tudo no mundo findasse. Como diziam seus representantes máximos, um só Poder devia reinar, sobre almas, corpos e bens materiais; entretanto, que ninguém o soubesse, até que tudo se consumasse, para não alertar imperadores, reis e príncipes, a fim de que não houvesse, da parte dos mesmos, atitudes que pudessem comprometer os intentos da Igreja.

Ninguém e nada mais me impunham medo e respeito; nenhuma atitude, por mais escabrosa que fosse, causava-me o menor resquício de remorso; subordinar o mundo à Igreja era o que desejavam Deus e Jesus Cristo, sendo portanto justos todos os recursos postos em prática. E posso afirmar que os superiores, mergulhados naquelas infernais maldades e sangueiras, nutriam pelos servidores cruéis um carinho especial, fazendo perante outros, menos extremados em seus atos de maldade, rasgadas e empolgantes referências.

Quem quisesse ficar bem com os senhores do Santo Ofício, que praticasse as mais terríveis sevícias naqueles que habitavam os calabouços imundos, cheios de bichos, excrementos e mortos já fedorentos. Ter os tacões das botinas manchados de sangue ou pigmentados de massa encefálica era um documento de recomendação perante os superiores, porque atrás de tudo aquilo estavam as posses e as posições sociais daquela gente, tudo convertido em riquezas para a Igreja.

E, sem dúvida alguma, Deus e Jesus Cristo, a Virgem e os Apóstolos, todos estariam maravilhados com aquelas demonstrações de fidelidade religiosa. Assim é que afirmavam os nossos mandatários, e assim é que nos dizia a consciência tremendamente corrompida, transformada em vastíssima caudal de martírios e mortos.

De uma realidade, porém, estávamos todos conscientes – a Igreja Católica Apostólica Romana se estava impondo, crescia em fortunas imensas, devendo estar em breve a reinar sobre todas as almas, todos os corpos e todos os bens terrenos!

E assim as coisas foram correndo, até o dia em que vi, estarrecida, uma parente minha entre os componentes de um grupo que dava entrada nos porões imundos. Como simples empregada, por que estaria envolvida naquelas malhas, entre os que eram citados como traidores da Igreja? E que poderia eu fazer, para conseguir sua liberdade?

Meditando algumas horas, antes de agir, julguei ser o ideal valer-me das amizades que julgava ter; sim, que julgava ter, porque realmente nada tinha, visto como a resposta do homem escolhido fora terminante:

— Minha filha, somente a Igreja é aqui autoridade. Seja grande, enfrente a sua função de frente, para jamais traí-la sob qualquer pretexto. Nada mais tenho a lhe dizer, e sei perfeitamente que a senhora sabe disso.

Aquela parenta, que me criara, por haver falecido minha mãe quando eu tinha apenas sete anos, era para todos os efeitos minha mãe; e por que motivo, sendo apenas uma empregada, agora envelhecida sob o peso dos anos e dos muitos sofrimentos, devia entrar para aqueles mortíferos tratamentos?

Saí de diante do meu chefe como que embriagada; tonta, pernas bambas, coração oprimido, fui chorar dentro de um compartimento sanitário, o lugar onde se podia ter alguma certeza de não haver sombras espiãs. Porque de tal modo as coisas se passavam, que uns aos outros se desconfiavam de vida e morte. E aquele que tivesse a infelicidade de ser apanhado em suspeita, para efeito de disciplina sobre quantos pudessem saber do caso, seria eliminado prontamente, sem ter tempo para alegar direito algum de defesa. Que todos ficassem, pois, alertas contra o menor vestígio de suspeita.

Aquela noite foi terrível, porque tive de enfrentar a realidade da tragédia em plena consciência. Tive febre, gritei, fiz com que duas companheiras de quarto não pudessem dormir. E no terceiro dia, frente ao médico, não era capaz de sustentar-me de pé.

— Convém chamar o padre Marcial – disse o médico, vendo-me naquele estado e sabendo em parte o que ocorria.

Quando padre Marcial chegou, o médico levou-o a um canto, nada tendo eu ouvido da conversa havida entre ambos. Recebi uma palmadinha do padre na testa, acompanhada de uma efusiva gratidão pelos serviços prestados à Santa Madre Igreja.

Saí carregada e fui colocada num leito que fora colocado em um quartinho escuro, no fim de um corredor sombrio. Disseram-me que estaria livre de ruídos e se foram. Dentro de minutos, vinha uma companheira com um bule e me fazia tomar um pouco de amargo líquido. Era, disse-me, um grande calmante nervoso. Dormiria e acordaria melhor, porque o meu mal era esgotamento, produto de ingentes esforços desenvolvidos em prol da Causa Sagrada.

Dormi, realmente, muitas horas a fio; mas acordei tendo pela frente o tremendo drama que minha consciência vivia. O semblante de minha segunda mãe não saía de minha frente, olhava-me com aquela ternura com que me criara. Revivia os dias da infância, da juventude, sempre envolvida pelos seus cuidados maternais. E como podia estar ali, num porão imundo, entregue a tantos sofrimentos? Por que, ó Deus, pensava eu e tornava a pensar, aquela santa mulher devia estar ali e naquelas condições, daquele modo e para aqueles fins?!

Bem sabia que a família fora envolvida nas malhas do Santo Ofício, cujos terrificantes olhos se voltavam, muito mais para os bens e as posições de milhares de pessoas, do que mesmo para as questões religiosas. E se a família estava nas garras sanguinárias do Santo Ofício, quem seria ela, quem seria eu, para libertar alguém ou se libertar?

Muitas vezes cheguei a pensar que devia estar de fato realizando alguma coisa a bem de Deus, ao defender os interesses da Santa Madre Igreja; de tal modo a mecânica infernal me conspurcara a consciência, que cheguei a me julgar uma servidora fiel do Céu; mas agora, frente à minha segunda mãe ali trancafiada, sujeita àquelas mortíferas brutalidades, tinha a mais plena certeza de que tudo aquilo eram crimes e mais crimes acumulados, coisas de homens gananciosos, infernalmente entregues ao serviço das trevas.

A febre aumentou, a noite foi passada em sobressaltos e o médico, no dia seguinte, abanou a cabeça pesarosamente.

— Assim, minha filha, você não vai... Precisa reagir, precisa ter coragem.

Também abanei a cabeça, mas sem dizer nada, porque a minha fala seria um decreto de morte. De modo algum poderia concordar com a estada ali de minha segunda mãe, naquelas condições; e de modo algum eles me fariam essa obra de misericórdia. O Santo Ofício teria, querendo, milhares de servidores fiéis; mas os inocentes não poderiam ter um, sequer, de modo algum.

— Tome um pouco de chá, durma e coma bastante – disse-me o médico – porque você está a se enfraquecer muito depressa. É apenas uma questão de depressão nervosa, nada mais; porém, se não cuidar de si reagindo, terminará mal.

Veio o bule, veio muita comida, veio a mais terrível noite daquela hedionda existência!

No dia seguinte, padre Marcial visitou-me, apresentando seus pêsames pelo estado em que me encontrara; todavia, com ares piegas, salientou que meu lugar estava garantido no Céu, pela severidade com que me dedicara à defesa da Santa Madre Igreja.

— Quem – disse ele – com todas as forças de sua alma se desliga dos infantis laços do mundo, para se ligar à grandeza da Santa Madre Igreja, certamente está com o lugar garantido entre os bem aventurados do Senhor!

Quando saiu, deixou-me a certeza de um nunca mais voltar a me ver; o breve sorriso, acompanhado daquela erguida de olhos, sentenciou a minha saída, para sempre, daquele intrincado e tenebroso meio. E eu, com aquele tremendo peso sobre a alma, concordei em que seria o melhor a acontecer.

Foi uma expectativa cruel, saber que seria envenenada; mas tinha a certeza de que, acima de tudo, era melhor findar de repente, do que ser torturada nos porões imundos, para findar comida pelos vermes e parasitos. E aqui vos falo hoje, que tudo aquilo foram nonadas, em face do que posteriormente aconteceu.


CAPÍTULO 2 

NOS ABISMOS DA SUBCROSTA

 

“Em verdade, em verdade vos digo, que não saireis dali até pagar o último ceitil” – Jesus.

 

Os Sete Céus que compõem o mundo astral terrícola, ou sete faixas concêntricas e superpostas, naturalmente se subdividem em múltiplas subfaixas; e tudo isso para que cada espírito receba, por habitação, o seu lugar específico, a sua morada segundo as determinações dos condicionamentos vibratórios.

Ninguém tem o seu plano de morada por força de organismos burocráticos ou de maquinações de gabinetes; mas a cada um será dado morar em um plano de vida que represente, no exterior, o correspondente do seu padrão interior. É a lei do peso específico a encaminhar cada um ao seu nível comum de habitação e vida, meios e fins.

O submundo, a vida astral da subcrosta, essa vasta morada daqueles que mal se comportaram, que jogaram mal com o dom sagrado de relativa liberdade, é constituído de quase setenta subfaixas. E quanto mais para o centro da Terra sólida, tanto mais inferior. E não é necessário dizer que os mais terrificantes estados existem por ali, e que os corpos astrais ou perispiritais vão se degradando, na razão direta dos desequilíbrios mentais. Portanto, é muito comum a característica de um ser humano, no seu corpo astral, vir a ser a de um animal inferior, podendo atingir a configuração de répteis, que são os níveis inferiores, que são as primeiras manifestações da escala evolutiva, depois dos blocos e das larvas, logo em seguida aos filamentosos.

Falando agora, depois de alguma recuperação feita, posso garantir que a Terra é um mundo muito inferior; porque além de ter um submundo assim medonhamente inferior, tem para o exterior, para fora do mundo físico, muitas faixas negras a contar, onde legiões de seres penam suas transgressões contra a Lei. Não são piores do que as tenebrosas habitações do submundo, mas são lugares de sofrimento, são ambientes de expiação.

Quanto tempo ficará um espírito sujeito a tais expiações?

Tudo corresponde ao montante de faltas, não havendo regra geral, sem ser no fato de ter que sofrer a punição. E como quem paga é  quem contraiu a dívida, fica saliente que o próprio ser é o juiz em causa própria. A vida de cada um é como a sementeira própria, sendo obrigado a colher assim como semeou.

Haveria como discutir com a Lei ou com a Justiça Divina?

Nunca! Porque o SER INFINITO que é Deus, jamais desce à condição de individualidade, para reger o que quer que seja com caráter de particularidade. Em Deus tudo é UNIVERSAL, porque tudo rege por meio da Lei. A Lei Central de Equilíbrio funciona eterna, perfeita e imutavelmente! Ela mesma se desdobra em leis e mais leis, mas a sua marca essencial é fazer tudo retornar à Lei Central.

Em virtude de ser assim, qualquer desequilíbrio representa falta cometida contra a Lei Central de Equilíbrio ou Harmonia; e como a registração é feita no corpo astral do faltoso, quem a desmanchará, sem ser ele mesmo? E se lavrou ata contra si mesmo através de obras, como a resgatará, sem ser através de obras? E se foi em vida, como encarnado ou desencarnado, por que o não terá que ressarcir em vida, até o último ceitil?

Quero deixar bem patente que o sofrimento expiatório não significa crescimento em VERDADE e em VIRTUDE; a punição pelo erro cometido nada tem que ver com a lição a ser aprendida. Depois de sofrer nos lugares de dor, terá que trabalhar e realizar em si a VERDADE e a VIRTUDE, que é como se desabrocha no íntimo o Reino do Céu.

Se a criatura errar, pagará e continuará a caminhada realizadora; mas o ideal seria observar a Lei de Deus, para se manter em eqüidade perante a Lei de Harmonia. Porque discutir ninguém poderá e por cima da Lei ninguém passará!

Estive setenta e tantos anos a perambular pelos lugares mais tenebrosos da subcrosta, tendo dali saído para as faixas exteriores ou umbrosas, sem saber; e se fiz isso automaticamente, ou em virtude de ir pagando contas, ou diminuindo a pressão vibratória, devo dizer que os funcionários desses departamentos e lugares é que me foram aproximando do primeiro posto de socorro. A Lei de Harmonia agia de dentro para fora e eles, sem eu saber, agiam de fora para dentro; e quando as coisas estavam vibratoriamente favorecendo o acontecimento, houve a eclosão do fenômeno inteligente e consciente, houve o contato entre eles e eu.

Fui observando uma luz distante, muito ao longe, luz que se foi aproximando, cada vez mais se aproximando, até que um dia falou, ordenando-me lançar veementes apelos a Deus e a Jesus Cristo.

— Brada ao Emanador e a Jesus Cristo, ó tu que tantos crimes cometeste em nome Deles! Levanta o teu pensamento aos planos de luz e de amor, ó tu que em nome da luz e do amor tantas trevas e tantas dores semeaste!

Estava desnuda, ferida, suja e mal cheirosa; estava defrontando a mim mesma, tal e qual me fizera; mas estava vendo uma luz que falava, que me concitava marchar ao encontro de Deus no meu interior. Depois de pensar, não como falo agora, mas como então podia fazê-lo, atirei-me ao chão bolorento e fétido e chorei como jamais poderia descrever, porque com a alma é que chorava. Para mim, eu estava é saindo do inferno, por uma graça de Deus, tendo obrigação de agradecer a essa graça, a esse favor do Céu. Mais tarde é que me informaram do contrário, de ser a Lei sempre compulsória, obrigando a cada um o dever de reequilibrar.

Quando se me estancaram as lágrimas, levantei os olhos e ouvi que a luz me ordenava caminhar, segui-la sempre, não mais parar; e foi assim que dei, dentro em pouco, com um terreno algo melhorado, cujo melhorado foi aumentando, até ver umas casas semeadas ao longe, em terreno que parecia ser ainda melhor.

Animada, cheia de esperanças, rumei até perto de uma das casas; e foi dela que saiu uma senhora, em cujas mãos trazia umas roupas.

— Vista isso, minha irmã...

— Suja como estou?!...

Ela sorriu, um sorriso penetrante, realmente sorriso fraterno, dizendo:

— Eu sei disso... Todos vêm assim e as nossas roupas são para isso mesmo.

Por ter-me encabulado com aquelas palavras, tornou ela:

— Isto é apenas um posto de socorro... Quem vem vindo, porque vem sendo guiado, deve encontrar normalmente um lugar de recepção, onde encontre roupas e explicações preliminares. Alguns vêm famintos, ou famintas, mas a maioria não, porque as longas tormentas fizeram esquecer essa necessidade.

Tive que fitá-la, sem falar, porque muitas coisas me vieram à  mente, ao ouvi-la falar assim; e foi ela quem adiantou, explicando:

— Isto é no mundo espiritual, compreende? Tudo se parece com a Terra, porque é um lugar muito inferior, é a porta de entrada para os planos de mais luz e de mais amor... Vá procurando entender, mas sem pensar demais, porque todas as verdades derivam de Deus, são simples e normais, em nada importando os conceitos humanos, favoráveis ou contrários... Observe tudo, acima de tudo ame com ardor a tudo quanto for encontrando, porque o amor é a grande lei que glorifica os filhos de Deus.

— O amor é a grande lei que glorifica os filhos de Deus! – repeti eu, com incontida vontade de lhe cair aos pés.

— Isso mesmo – repetiu ela, com voz muito carinhosa.

— Quem a mandou fazer isso? – perguntei-lhe.

— Deus! – respondeu com firmeza.

— Deus?! Ele vem aqui?!... – indaguei, admirada.

Ela sorriu, deu-me tempo de meditar mais e a seguir explicou:

— Minha irmã, tudo quem dá é Deus, porque sem Deus nada existe; porém, se o seu desejo é conhecer as coisas pelas extensões do relativismo, devo dizer que entre Deus e nós duas existem milhares e milhares de chefes, de graus hierárquicos. Assim sendo, Deus nos dá tudo através de Seus mais imediatos filhos, aqueles que mais se elevaram na escala evolutiva. Por exemplo, temos o nosso Cristo Planetário, conhecido pelo nome de Jesus, que você bem conheceu de nome, porque foi em Seu nome que tamanhos crimes cometeu...

— Conhece tudo sobre mim e meus crimes?!... – perguntei, perplexa.

Ela encolheu os ombros, sussurrando:

— Eu também fiz isso tudo... Aqui estou a falar com você, Leonor, como funcionária de Deus, através de Jesus Cristo, e a Este segundo os escalões hierárquicos normais. Há muita ordem nos planos de luz e de glória, porque a cada um é dado rigorosamente segundo o que merece.

Minha cabeça estava cheia de perguntas, mas calei-me; e foi ela quem de novo falou, indagando-me:

— Leonor, quer seguir ou quer entrar e comer alguma coisa?

— Quem diria!... – exclamei, quase assustada.

Ela tornou a sorrir, aquele sorriso fraterno, sentenciando:

— Assim é pela Vontade de Deus. Que adianta pensar de outro modo?

Acanhada, perguntei:

— Não a estou importunando?

Ela chegou-se, abraçou-me, beijou-me e respondeu:

— Eu preciso trabalhar nos domínios do Bem e do Bom, minha querida irmã, para ressarcir grandes faltas do passado e vir a merecer melhores moradias e melhores serviços. Tenha a bondade de servir-se de meus préstimos, para que eu ganhe bem o meu salário...

— Que amor! Que amor!... – exclamei, toda feliz.

Enquanto entrávamos casa adentro, ela é que enxugava umas lágrimas. E se é certo que ela me rogava servir dos seus préstimos de funcionária do Bem e do Bom, também é certo que eu me sentia cada vez mais acanhada; aquela catadupa de amor punha a minha alma em estado de prostração. Ela já era muito grande, amando daquela maneira ao serviço do Bem, enquanto eu era muito pequena, sentia em mim apenas a dívida que contraía. Vendo-me pensativa, e pensativa precisamente por esse motivo, trouxe-me uma vasilha cheia de frutas, algumas conhecidas na Terra e outras não, perguntando-me:

— Não faça isso! Por que ficar triste, agora que está recolhida?

Embora com voz embargada, pude responder:

— Eu sou uma grande criminosa e recebo tanto carinho... Como pagarei tudo isso, minha senhora?

Levantou-me a cabeça, e advertiu-me:

— Já disse que sirvo a Deus e a Jesus Cristo, apenas, aplicando o pouco de amor que consegui realizar em mim, eu que também cometi faltas gravíssimas; e é como você irá fazer, assim que puder. E não pense mais em mim, no meu tempo e no que lhe der, porque isto corre por conta de Deus, o Nosso Pai Divino. É por meio de leis que distribui Justiça, para efeito de punição ou de prêmio. Se esteve pagando pelos erros cometidos, aproveite com gratidão aos benefícios que o Pai agora lhe oferece. Pense nas leis que regem os fenômenos, para não viver cometendo outras tantas faltas.

— Nunca entendi nada disso, minha senhora – respondi.

Ela murmurou, compassiva:

— Eu também nada entendia, pois fora uma freira fanática e cruel, muito mais cruel do que você o foi. Todavia, aqui estou, sentindo a falta que me faz um pouco mais de... amor... Sim, minha querida irmã, eu gostaria de amar de um modo celestial, nem sei como dizer...

Enquanto comia frutas, a conversa se estendeu, até que perguntei onde e quando poderia tomar um banho.

— É num outro posto, que fica logo adiante; ali há gente especializada nesse mister. Os banhos dependem do estado da pessoa, compreende?

— Quando irei para lá?

Com verdadeira ternura no olhar, aconselhou-me:

— Vá correndo, minha querida!

Ajoelhei, agradeci a Deus por tudo aquilo e, por ela acompanhada, subi a colina que ficava atrás da casa. Daquele alto se avistava um vale já bem verdejante e florido, com muitas mais habitações esparramadas.

— Entre naquele casarão que tem uma torre, ouviu?

Despedi-me e rumei para o belo casarão; mas até hoje, depois de tantos anos e tantas vicissitudes, de tantas amizades e de tantos serviços feitos, até hoje, repito, depois de reencarnar duas vezes, lembro-me dela, que agora está encarnada, com uma saudade que me fere com um carinho todo especial. Eu sentia que do eterno inferno alguém me havia livrado por graça, e por graça também havia colocado aquela irmã no meu caminho. Do seio daquelas tormentas inenarráveis, sair para encontrar tamanho carinho, tudo aquilo era coisa para mim inconcebível. Em outras circunstâncias, muito mais poderia parecer muito menos; mas naquelas, eu tinha que sentir e muito a chocantíssima diferença.

Naquela irmã, cujo nome era Aurora, quero ver e reverenciar a todos os trabalhadores do amor; porque onde esteja alguém semeando a Verdade, o Bem e o Bom, o Pai Divino ali estará, em maior ou menor grau, agindo sobre Seus filhos, conclamando-os à Perfeição. E não resta dúvida alguma sobre ser o amor, vazado em termos de bondade, quem realmente levanta os espíritos aos páramos de luz e de glória.

Os religiosismos, os agrupamentos sectários, clericalistas ou não, com suas arengas, com suas falsas importâncias, com seus títulos e suas nobiliarquias, tudo isso é roteiro de aparências e até mesmo crimes; mas o amor vazado em termos de bondade praticada, não de conversas longas, é o caminho do Céu.


CAPÍTULO 3 

NOS CÉUS INFERIORES

 

“Na casa do Pai há muitas moradas” – Jesus.

 

Enderecei-me ao belo casarão das torres, casarão que, se por fora parecia de enormes proporções, por dentro era muito amplo e bem disposto. A torre central, muito mais elevada, era circundada de outras, mais baixas. E se por fora pareciam apenas adornos, por dentro, como após vim a observar, eram instrumentos terapeutas, eram coletoras de irradiações cósmicas, através de dispositivos que não estou apta a relatar, por dependerem as explicações de conhecimentos técnicos de que não disponho.

Outra questão a mencionar, diz respeito aos nomes do diretor da casa e dos seus imediatos e servidores; é que não desejo citar nomes, visto como tudo pertence, em bloco, ao serviço do Bem e do Bom. Se não fossem aqueles que ali estão, substitutos normais daqueles que lá estiveram antes, seriam outros, mas sempre em função do serviço, peças do mecanismo da vida e de suas contingências.

Uma vez que os espíritos são evolutíveis; uma vez que os meios são fornecidos por Deus, através de leis e de elementos, de condições e de situações, tudo o mais é questão de somenos. De cima para baixo ou de baixo para cima, do Cristo Planetário ao menor dos servidores da Lei de Deus, tudo é questão de funcionamento, tudo é dever a cumprir, cada um no seu devido lugar, para que a Sagrada Finalidade seja o mais breve atingida por todos. O Todo é a máquina e o mais tudo as peças constituintes, tanto bastando, para a felicidade de todas as peças, que cada uma faça apenas a parte que lhe compete, para a máquina funcionar bem.

O diretor da casa, que tinha prazer em conversar com todos os recolhidos, assim me recebeu:

— Minha irmã, isto é nosso pelo fato de ser de Deus... Espero que saiba conhecer e usar tudo com muito respeito, para assim colher mais benefícios e dar exemplos dignificantes. Sou o diretor, mas faço questão de ser bem dirigido pelo melhor senso crítico.

Olhou-me bem nos olhos, meditou um pouco e emendou:

— Porque Deus nos dá tudo em potencial, em forma de leis e de elementos, de liberdade e de oportunidades, mas nós é que temos que saber como agir e para que fim. Entendeu bem, irmã Leonor?

— Creio que entendi os seus propósitos, senhor diretor – respondi, com bem pouca certeza do que estava dizendo.

— Pois eu – aparteou ele – ainda cometo umas falhas... Mas estamos saindo das regiões trevosas, compreende? Tudo por aqui é de baixa freqüência vibratória: os elementos em geral e também nós. Portanto, tratemos de fazer o melhor, que já não é pouco.

— Todos por aqui – disse eu – fazem questão de salientar o pronunciado nível de relatividade; ninguém aqui sonha com o perfeito...

— Ora! Ora! Sonhar todos sonhamos, mas apenas sonhamos! – interrompeu-me ele, encolhendo os ombros ao terminar a fala, como a significar que tudo por ali era mais relativo do que eu estava pensando.

Diante de tais franquezas, observei:

— O senhor duvida da utilidade do seu departamento de serviço?

— Pelo amor de Deus! – bramiu ele – Isto funciona como deve funcionar, e tudo por conta de Deus, isto é, de leis que obrigam a ser assim. Basta-nos fazer o que nos compete, e com o amor que nos seja possível, para tudo resultar em maravilhas. Mas, repito, o amor é a chave mestra de tudo. E por aqui, pelo visto, o amor é irmão da simplicidade.

Ocupei o breve lapso para indagar:

— Confesso que tenho sido bem doutrinada, senhor diretor; parece que por aqui todos já foram diplomatas, pois não?

Ele sorriu, considerando:

— Gostamos daqueles que compreendem depressa e temos paciência com aqueles que demoram para compreender. Mas, pode estar certa, agimos com rigor para com os fingidos e mal intencionados.

— E ainda existem mal intencionados por aqui, depois de dezenas de anos de tortura e de tanta bondade prodigalizada, por parte dos residentes da região?

Naquela hora estava chegando o homem por ele convocado para me atender, sendo interrompida a palestra; porém, findos os tratos a serem observados, retornou ele ao assunto, afirmando:

— Você mesma, irmã, irá ter as provas... O Reino do Céu está dentro de cada um de nós, como Jesus afirmou, mas nós estamos ainda muito mais perto da brutalidade... As feras, por aqui e dentro de nós, ameaçam perenemente os anjos e as virtudes.

Tomou-me a mão com um carinho paternal, para me enviar aos tratamentos e aos possíveis serviços:

— Vá, minha filha, trate-se, aprenda e trabalhe o bom trabalho; basta de incompreensões e de trevas, não acha?

Fitei-o bem e vi, nos seus olhos, o brilho de umas lágrimas retidas. Bem se via que era um grande errado arrependido, lutando dentro de si mesmo pela realização do Reino de Deus, essa Glória que dorme ainda dentro de nós, que outros podem e devem auxiliar a desabrochar, mas que, afinal de contas, só a nós compete o dever de realizar, realizando em nós mesmos a Verdade e a Virtude.

O homem a quem fui entregue, um médico, por sua vez entregou-me a uma enfermeira. Rosa tinha sob sua guarda uma fila de tanques e uns trinta e tantos leitos. Tudo, pode-se dizer, estava adstrito a isso, porque se os casos fossem de outras montas, seriam enviados a outros setores. Eu estava suja e combalida, mal cheirosa e algo febril, mas estava perfeita de físico, não tinha chagas, não estava deformada. Desses casos cheguei a ver muitos, e muitos, e muitos ajudei a tratar, mas o meu caso era muito mais simples, porque, como eles disseram, eu tinha agido mais por ignorância e medo, do que mesmo por outros motivos. E os longos anos passados no submundo, sofrendo como sofrera, fizeram o serviço de punição.

Frente à fileira de tanques, disse-me Rosa:

— Hoje, Leonor, você entrará no primeiro deles; lembre-se de que não é apenas água o que eles contêm, mas alguns agentes químico-energéticos. Repare que os fios vindos das torres os circundam por dentro, carregando-os de elementos, de cargas de força que eu não saberia explicar.

— Como entrarei ali? Com que roupas? – perguntei, vendo que muitas irmãs por ali transitavam, de um lado para outro, sem se importar com ninguém.

Ela sorriu do meu desconhecimento de causa, dizendo:

— Pode entrar como está, porque estas águas são diferentes das da Terra, sendo também diferentes as pessoas, embora não muito.

Apontou uma escadinha, mandou entrar e banhar também a cabeça. Fiz como ela disse e ali fiquei por algum tempo, até ela voltar e mandar-me sair. Notei que a água secou por si mesma e muito depressa, deixando um bem estar maravilhoso, uma leveza que parecia sublime.

— Agora – convidou-me ela – venha tomar um suco, para depois dormir um longo sono... Você dormirá desde o primeiro banho... Vantagem sua, pois muitos aqui passam meses, em torturas, gemidos e convulsões, antes de poderem dormir e recuperar o equilíbrio de si mesmos.

— Por quê? – perguntei.

Rosa fitou-me com profunda significação, para murmurando sentenciar:

— “Quem com ferro fere, com ferro será ferido!” “Em Verdade vos digo, que não sairá dali, sem pagar até o último ceitil!”

— Justiça Divina? – retornei.

Fez uma curvatura de dorso, repetindo:

— Justiça Divina, minha irmã, e que se impõe acima de conjeturas humanas.

— E como agem os médicos? – voltei a perguntar.

Ergueu os ombros para dizer:

— Vão dando voltas por fora, com profundo respeito pelas voltas que os males vão dando por dentro. Tratam dos males, com o amor que a Justiça Divina merece e faz respeitar nas criaturas. Eles e nós todos ganhamos trabalhando, enquanto os doentes ganham tendo paciência e aprendendo as lições do Evangelho. Verdadeiramente, Leonor, o grande remédio é o Evangelho, é a Verdade, o Bom e o Bem.

— A Verdade, o Bem e o Bom! – repeti, perfeitamente concorde.

Rosa ergueu o dedo da mão direita, como quem pede atenção, afirmando:

— Não o Evangelho das longas conversas, não o Evangelho dos formalismos; o Evangelho, aqui, é procedimento, é vida em sociedade, é trabalho fraterno. Temos aqui gente vinda de todos os níveis da hierarquia religiosa, mas gente que veio dos abismos do submundo. O Evangelho de fora aqui não forma como valor algum, antes representa muitas culpas. Vá aprendendo a lição dos fatos, Leonor, porque a Justiça Divina desconhece e aborrece a todos os conchavismos de homens.

Interessada, perguntei:

— Como lêem o Evangelho, aqui?

Simplesmente, explicou:

— Para saber como Jesus viveu os Mandamentos da Lei de Deus, nada mais. Se o Divino Modelo agiu como agiu, que os modelandos procurem imitá-Lo. E quem não o fizer antes, algum dia terá que fazê-lo, porque em Deus tudo é Eterno, Perfeito e Imutável. Isto é, nenhuma designação de Deus jamais voltará atrás, compreendeu?

— Isto eu o compreendo muito bem – respondi.

— Pois faça questão de viver essa compreensão! – respondeu, veementemente.

Naquela hora, estava com o grande copo de suco avermelhado nas mãos, pronta para tomá-lo e tendo um leito muito bem preparado para nele deitar, pela frente. Tomei o suco, deitei-me e dormi horas e horas a fio.


CAPÍTULO 4 

O BEM É A RELIGIÃO

 

“O que é Verdadeiro, Bom e Belo, conduz a Deus” – Pitágoras.

 

Acordei envolvida ou penetrada de uma leveza estranha, suave, celestial; parecia ter vindo de distantes regiões, e, se fosse comparar com o estado anterior, diria ser um estado realmente celestial.

Deram-me, para mudar, uma roupa cor-de-rosa:

— Fica-lhe mais de acordo com o estado psíquico; o branco é muito simples, desde que não seja brilhante, e o rosa é mais vibrátil. Você sempre foi bastante ativa e inquieta, nervosa e impulsiva, não é isso?

— Seja como for, Rosa, esta cor me agrada mais. Será um simples caso de simpatia, mas o fato é que o rosa me agrada bastante.

Olhando, observei que as roupagens eram de variados tons, havendo gente enfeitada, com roupagens de três e quatro cores. Perguntando, respondeu-me Rosa as condições de tudo, roupas e utensílios, que eram por gosto e, acima de tudo, por merecimento.

Entretanto, passou-me o recado:

— Saiba, Leonor, que você tem cinco dias ao seu dispor, para observar o lugar, ler e passear, visitar algumas casas e fazer algumas perguntas.

— Algumas perguntas? Como saberei o que e como perguntar?

Sempre solícita, Rosa discursou:

— Leonor, esta região é a porta de entrada aos planos de luz e de glória; e nós somos gente que vem de baixo e não de cima; portanto, observe, teremos muito que perguntar e por milênios a fio, durante as vidas sucessivas e as avalanches de questões a defrontar. Nesta região, por exemplo, embora sendo inferior, todos podem notar a diversidade de atividades normais e a multiplicidade de recursos a serem empregados, para a máquina funcionar bem. Ninguém aqui poderia fazer tudo, nem tampouco saberia fazer tudo, como você irá observar. Portanto, repetimos a velha sentença: “Quem não respeita o Saber e a Virtude não é civilizado.”

— E as perguntas? – indaguei, interessada.

— As perguntas – prosseguiu – você as fará quando achar conveniente. Porém, tenha certeza, muita coisa entrará como experiência própria e muita coisa irão lhe dizer, sem que você formule perguntas.

— Por exemplo, Rosa, você falou em vidas sucessivas; aí tenho eu por obrigação perguntar, visto como os padres enviavam aos calabouços por muito menos.

Abanou a cabeça negativamente, perguntando-me:

— Quem perseguiu, prendeu, judiou e crucificou o Cristo?

Notou em mim a perplexidade causada pela sua resposta, adiantando:

— Querida irmã Leonor, peça Virtude aos virtuosos, Verdade aos verdadeiros, Conhecimento aos conhecedores e Liberdade aos livres; não cometa a leviandade de confiar em quem fala de Deus ou em Seu nome faz gestos e mercâncias. Temos em nós as provas de tantos males derivados das clerezias em geral, que já deveríamos estar imunizados contra tudo isso pela eternidade afora.

— A Verdade, o Bem e o Bom! – repeti, com entusiasmo.

Encarou-me com aquela singeleza que a caracterizava, completando:

— Na medida de suas possibilidades, saia imitando o Cristo; isto é, procure ir vivendo a Lei de Deus. Porque eu te afirmo, Leonor, que ela inteirinha tem aqui aplicação. E quero afirmar que, nos mais altos planos da vida, sempre subindo em suas mesmas amplidões, ela é a Chave do Triunfo.

Andando que estávamos, a conversa nos furtou de observar melhor o terreno e as coisas que se passavam; mas agora Rosa estacou, apontando:

— Estamos andando na direção do Vale da Separação...

— Vale da Separação?

— Sim, por onde todos chegam aqui... O caminho que você trilhou.

— Não percebi Vale algum.

— Não perseguiu uma luzinha que chegou a falar, Leonor?

— Sim, assim foi.

— Muito bem. A luzinha era um servidor dos caminhos, e o Vale você não poderia mesmo notar, estando como estava. Entretanto, saiba, ninguém aqui chega por acaso e sem ser por esse Vale. E saiba também, que sem ser um labirinto, ninguém o percorre e atinge os nossos campos já verdejantes e floridos, sem ser guiado.

— Entendo, Rosa, que a Justiça Divina funciona com inteira organização e através de leis e elementos, como já me disseram. Enfim, Deus está em tudo e oferece o merecido a cada um. E para ser assim, os ambientes e as pessoas entram na movimentação dos fatos até mesmo sem saber.

Rosa revelou alegria, dizendo:

— Isto mesmo! Vá tirando conclusões por si mesma, que valem mais na estrutura do orçamento evolutivo.

— Gostaria de ver mais nessa direção; é isso possível?

Rosa agora soltou amigável gargalhada, adiantando:

— Muito vai ter que agir por esses abismos, fazendo marchar gente que andou semeando trevas e que vive colhendo infernezas, antes que volte à carne. Seu trabalho vai ser por aí mesmo, por um bom tempo, e depois reencarnará. Mas, vamos até a saída do Vale. E vamos andando, que você não poderá voltar antes de tomar o quarto banho.

Antes que eu perguntasse, ela falou:

— Eu sei que tem muito a perguntar, Leonor; e darei as respostas, como as possa dar, sempre que possível. Agora, sobre os efeitos do banho, digo que têm a propriedade de tornar mais leve o seu corpo espiritual. É uma espécie de descondensação, ou de mais fluidificação, para vir a ter mais saúde e a poder volitar quando quiser.

— Em todos os casos? – perguntei.

— Jamais! – respondeu, afável – Os casos variam de muito, para não dizer ao infinito. Alguns passam meses entre feridas e febres, enquanto outros, como o seu caso, prestam-se a imediatas recuperações. E não faltam os perturbados mentais, que vão para outros departamentos, compreende?

Quando chegamos diante da casa onde recebi a roupa e as primeiras instruções, Rosa me avisou:

— Veja que temos doze casas alinhadas, com a frente voltada para o Vale; e lembre-se de que cada uma oferece uma espécie de ajuda. Você só precisava de uma roupa, mas há outros que precisam de comidas, bebidas, informes jeitosos, palavras de estímulo, fumos, padiolas, etc. Lembre-se de que, se tiveram que viver longos anos nas trevas, também o simples fato de merecer recolhimento significa medida de respeito aos seus usos e costumes normais.

— Por isso recebem a todos com verdadeira ternura? – inquiri.

— Ternura! Ternura! – balbuciou ela, enlevada – Que palavra maravilhosa, para significar o amor que nós devemos ao trabalho em si e aos irmãos aos quais podemos e devemos ajudar, através do trabalho.

Depois de breve e meditada pausa, retornou:

— Sim, minha querida irmã, aqui estamos para estender as mãos, para amparar, porque a Justiça Divina cabe a Deus, e não a nós, dela dispor. E bem sentimos nós, todos os trabalhadores destes locais, que viemos dos lugares de pranto e de ranger dos dentes, que AMOR é a palavra mágica de que precisamos, para, traduzindo-a por ternura, como você disse, convertê-la em vida feliz e esperançosa.

Rosa tinha os olhos marejados, os seus grandes olhos verdes e cismadores, e eu tive que lhe perguntar:

— De que a fiz lembrar, minha amiga? Lamento o que fiz...

Ela assinalou que não, abanando a bela cabeleira castanho-clara, explicando:

— Todos merecem ser tratados com ternura, depois de virem ter às nossas residências e departamentos; mas é muito triste lembrar a chegada daqueles que a vida ou destino fez-nos ligar pelos elos consangüíneos mais íntimos. Estava a lembrar a chegada de minha mãe, faz uns cinco anos... Eu só o soube uns três meses depois, quando ela já estava muito melhor, e isso devi à ternura de trato daqueles amigos que a receberam e a trataram. São estas atenções, Leonor, que trazemos em nossos corações, fazendo-nos reconhecer que as graças de Deus com bem pouco esforço podem ser vazadas por nós, Seus filhos ainda pequeninos.

Enquanto apontou para um vulto que vinha surgindo das brumas, foi avançando nos conceitos, até considerar:

— Por isso é que compreendo a função missionária de Jesus; é que ninguém é grande fora do amor, e os grandes de verdade, parece que com bem pouco esforço se convertem em ternura para os seus irmãos menores, ignaros e maldosos.

Ela continuou apontando para o vulto negro e vimos, dentro em pouco, que era um homem esfarrapado, que mais andava de rastros do que de pé; e como Rosa cruzasse as mãos sobre o peito, entrando em oração, naturalmente em favor do pobre irmão, também fiz o mesmo. Orei com o melhor dos impulsos, lembrando o carinho com que fui recebida, procurando agradecer a Deus por tudo, ao ofertar ao pobre irmão aquela rogativa. E senti um estranho movimentar de forças em mim, dentro e fora de mim, que cheguei a me assustar um pouco.

Ao terminar a oração, Rosa disse-me:

— Faça sempre assim, ouviu?

— Como?

— Agradeça a Deus oferecendo préstimos aos outros, sejam lá de que ordem possam ser, porque assim Ele o deseja. Deus não quer ser adulado, quer ser servido. E como servir a Deus, sem ser através da Verdade, do Bem e do Bom?

— Mas, Rosa, como soube o que eu pensei?!

— Como você também virá a saber, quando chegar a hora.

Apontou para o lado das brumas, na direção de onde viera surgindo o homem e disse, perguntando:

— Que vê, naquela direção?

— Brumas e nada mais.

— Mas eu vejo longe, através do vale, sabendo onde estão os servidores do Vale e o que estão fazendo; como julga que isso acontece?

— Faculdades? – perguntei, duvidosa.

— Sim, mas faculdades que estão em todos os filhos de Deus, restando apenas i-las desenvolvendo. Eu consigo um pouco, mas há irmãos, por aqui, muito avançados em muitas outras virtudes espirituais. E, lembre-se, isto por aqui é lugar de gente muito pequenina em matéria de luzes e glórias espirituais.

Chegou-se a mim, colocou-me o polegar entre os dois olhos e disse-me:

— Vá pensando em ver, em penetrar nas brumas, em estar lá dentro delas...

Primeiro senti uma carga de força que me fez estremecer toda; depois, aos poucos, fui observando rolos de fumo, que se envolviam, parece que vindos do chão; e depois notei que via alguém, não distintamente, que estando enroupado e coberto com um capacete luminoso, endereçava o jato fosco em certa direção.

— Olhe na direção do jato! – ordenou Rosa, com vigor.

Olhei e vi o jato bater na testa ou na cabeça de um vulto muito alto, porém parecendo feito de carvão, tal a densidade e o facetado que revelava. Eu tive a impressão de ver um homem enorme, feito ou vestido de carvão de mina, mas Rosa logo me informou:

— Cada um constrói o seu corpo astral de acordo com o seu modo de sentir e agir; e posso lhe garantir, Leonor, que os muitos anos passados em tal estado, podem fazer revolver as formas animais inferiores pelas quais já transitamos, durante a escalada pelos reinos e espécies. Surgem homens e mulheres das brumas, e surgem também monstros por fora que casulam homens e mulheres por dentro.

— E que fazem, para eles?

— Vão parar na casa própria, que é a da extrema esquerda; o pessoal é competente e a aparelhagem é própria. É só questão de dardejar com jatos de força e fogo, para surgir o ser humano, mais ou menos ferido. E como a tramitação pelas casas de tratamento é normal e perfeita, pode compreender que tudo são leis e recursos, atrás de cujas leis e de cujos recursos, está o Emanador, agindo através de irmãos nossos muito crescidos em Amor e Sabedoria.

— Crescidos em Amor e Sabedoria! Como isso é bom de ser ouvido!...

— Melhor de ser vivido, Leonor – respondeu Rosa, lançando-me olhar inteligente e compassivo.

Não tive receio de perguntar, notando-a assim amiga:

— Você conhece gente desses reinos superiores?

— Sim, todos os trabalhadores desta região conhecem criaturas algo superiores... Digo algo superiores, porque os de muito alto nada poderiam fazer entre nós. Para cada plano do mundo astral há um modo de viver, porque há um modo de ser que condiz com o grau de evolução ou de progresso das criaturas. E por ser assim, os nossos mestres nos falam consoante as nossas possibilidades de entendimento e de ação. O que nos mostram e nos dizem é compatível com o que devemos ir pondo em prática.

E fitando-me nos olhos, como a querer falar ao mais profundo de mim, lembrou o Cristo:

— O Cristo, o Grau Perfeito, está para todos nós reconhecido intelectualmente... É a Sagrada Finalidade a ser atingida através do Processo Evolutivo... Mas seria loucura pretender lá chegar sem escalar todos os matizes de graus que ficam nos intermédios. Creio que você pode compreender a evolução gradativa das criaturas, não pode?

Externei o meu pensar:

— Bem, se a Perfeição é obrigatória, porque em Deus não há desígnios que possam falhar, para lá marcharemos. Porém, Rosa, do modo como as religiões ensinam as criaturas, isso deve custar muito.

Calhou de vir aparecendo outro vulto, mas este rastejando e bradando socorro, e Rosa o apontou, murmurando:

— Observe, Leonor, o que fazem os falsos ensinos religiosos... Em lugar de mandar viver a Verdade e a Virtude, para que o Cristo Interno se realize segundo a Divina Modelagem do Cristo Externo, o que fazem é mandar dobrar os joelhos diante de seus donos e dos simulacros que os engordam. E o resultado, observe bem, aí está demonstrado nesse pobre irmão, que bem representa a Humanidade ludibriada pelos religiosismos.

Atrás do irmão rastejante estava um vulto envolvido em grossos panos e coberto por um capacete muito esquisito; foi para ele que Rosa apontou, explicando:

— O irmão rastejante não sabe que está sendo socorrido, por isso clama por socorro; entretanto, guiado pelas projeções do trabalhador, lá vai na direção da casa que lhe compete. E, tome nota, alguém já recebeu o aviso, estando de prontidão, para o receber do melhor modo.

— Gostaria de ver isso de perto, para ir aprendendo – roguei.

— Então, vamos para lá! – anuiu Rosa, satisfeita.

E assim que iniciamos a marcha, acentuou:

— É muito bom que você tenha vontades felizes; isso nos auxiliará a ministrar ensinos, compreende?

E fomos seguindo de perto o homem que rastejava, desejando ardentemente que chegasse o mais depressa à casa na direção da qual estava indo. Tendo em mim as marcas de duríssimas tormentas, parecia que me sentia nele, tendo nisso uma das grandes razões para lhe desejar o melhor possível.

A caminhada foi um tanto demorada e dolorosa, cheia de exclamações da parte do homem rastejante; ele parecia estar fugindo de alguém, pois olhava de quando em quando para trás, arremetendo após com impetuoso impulso para a frente. Notando isso, perguntei a Rosa, tendo ela respondido:

— Em tais estados, lembre-se, a criatura pode estar vendo coisas criadas pela sua mentalização. Não vê o que há, mas aquilo que criou pela ideoplastia. Note que ele não vê o trabalhador nem a nós tampouco, enquanto vê ou julga ver perseguidores ou fantasmas, etc.

A certa distância da casa objetivada, o trabalhador parou, fitando-o com o máximo de atenção, depois de tirar o capacete. E Rosa convidou-me:

— Vamos ter uma prosa com o irmão trabalhador, enquanto o outro chega perto da casa e alguém lhe vem ao encontro.

Estivemos conversando uns minutos, diremos, com o trabalhador, e ele nos disse ser aquele um dia fraco de trabalho; poucos vinham do abismo, poucos estavam atingindo as fronteiras de luz e de socorro.

Era um homem alto o trabalhador, enorme mesmo, de fala grossa e potente, um trovão me parecia; seu semblante refletia a dureza de seu olhar, uma dose de energia bastante grande. Diria que era alguém treinado para mandar mentalmente, e que assim fora treinado, pelo simples fato de ser isso nele natural. Estava talhado para a coisa, funcionava no terreno certo.

Após a breve conversa, disse ter mais duas horas, ou medidas de tempo a tirar antes de ser substituído. E lá se foi, bruma adentro, à cata de trabalho, para dele tirar os proveitos normais progressivos. Quando meteu o capacete na cabeça enorme, reparei que tinha na frente um pedaço de metal ou uma pedra polida, sendo dali que devia sair o tal jato de luz ou força. Tendo perguntado a Rosa, sobre a questão, respondeu-me:

— Não sou forte nisso, mas pode estar certa de que o pensamento do trabalhador é a chave do êxito... Tenho observado, Leonor, que tudo por aqui depende do pensamento que emitimos. Existem elementos e aparelhos, mas é necessário pensar certo e forte, para conseguir o desejado. E sabemos que, quanto mais para os altos planos, tanto mais a mente dirige tudo.

Estávamos andando na direção do irmão rastejador, que se avizinhava da casa que lhe competia, a fim de receber os primeiros socorros, quando Rosa apontou:

— Veja lá adiante, à esquerda, o que acontece.

Divisei um enormíssimo chimpanzé, ladeado por alguns trabalhadores, cujos jatos eram endereçados ao monstro.

— Observe como procuram controlá-lo... Pense também, quanto trabalho dá aos socorristas... E considere que atrás de tudo estão a Lei de Equilíbrio e a Máquina Judiciária, agindo em conjunto, para que tudo atinja seus objetivos.

— Perfeita organização! – exclamei.

— Muito bem, perfeita organização. E, resumindo, tudo para indicar a todos os filhos de Deus o sentido Moral da Vida, sem o qual não se atinge o Amor. Se alguém quisesse dar explicações ao porquê de tudo, teria que reduzir tudo a três fatores – Origem Divina, Processo Evolutivo e Sagrada Finalidade.

Dois homens saíram da casa, assim que o irmão rastejante dela se avizinhou, equipados de uma padiola verde, bem verde, parecendo de madeira pintada. Trataram de colocar o pobre irmão sobre ela, sem falar, embora ele, todo desajeitado, continuasse a pedir socorro.

Entramos na casa e Rosa nos apresentou, e a duas irmãs também; e pude observar as roupas do homem, esfareladas e lamacentas, mas onde se via que era uma sotaina. E clamava socorro contra os demônios que o perseguiam.

— Olhe bem para ele! – ordenou Rosa, com muito vigor.

Estremeci, porque era o padre Marcial que tinha os olhos saltados, revelando estar em grande perturbação. Direi que era o retrato do pavor, apenas isso. Mas o meu susto logo passou, porque Rosa sentenciou:

— Leonor, nós temos a Grande Via dentro de nós mesmos; ela vai para baixo e para cima, sendo que cada um se movimenta pelas suas obras, nada mais. Quem se estabelece na Consciência da Verdade, encara tudo com inteira prudência, porque sabe que em Deus não há erro. Apenas, observe bem, agirá sempre na certeza de que não existem mistérios nem milagres, porque tudo é regido por leis e elementos.

Assim observada, ponderei:

— Outra vez, Rosa, vem à tona a questão religiosa...

Ela me tolheu a fala, afirmando:

— É uma questão de Verdade e não de religião, minha querida irmã; é para a frente e para o alto o sentido da vida, não é para baixo e para trás. Vamos encarar a questão pelo prisma do Cristo, que dentro de alguns tempos começará a ser realmente conhecido e imitado; vamos deixar as superstições e as idolatrias para trás, que outros tempos estão sendo avisados pelos nossos instrutores...

Agora foi minha vez de interrompê-la:

— Que tempos, Rosa?

Com acentuada penetração nas coisas do porvir, esclareceu:

— Estamos sendo avisados de acontecimentos futuros grandiosos... Nossos irmãos de pouco mais alto, quando nos visitam, dizem de acontecimentos futuros maravilhosos, pois falam na restauração da Doutrina deixada pelo Cristo... Dizem que vultos de escol estão encarnando, seguidamente, para este fim. E também salientam, que estando nós mais perto da crosta, muito iremos ter o que fazer, porque outros departamentos irão sendo instalados, quando for hora, para o desempenho de funções que ainda não conhecemos. E os nossos chefes, talvez mais avisados, vivem demonstrando umas alvíssaras indefiníveis, parece que prevendo uma renovação do mundo, a volta do Cristo ou de alguém que fale por Ele.

Neste ponto estacou, olhou-me bem e balbuciou:

— Bem, minha irmã, isto me parece ser o que dizem... Eu também gostaria que isso acontecesse... Afinal de contas, Jesus não pode ter sido o que dizem os religiosos, os donos de religiões, essa droga que anda envenenando as gentes, remetendo essa pobre gente aos infernos, de onde se sai desse jeito...

Cismou, colocou as duas mãos sobre o peito e completou:

— Ora! Ora! De onde viemos todos nós... Com quem aprendemos a errar? Em virtude de que crimes praticados passamos dezenas de anos nos abismos? E que fazemos, militando nestes lugares inferiores, senão curtir o atraso que os falsários religiosos nos impingiram?

Enquanto Rosa terminava o seu veemente protesto contra as patifarias que andaram e andam passando por religião na Terra, o homem dementado dava entrada em uma sala ampla, bem arejada, profusamente enfeitada com folhagens e flores, conduzido, é claro, pelos padioleiros.

— Que belo o enfeite desta sala! – exclamei – Quantas flores!

Rosa explicou-me, solícita:

— Aqui não valem como enfeites e sim como terapêutica... Preste atenção no que vai pelo chão.

Vi que a padiola fora colocada sobre uma corredeira de madeira, toda gradeada: parecia uma mesa toda furada e muito longa, porém baixinha, de uns vinte e cinco centímetros de altura, no máximo. E foi ali que ataram, com padiola e tudo o mais, o pobre irmão.

Eu ia perguntar, mas Rosa fez sinal de silêncio, assinalando também que procurasse ver tudo com muita atenção. O ato seguinte foi a retirada de um estrado que fazia a vez de assoalho, aparecendo uma canaleta de um metro e pouco de largura, por onde a seguir começou a correr uma água muito limpa.

Depois vieram mais quatro irmãos, que davam a impressão de sadios lutadores, dado que ostentavam possante envergadura física. Colocaram-se todos ao lado do irmão dementado, como que aguardando ordens. E foi o que aconteceu, porque a mais autorizada irmã, a seguir, comandou:

— Vamos todos estender as mãos na direção do irmão, porém vamos dividir as forças, metade para cada lado.

Rosa me aconselhou:

— Faça como os outros, apenas, que tudo sairá bem.

Ora, foi o que fiz, estendendo as duas mãos na direção de padre Marcial, que foi como os outros fizeram.

— Roguemos ao Senhor – ordenou a irmã – em benefício deste irmão; que se faça a Sua Divina Vontade!

Dentro em pouco as coisas se foram mudando, porque uma neblina densa, porém de aromatizada intensidade se formou, envolvendo a todos, mas de preferência ao irmão Marcial. E reparei que tudo vinha de cima, caindo sobre ele, ou passando por ele, caindo após na canaleta, mas agora com feias cores, um visgo repugnante, que não cheirava nada bem.

E aquela batalha durou um bom tempo. Digo batalha porque, estando o pobre irmão agora a queixar-se muito, dele emanavam nuvens negras, que pareciam lutar contra a densa e cheirosa neblina, que vinha de cima, empurrando tudo para dentro da canaleta.

— Mais perto! – comandou a irmã.

E nos achegamos, ficando com as palmas das mãos sobre o padre Marcial, que parecia cair em prostração. Nossas mãos estavam a uns trinta centímetros de altura, tendo eu visto perfeitamente que delas saíam uns raios de luz, não sendo porém iguais, de pessoa para pessoa e de dedo para dedo.

— Mais baixo! – tornou a irmã.

E puseram as mãos sobre ele, que agora dormia. Entretanto a neblina caía com liberdade agora, sem encontrar oposição em nuvens negras. Também o visgo se foi diminuindo, começando a correr, dentro em pouco, água limpa pela canaleta.

— Terminado! – determinou a irmã.

Uma vez livres, Rosa perguntou-me:

— Gostou de auxiliar?

— Gostei; mas ele ficará dormindo?

Rosa indicou o movimento e disse:

— Olhe e entenda; porque ele será levado para a sala ao lado, onde deverá ficar, até que acorde normalmente.

De fato, estavam-no desatando. E onde o colocaram, uma mesa pintada de verde, com abas levantadas, foi também coberta de folhagens e flores, ficando padre Marcial completamente coberto, mergulhado em flores e folhas.

— Daí sairá liberto? – perguntei.

Complexa pergunta! – exclamou Rosa, abrindo muito os olhos.

— Por quê?

Ela pensou um pouco, para depois responder:

— Primeiro, que ele talvez fique sujeito a muitas aplicações como estas; segundo, que a cura do corpo astral não significa redenção de faltas; terceiro, que a verdadeira libertação só se atinge pela cristificação.

— Creio que entendi... – tentei explicar.

Rosa adiantou-se:

— Bem, você irá entendendo aos poucos; mas faço questão de salientar que o problema da libertação total só se consegue pela vitória sobre a lei das reencarnações obrigatórias. Só depois de atingir o Grau Crístico, entendeu?

— Quer dizer que agora ele terá que sarar do corpo astral, nada mais?

— Embora sarando por fora, ficará com as marcas registradas por dentro; o corpo astral é todo escamado ou fibroso, e as registrações ali ficarão, para serem desfeitas no curso das provas e expiações. Quem cria é que deve modificar, ninguém podendo fazer por ele a modificação. A Lei de Harmonia é Perfeita e a Justiça Divina é simples. Não entende quem não quer.

— Quando terá, ou teremos, que fazer as modificações?

— Resumindo, Leonor, o nosso corpo astral terá que vir a ser Luz Divina, ou como o é o chamado Segundo Estado de Deus; eis como já são os espíritos cristificados, eis como seremos todos, porque os desígnios de Deus não falham. Pouco importa perguntar onde, como ou quando, porque da Lei de Deus ninguém escapará. Se quiser saber das ferramentas a usar, digo que são duas, porque elas contêm todas as demais – Amor e Sabedoria!

Ali findou a prosa, porque Rosa tinha outros compromissos em vista. Despedimo-nos de todos, que se mostraram gentis em extremo, fazendo questão de oferecer os seus respectivos préstimos.


CAPÍTULO 5 

TODOS SERÃO PUROS E SÁBIOS

 

“Façai-vos unos comigo, porque sendo eu uno com o Pai, viremos a formar uma unidade só” – Jesus.

“A Finalidade Sagrada, o Grau Crístico ou de Uno, é normal na ordem biológica, a todos pertence; o que é imperioso, porém, é atingi-lo o quanto antes, fugindo dos religiosismos, dos fanatismos sectários, procurando as trilhas da Verdade e da Virtude.”

 

Depois do quinto banho fui ensaiar a volição. E antes de isso poder acontecer, andei acompanhando irmãos servidores, aprendendo muitas coisas, mas reconhecendo que o Amor e a Moral estavam nas bases de tudo.

Perfeita Religião é a vivência da Moral e do Amor; o restante, se presta, é parte integrante, e, se não presta, é o caminho de trevas e de dores!

Falando agora, depois de embutida nas lides do Espiritismo, do Caminho do Senhor reposto no lugar, penso com muita tristeza no que vai pelo mundo dos encarnados, porque até mesmo no seio do Espiritismo já existem irmãos que fazem questão de ser sectários, de pender para o lado das paixões religiosistas, dos estreitismos de grupos e de facções, quando a Excelsa Doutrina do Caminho nada tem de comum com essas inferioridades. Quem poderá ser espírita verdadeiro, sem Verdade e sem Virtude? E como poderia alguém aprisionar a Verdade e a Virtude, reduzindo-as a manobrismos, a coisinhas de mórbidas tendências?

Todavia, mais tarde ou mais cedo, todos aprenderão que, em todos os sentidos e para todos os efeitos, a Moral e o Amor, a Verdade e a Virtude, terão que estar nas bases de todos os movimentos humanos. Enquanto isso não acontecer, enquanto isso for ignorado, as regiões de treva, pranto e ranger dos dentes, terão muito que fazer na Terra!

— Vamos, Leonor, a um passeio? – perguntou-me Rosa, vivamente feliz.

— Ora, se desejo passear!... Hoje termina minha folga, pois não?

— Então vamos, mas nada de pensar em trabalho, por agora. Cada coisa deve ficar no seu justo lugar.

E rumamos para o lado das camparias floridas, riscadas de rios e riachos, onde bandos de aves brindavam a vida com suas maravilhosas cores e cantorias.

Ao chegar junto a um bosque, sentei-me na relva perfumada, porém Rosa perguntou-me:

— Não gostaria de fazer algo mais agradável?

— Mas isto é um sonho! – exclamei, sentindo-me imensamente feliz.

Ela endereçou-me olhar profundamente amigo, dizendo:

— Venha comigo...

Levantei-me e segui-a, até que mais distante um pouco, muito compenetrada de alguma razão que eu desconhecia, disse-me:

— Agora feche os olhos, pense em Deus com o máximo de seu coração e vamos em frente!

De mãos dadas, fomos andando, até que me senti sem nada debaixo dos pés; e, tendo por isso assustado um pouco, abri os olhos e olhei para ela, como a procurar socorro. Ela apertou-me a mão, dizendo com firmeza:

— Mande no seu corpo, Leonor! Eu quero volitar e o faço; por que você não deve fazê-lo?

De fato, sabendo que a coisa se resumia em comandar pelo pensamento, dentro em pouco estava ensaiando alguns movimentos. Há, de início, uma certa vacilação, porque a gente confia desconfiando, por isso nem tudo acaba saindo muito bem; mas assim que se adquire confiança, compreende-se que tudo é mandar com certeza e simplicidade, para fazer o que se quer.

Ensaiamos muitas coisinhas, inclusive ver muito mais além primeiro, para depois verificar indo até lá. E assim foi que vimos a paisagem do alto, tendo chegado até a maior cidade próxima, onde Rosa mandou observar o que havia sobre as escolas e os hospitais.

— Repare – disse ela – que paira no ar uma fosforescência em forma de cone, de onde vêm faixas de luz, que são energias ou eflúvios reclamados pelas orações de muitos corações aflitos e de pessoas queridas ou servidoras.

Ela comandou e eu fiz como ela disse, ficando ao lado da faixa fosforescente, em observação; e vi, como ela dissera, através do teto e das paredes, as pessoas acamadas, sentadas, vendo também os médicos e os enfermeiros em grande movimentação. Aquele maravilhoso quadro me fez pensar com bastante vigor nas grandiosas oportunidades e por isso perguntei a Rosa:

— Que irei fazer eu, Rosa, de amanhã em diante?

Sem nenhuma alteração no semblante, respondeu:

— Irá fazer o Bem e o Bom, minha querida; apenas isso, porque tudo na vida importa em aprender a fazer o Bem e o Bom, para daí surgir o Reino de Deus que temos dentro de nós mesmos, como o Cristo falou e demonstrou. E você, Leonor, que andou pelos porões a fazer coisas contrárias ao Bem e o Bom, pode aqui mesmo e dentro de algumas horas, começar o maravilhoso serviço de reparação, acumulando ainda fartos recursos em benefício da cristificação própria.

— Rosa, como você é esplêndida! – exclamei, vendo que ela estava com um facho de luz no peito e uma coroa azulino-dourada sobre a cabeça.

Ela, olhando-me com imensa ternura, aconselhou-me:

— Leonor, procure amar sempre e sempre! Tudo são valores na Ordem Divina, mas o Amor é o Supremo Estado a ser atingido! Eu lamento não ser capaz de amar como gostaria de fazê-lo, porque sou muito pequenina, mas aos poucos vou descobrindo Deus em Sua Obra, o único modo de sentir bem a tudo, que até ao presente pude encontrar.

Ela olhou para baixo, para tudo aquilo que movimentava dentro do hospital, e tendo estendido as mãos, fez jorrar torrentes de luzes e cores maravilhosas sobre todos. Pude observar que era bem mais do que eu pensava, porque lá de dentro alguns se voltaram para cima, creio que a vendo, tendo estacado e entrado em posição de oração e reverência. De fato, Rosa estava transformada numa verdadeira rosa feita de luzes e cores, só um bom tempo depois retornando à forma humana.

Ao término da ação, falei-lhe com emoção profunda:

— Como é assim e está por aqui?!...

Enlaçou-me com aquela ternura celestial, lembrando-me:

— Não se maravilhe de eu ser assim, minha querida; lembre-se de que Jesus, o nosso Divino Modelo, nos espera em igualdade, em unidade com Ele, porque essa é a Sagrada Finalidade da Vida! Serve sempre, ame sempre, derrame sempre muito Amor sobre seus irmãos, porque, como já lhe disse, Deus quer servidores e não aduladores e fingidos.

Ela estava esplendidamente feliz, radiosa, embora sendo bem humana, e eu teria ajoelhado a seus pés, se ela não me impedisse. Todavia, meus olhos queimavam como se tivessem fogo, mas um fogo celestial, absorvente, que me impunha uma condição de tal felicidade, que jamais poderia definir em palavras.

Voltamos ao casarão e fomos ao encontro do seu diretor; diante dele, Rosa se apresentou como enfermeira, dizendo que tinha feito a parte ordenada pelos seus superiores. Agora estava livre, porque eu estava bem avisada.

O diretor veio a ela, beijou-lhe a mão, tendo ela lhe beijado a testa com o seu maternal carinho. Depois veio a mim, dizendo:

— Abaixo de Nosso Pai Divino, todos cumprimos ordens, minha irmã; não me despeço, porque os nossos pensamentos estarão sempre ligados, bem o sei. Todavia, fique com as bênçãos de Maria, a quem sirvo com todos os recursos de minha alma. Procura também servir, porque é servindo que somos servidos, é amando que somos amados, é glorificando a vida que somos glorificados.

Apanhou-me pela mão e conduziu-me à camparia florida; com muita pena e com muita alegria, enquanto eu ficava no solo, notei que ela sumia na imensidão, rodeada de aves e de luzes. Não sei como dizer, mas estava longe e perto ao mesmo tempo. Quando tudo passou, a camparia estava ali, florida e povoada de aves, um mundo de verdura, flores e gorjeios.

Voltei ao diretor, que me recebeu com uma folha de papel na mão esquerda, dizendo que Rosa o havia deixado, para ser entregue quando tivesse ido. Apanhei o papel e li o que ela havia escrito:

 

“Afora o meu encargo, a função que me fora designada e que executei com fraternal carinho junto a você, deixo aqui o abraço e a lembrança de quem já foi, em vida não muito remota, sua irmã carnal. Que o Amor de Deus, através de Jesus Cristo, a envolva, bem assim como a todos os Seus filhos, que se movimentam pelos infindos mundos: Rosa.”

 

Deus é que sabe, meus irmãos, como recebemos essas dádivas celestiais; nenhuma palavra jamais poderia definir um tal estado de alma. Como tudo isso é vivo e nunca morrerá, lembrando como foi para comigo, rogo ao Pai Divino a graça de um dia poder vir a ser também assim para com os meus irmãos. Como é de dentro de nós que temos que fazer verter o Reino de Deus, pelas trilhas benditas da Verdade e da Virtude, tratemos de trabalhar o bom trabalho, que o mais tudo virá, em tempo e normalmente. Não tenhamos pressa, mas façamos tudo para não empregar mal o tempo que o Senhor nos dá.


CAPÍTULO 6 

O PROGRAMA É SER BOM

 

“A Moral, o Amor, a Revelação, a Sabedoria e a Virtude, tudo isso está incluso no AMOR VERTICAL ou de Deus, que terá de substituir o amor horizontal das criaturas involuídas. Não confundais a VERDADE com as religiões e os sectarismos humanos.”

 

Fui parar, no dia seguinte, e na hora certa, junto ao diretor do hospital; e ele me disse que tudo estava designado; eu formaria no conjunto de irmãos e irmãs que mantinham contato com as duas casas de recolhimento afetas ao hospital.

Uma esbelta morena, sorridente e feliz, veio a mim, tendo dito o diretor:

— A nossa irmã Celeste será a companheira ideal para você... Vá, e que muitas bonitas ações possam essas mãos realizar. Quem aprendeu com Rosa, aquela ternura feita amiga e irmã, não precisa de avisos sobre ser o Amor a integral arma de vitória, nestes planos da vida.

Ainda comovida, murmurei:

— Sem esquecer aquela irmã do coração, que julgo muito acima de meus poderes de afinidade, quero dizer que todos aqui são ternamente irmãos; algum dia hei de poder agradecer tudo isso...

Como poderia eu terminar a frase, se meus olhos estavam rasos e minha voz embargada? Mas senti o seu ósculo paternal em minha testa, acompanhado destas palavras cujo sentido jamais terá fim:

— Toda vez que estiver servindo a um irmão que precise de seus cuidados, é a Deus que estará retribuindo gratidões... E nós, filhos Seus, irmãos e companheiros de trabalho, juntos estaremos sempre bebendo no Sagrado Manancial da Vida Maior! Estaremos sempre quites, nada mais, porque nenhum ato fraternal pode ser levado em conta de favor.

Comecei o trabalho sendo apresentada a cinco irmãos; três homens e duas mulheres. Agora éramos três a três.

— Venha ver os pavilhões por dentro – convidou a irmã Celeste.

— Eu já os vi lá do alto, ontem, mas de outro modo; agora, quero aprender o quanto possa, para servir do melhor modo.

Muito simples, Celeste emendou:

— Não tenha pressa, ouviu? Ninguém sofre por ser inocente...

— Bem, mas se chegou a hora de socorrer? – observei, prontamente.

Ela passou a mão pela minha cintura e convidou-me:

— Venha ver!

E fomos parar numa ampla sala de estar, muito ricamente florida, com bastantes sofás dispostos. Alguns grupos conversavam, outros discutiam assunto que julguei importante, pelo calor da conversa e dos gestos.

Celeste me segredou no ouvido:

— Vá passando e ouvindo, sem fazer de conta que faz questão de ouvir. Note bem o que falam, como falam e para quê.

Fui andando, como se estivesse apreciando as flores, até chegar bem perto dos quatro que mais acaloradamente discutiam. E ouvi que falavam sobre hierarquia religiosa, tendo mesmo um deles dito ao outro, que lhe era superior na carne, não admitindo que não o fosse ali. Tudo, como dizia, uma questão de ordem e de linha, para haver sempre harmonia reinante.

Ao voltar junto de Celeste, esta me segurou pelo braço, com muito carinho, para me levar embora; e mais adiante, lembrou-me:

— Vieram rastejando, feridos e fedorentos, e agora já se acham em condições de discutir hierarquia clerical. Chegará a hora, dentro de alguns dias, em que a coisa mudará, porque terão que ler umas páginas interessantes sobre Verdade e Virtude, Trabalho e Renúncia. Mas, irá observar, alguns ainda fazem questão de querer impor suas nobiliarquias, dizem que tudo lhes devemos, que são ministros de Deus, pretendendo até atirar exorcismos contra nós.

— Meu Deus!... – exclamei, realmente aturdida.

— Isso mesmo, irmã Leonor. Cérebros viciados em idolatrias, em importâncias do mundo... Uma praga, isso sim, pode estar certa disso. E vá começando a pensar livremente, tendo justa alegria no coração, observe o que quer que seja, porque isto é um plano deveras inferior.

— E como fazem para os doutrinar certo?

Celeste sorriu, afirmando:

— Temos prisões e podemos remetê-los aos abismos tenebrosos... Não pense que a disciplina seja, por aqui, uma questão de conversas e delongas. Não podemos perder tempo com gente de má fé ou com manias de grandezas formais. Bem que você vê, Leonor, que a coisa séria gira em torno de três palavras: Verdade, Virtude e Trabalho!

— Isto me agrada imensamente – afirmei.

Celeste arregalou os muito bonitos olhos negros, para dizer:

— E como poderíamos lutar contra loucuras... Sim, que são perfeitas loucuras, sem ser assim?!... Se fôssemos discutir, eles iriam aos confins dos tempos, procurando todos os recursos em livros ditos sagrados e recursos que tais. Como, porém, as questões são resolvidas de outro modo, diretas e frontais, as discussões muitas vezes são feitas a um só e nas prisões, com uma ameaça apenas de volta aos abismos tenebrosos.

— Uma ameaça, apenas? Por quê? – inquiri, muito interessada.

Ela fez um significativo gesto de mão, completando com a frase seguinte:

— Quando o tal importante não cede, levam-no para a prisão, com menos alimento e menos luz, isolamento e repúdio, e avisam-no de que o pior, se mantiver a teima, será lembrado apenas uma vez. E a vez logo entra, porque fica avisado de que dentro de dois dias de punição, se assim quiser que seja, será remetido aos abismos.

— Que coisa estranha!... Eu não seria capaz de conceber isso.

Celeste encolheu os ombros, fez uma careta muito sua, um arremedo, explicando também muito ao seu modo:

— Essa coisa estranha produz efeitos maravilhosos! Onde se viu essa onda de porcarias vir dar tanto trabalho e depois querer mandar até em Deus?!

Curiosa, perguntei:

— De onde veio você, querida?

— Das trevas! – respondeu prontamente – Mas eu nunca fui metida a importante. Jamais pensei em ser ministro de Deus, porque nunca os aturei, sabendo como eram, eu que fui... Bem, eu vi muita coisa e ajudei a fazer uma porção delas, também. Vim da sujeira e das tormentas, ficando muito agradecida por tudo quanto fizeram por mim. Quem quiser ser grande, que seja em atos de Bondade. Eu não sou forte em matéria de Verdade, mas gosto muito da Bondade, porque isso a gente dá e recebe, ficando todos muito satisfeitos, não é real?

Só para mim, pensei com atenção, mas pensei alto:

— Ó Amor! Ó Amor! Quando te faremos o senhor de todos os nossos atos?

Celeste ficou pensativa por alguns segundos, murmurando:

— Se não fosse compreender as leis de Deus, eu odiaria essa gente... Fazem errar e cair nas trevas, até mesmo a criaturas boas, como Rosa, por exemplo.

— Rosa?! – perguntei.

— O diretor esteve a nos falar de Rosa, depois que ela partiu; disse que a vida clerical atirou-a nos abismos, de onde saiu faz muitos anos, para recuperar o estado anterior, com grandes esforços ressarcitivos. Ora, perguntemos, que é uma instituição que se diz religiosa, que pelos seus erros e crimes atira a seus adeptos nas trevas?

— Estou bem com você, Celeste, porque também fui uma vítima dessa instituição, que em nome de Deus e do Cristo atira as almas nos infernos.

— E que direi eu, Leonor? Filha de gente simples, desviada por um padre e passando a vida como amante de outros? Que direi eu que, para encobri-los, tive que casar com um doido, para ser a empregada de aparência e a amante de verdade, traindo a todos e a mim mesma? Que direi eu, Leonor, que acusei gentes sem conhecer, apenas para ficar tudo em casa, para bem funcionar a máquina infernal, o instrumento de defesa da Santa Madre Igreja? E os anos que passei nas trevas? E quanto tempo ficarei por aqui, retida nestes planos inferiores, por causa dos desequilíbrios íntimos?

Quando parou, encarou-me com agudeza e perguntou-me:

— Você não fez a mesma coisa, Leonor?

— Fiz... – respondi, sem querer falar mais.

— Teve filhos de padres? – tornou, com veemência.

— Não...

— Por que não os teve?

Amargurada, respondi:

— Como poderiam eles ter filhos?!...

Abanando a cabeça, tornou a perguntar:

— Mas qual foi a realidade? Não os tiveram?

Diante de minha mudez, ela avançou:

— Bem sabemos, Leonor, como são as obras da hipocrisia! Você não tinha um marido adoidado, para ser o pai dos filhos de padres, por isso os matavam. Mas o meu caso era diferente... Ó Senhor! Até quando tudo isso será assim, um caudal sem fim de vergonhas?

Condoída, falei-lhe:

— Onde está a moça cheia de alegria que há poucos minutos atrás conheci?

Levantou a formosa cabeça, enxugou as lágrimas e balbuciou:

— Bem, o melhor sempre está por vir, porque a Perfeição ainda está longe de nós; mas é doloroso que tudo isso aconteça em nome de Deus e do Cristo. Tudo saindo de gente que se finge, que fala em absolver e salvar!...

Ainda com o fito de soerguê-la, repeti:

— Vamos falar de outros assuntos?

Abanou a cabeça, muito a seu modo, respondendo:

— Por estas plagas, não; por aqui o confronto é perpétuo entre as coisas da Verdade e as coisas da mentira e do erro. O maior número dos advindos das trevas é por conta dessa gente, cheia de rótulos por fora e farta de imundícies por dentro.

Veio ao nosso encontro uma outra irmã, Isabel, reclamando:

— E o caso de Alexandrina?

Celeste ergueu-se prontamente e fomos atendê-la.

Frente à enferma, Celeste explicou:

— Esta fazia os seus infelizes comerem porcarias, como castigo... Uns procuravam matar-se, para não comerem porcarias, outros as comiam e adoeciam, e ainda outros enlouqueciam... E agora é ela que vomita um nunca mais acabar de gomas, de babas fedidas, de mil porcarias...

— Está aqui há muito tempo? – indaguei.

— Uns quinze dias – respondeu.

— E quando ficará boa? – tornei a perguntar.

Tornou a abanar a cabeça, afirmando:

— Depois de curada em parte, ou por fora, terá que reencarnar e enfrentar os seus problemas criados...

A enferma ouviu alguma coisa que não gostou e sacudiu a cabeça em sinal de repúdio.

— Ela não quer reencarnar? – perguntei.

Celeste sorriu e replicou:

— Ela não quer aceitar a lei... Ela pensa que sabe e pode mais do que Deus!

— Como assim?

— Ora! Ora! Pois se era uma terrível funcionária da Inquisição, como quererá saber de reencarnações? Tudo isso, para eles, não são heresias?

— Mas agora ela está aqui! – observei.

Celeste encolheu os ombros, sentenciando:

— Mas cada um pensa de acordo com os seus vícios mentais, achando que isso representa a Vontade de Deus! Está compreendendo como a coisa é e se passa?

E foi enfrentando problemas assim, meus irmãos, que comecei a pensar sobre a Verdade e a Virtude; foi assim que fui me libertando de certas manias, que ainda passavam como sendo boa religião; foi assim que ali trabalhei muitos anos, para depois reencarnar.


CAPÍTULO 7 

RENASCENDO PARA CRESCER

 

“Todas as Revelações chamadas Iniciáticas ou Fundamentais são reencarnacionistas; a reencarnação é a válvula redentora e evolutiva dos espíritos, com ou sem os palavrórios humanos.”

“Se a Terra não existisse; se nada do que há conhecido, no plano carnal ou espiritual existisse, na Ordem Cósmica ou Divina tudo seria realidade; é muita a presunção humana, porém o Senhor Deus é Infinito em todos os sentidos.”

 

Entrei para um casulo de carne e deram-me o nome de Florence; a terra em que nasci foi a França; o tempo foi, uns setenta anos após os trágicos acontecimentos de São Bartolomeu. Para que nasci? Para aquilo que todos nascem, que é despertar em si mesmos a Verdade e a Virtude, porque a lei dos dois V’s contém em si todos os fatores positivos, sem os quais ninguém atingirá o Grau Crístico.

Os trágicos acontecimentos de São Bartolomeu tiveram um efeito contrário ao esperado pelo fanatismo sanguinário de Roma; porque o ideal da Reforma cresceu, o revide atingiu montante realmente expressivo, embora tudo ficasse na letra morta, num outro e também prejudicial fanatismo sectário.

A humanidade não tem feito mais do que se suceder em sectarismos estreitos, embora qualquer mente, por inferior que seja, possa considerar que os infindos mundos e tudo quanto lastreiam, toda a prodigiosa vida, tudo quanto é necessário à subsistência das coisas e dos seres, nunca jamais dependeu de religiosismos, de fanatismos sectários, de malabarismos clericalistas, de livros ditos ou tidos como sagrados, porém fartamente empanturrados de erros e mentiras.

Quem vive sobre um mundo, seja lá qual for, em virtude de um livro ou de milhões de livros fanatizantes?

Qual o sol que aquece, fornece energias e luz, em função de alguma obra tida como salvadora de almas, porém realmente causadora de separações terríveis entre os filhos de Deus?

Quem é que, para respirar o ar de que carece, para fazê-lo depende de umas páginas fanatizantes, verdadeiras fábricas de mórbidas paixões?

Quem irá colher os frutos da terra, ou movimentar os elementos da natureza, por efeitos de textos e traumatismos derivantes?

Que livro foi, meus irmãos, que ensinou ao Emanador o que fazer, como fazer e para o que fazer?

Entretanto, os donos de religiões sempre os tiveram como salvaguarda de seus mais tenebrosos engenhos!

Todavia, as piores tendências e paixões humanas, em tais livros foram beber sempre as justificativas para seus crimes!

Porém, meus irmãos, a infinita Obra de Deus, com suas leis Eternas, Perfeitas e Imutáveis, nunca estará abaixo de alinhavações humanas!

Porém, meus irmãos, um Divino Modelo um dia passa pela carne, foi desde pequenino perseguido pelos donos de livros ditos sagrados, foi preso e castigado, foi crucificado e insultado pelos donos de clerezias, mas foi apresentado pelo nosso Pai Divino como Modelo da Ressurreição Final do Espírito, sem ter escrito coisa alguma, pelo fato de saber que a Verdade e a Virtude não cabem em coisas que os homens fazem, quando manobram formalismos ao prazer de suas mediocridades.

Por mais inferior que um mundo seja, a vida nele se expressa imensamente vertiginosa, ensinando aquelas lições que todos deveriam procurar aprender e respeitar.

Por mais que uma humanidade seja infantil, tudo tem para compreender as necessidades fundamentais da vida, reconhecendo que não fez a Terra que tem debaixo dos pés, nem o sol, nem os mundos, nem o ar que respira, nem coisa alguma que só Deus pode emanar.

Qualquer indivíduo que se dê a pensar, logo descobrirá  que é um escravo de muitas necessidades, sendo também assim os seus irmãos, podendo compreender, portanto, que da parte de Deus o Supremo Ideal só poderá ser a Fraternidade.

E para saber que assim o é, duas razões lhe sobram e muito inconfundíveis: a Lei de Deus, que não manda ter religião ou sectarismo algum, e o Divino Exemplo do Cristo Planetário, que foi por todos os sectarismos perseguido e crucificado, porque o clero levita representava a todos eles.

Nada tenho de importante a dizer daquela vida, a não ser que nasci com um defeito na perna direita, defeito que me obrigou a saber manobrar as mãos, no bendito mister de costurar e bordar.

Quanto à religião, era de origem protestante, cultivava o fanatismo da letra morta, achando que até Deus devia estar sujeito a tudo aquilo, porque alguns homens assim haviam escrito, estando Deus, portanto, obrigado à sujeição.

Quando desencarnei, fui recolhida imediatamente, sendo instruída também imediatamente; e a companheira de moradia, uma jovem muito alegre, disse-me com a sua bela voz:

— Você ganhou no jogo do Bem e mereceu o nosso pronto acolhimento; se não tivesse admitido os ensinos da Lei de Deus e do Cristo, e se fosse atrás do que dizem as religiões, talvez tivesse que passar alguns anos nas trevas, antes de vir para o nosso meio.

Olhei para a minha perna, que vinha de ser endireitada, e foi a ela que enderecei o meu pensamento de agradecimento; não sei o que teria feito na vida, como a teria aplicado, se tivesse tido as pernas direitas. Pode ser que sim, pode ser que não, mas o fato é que pensei assim e assim continuo a pensar.

Costureira saí da carne e costureira vim a ser no mundo espiritual; passei vinte e três anos no mundo espiritual e retornei à carne, agora na América e no Brasil.

Fui barata de igreja, mas não fiz mal a ninguém com o meu fanatismo católico, porque uma negra escrava nada tinha a fazer dessas coisas, visto como os bens a dispor e os objetivos a atingir eram mais do que limitados.

Casei com um negro escravo, dócil e prestativo, tendo sido ambos muito bem tratados pelos amos, dos poucos que dispensavam aos escravos bons um passadio de brancos. E como tínhamos a vantagem de lidar na cozinha da Casa Grande, tudo se encaminhou para o melhor possível, com a nossa boa conduta e as graças de Deus.

Foi uma vida longuíssima, tendo atingido eu os cento e dois anos; e a saída foi boa, porque uma negra escrava, nem no mundo espiritual iria esperar tudo aquilo que ele me deu.

Todavia, quando me disseram se queria continuar negra ou branca, achei bom optar pela cor branca. Pude em breve conhecer algumas vidas pretéritas, ficando bem e mal ao mesmo tempo, porque os méritos e os deméritos equilibravam. Todavia estava livre de pecados, sendo apenas um espírito carecente de evolução, de vidas e mais vidas, para ir realizando em mim mesmo a Verdade e a Virtude.

— Então assim é? – disse a quem me esclareceu.

— A libertação só se consegue quando se atinge o Grau Crístico, porque significa vencer a lei das encarnações obrigatórias. Ser um espírito sem crime a descontar não significa libertação total. O processo evolutivo tem o seu seguimento normal, devendo o espírito atingir a sagrada finalidade, custe mais ou custe menos. Se errar terá que acertar, mas a vida é eterna e tudo continuará.

Veio-me à lembrança perguntar sobre futuras vidas, tendo ele respondido:

— Posso garantir que estamos no limiar de grandiosos acontecimentos, pois a Doutrina deixada pelo Cristo será restaurada e estendida sobre a Terra. Temos ordens de aguardar os acontecimentos; quando for hora, teremos os avisos e deveremos cooperar no grandioso movimento.

Mal saída de novo da carne, abalou-me ouvir aquilo, pois era fervorosa católica, capaz de afirmar que fora do catolicismo não poderia haver Doutrina de Jesus Cristo. Como ficasse profundamente chocada, disse-me Tancredo:

— Não te perturbes, porque terás que estudar um bocado, Alice, antes de entrares para novos trabalhos; e saberás o que foi e o que voltará a ser a Doutrina de Jesus Cristo, cujos fundamentos são a Moral, o Amor, a Revelação, a Sabedoria e a Virtude, e tudo isso à margem de quaisquer clerezias, de quaisquer manobrismos de grupos formalistas e comercialistas. Compreenderás então que tudo repousará no cultivo da Verdade e da Virtude, tendo a Revelação como instrumento de advertência, ilustração e consolo.

— A Revelação? Isso é como a Anunciação, irmão Tancredo?

— Tal e qual, pois tudo se resume na comunicabilidade dos anjos, espíritos ou almas, que é como na Bíblia chamam aos espíritos comunicantes.

— Se Deus assim quer, que assim seja...

Tancredo viu-me pensativa e indagou-me:

— Em que pensas, Alice?

— Minha gente falava com os espíritos; isto é, fala com os espíritos. Se é isso que vai ser conhecido de todos, creio que será vantajoso.

Fazendo sinal de prudência, acentuou:

— Não te importes com o que irá acontecer, porque tudo acontecerá segundo ordens de muito mais alto. Afinal de contas, sabemos por informes de nossos instrutores, que em todos os mundos as humanidades, encarnada e desencarnada, terão que se infusar. A evolução conduz a este estado de vida, porque desperta nas criaturas sentidos novos e apropriados a isso. E sem te dizer mais nada por hoje, posso afirmar que as coisas já estão muito bem encaminhadas, porque um grande espírito já se encontra encarnado e em trabalhos, estabelecendo as bases doutrinárias. Dentro de alguns anos o mundo todo começará a falar nisso, e com mais alguns séculos, a humanidade inteira estará consciente de verdades maravilhosas. Então é que a Terra passará a viver a Civilização Cristã, posto que isso que chamam de Cristianismo nada mais é do que triste arremedo, verdadeiro paganismo aplicado despoticamente, para saciar erros, corrupções e acobertar crimes inomináveis.

Dito isso, Tancredo despediu-se, porque era professor e tinha outras aulas a dar. Fiquei conversando com algumas amigas, tornando a me familiarizar com tudo quanto pudesse, sobre a vida no mundo espiritual. Porque embora tudo seja como prolongamentos do mundo terreno, para melhor ou para pior, para baixo ou para cima, a verdade é que se estranha bastante a mudança quando se sai dos conceitos católicos, que são completamente errados sobre estas plagas.

Os formalismos, os simulacros, todos os fingimentos, todos os sacramentismos e tudo quanto diga respeito a milagres e a mistérios; tudo isso que ilude a uns, engordando a outros, colocando galardões sobre criaturas ignorantes e petulantes; tudo isso que faz traidores da Excelsa Doutrina passarem por ministros de Deus, tudo isso cai por terra, quando se entra no mundo espiritual um tanto superior.

Aquela chave libertadora: a Verdade, a Virtude e o Trabalho, isso de novo eu aprendera. E aprendera a ver Deus através de sua Emanação, de tudo quanto tinha ao meu redor para ver e compreender, sentir e viver. Porque isto ocorre com facilidade, nestes reinos – em lugar de sujeitar as realidades de Deus ao crivo muitas vezes estúpido das letras ditas sagradas, o que se faz é compreender que essas letras estão muito longe do que pretendem os seus fanáticos.

Outra realidade que por aqui defrontamos é esta – prontamente observamos que os encarnados fazem questão de criar dogmas, de fabricar ortodoxismos, de manobrar com estatutos, mas tudo isso em benefício de interesses subalternos, tudo isso para acobertar ignorâncias, tudo isso para engordar o bolso, o estômago e outros tantos infelizes fatores.

Se ao menos houvesse pureza de intenção nos erros, muito bom já seria, porque em um mundo inferior como a Terra, aquele que age com boas intenções já é digno de considerações. Ao primeiro toque da Verdade e da Virtude, da Moral e do Amor, o homem realmente bem intencionado dará o seu passo à frente. Mas isso é muito raro, porque costuma dizer que o Reino do Céu está longe e que o reino das vantagens imediatas está neles mesmos, ataca-os de frente e a todos os momentos.

Também as letras ditas sagradas, ou que alimentam fanatismos em nome de Deus e do Cristo, tornando-se por isso instrumentos de dissídias e de mortes, por estas bandas são de outro modo consideradas, porque em lugar de agir como aí, onde os filhos de Deus com elas pretendem escravizar a elas o próprio Deus, aqui são encaradas de outro modo. Elas dizem muito mal, muito mediocremente, de gloriosas realidades que vivemos, de verdades divinais que sentimos verter da Presença do Emanador, que é tangentíssima realidade.

Não falamos, é óbvio, dos planos inferiores do astral, para onde se prolongam as porcarias do mundo carnal; mas falamos dos planos melhores, já não digo muito melhores, onde a Bíblia de Deus é toda Luz e Glória, onde a palavra do Messias é Espírito e Vida, deixando muito longe o arremedo todo adulterado que os terrenos ousam dizer que é Evangelho. Se me puderem compreender, quero dizer que há por aqui uma Verdade Intrínseca, um Amor Intrínseco, um Deus infinitamente presente e glorioso a dominar tudo, e de tal modo, que as suas letras ditas sagradas, se fossem lidas aqui ao pé da letra, fariam corar a um defunto, se estas maravilhosas paragens pudessem albergar defuntos.

É por isso que muitos religiosos, quando aqui aportam, sentem profunda revolta contra certas afirmações ditas aí sagradas; aqui eles procuram trocar tudo por Moral e Amor, Verdade e Virtude, realidades essas que por aqui brindam a todos com perenidade de presença, como realidades vivas e não como longínquas tiradas teologais, tiradas de efeito impressionante para aqueles que as usam para tapear os menos cautos, os compradores de idolatrias e de simulações.

Creio que descobrem, pelas palavras que lhe dirijo, o quanto o problema religioso está, na Terra, em profundo atraso; de tal modo atrasado, que o mais bem intencionado esquece prontamente de viver a Verdade e a Virtude, para consigo mesmo e para com os seus irmãos, para ir adorar vestes fingidas e idolatrias, pagando bem caro pelas simulações que um dia o atirarão nos abismos trevosos. E quem foi que forjou tudo isso? Quem colocou tudo na frente de dogmas e de ortodoxismos, de estatutos truculentos?

Muitos dizem, porque temos ouvido em todas as partes, já que agora estamos funcionando no Consolador Restaurado, que um novo Cristo devia encarnar, para ensinar verdades puras, para consertar a humanidade. Entretanto, esses mesmos que dizem isso, podem considerar que o Cristo é eterno, perfeito e imutável como lição, porque representa a Lei de Deus vivida, a vontade de Deus executada. Mas de modo prático, no meio das ruas, junto das gentes, falando a linguagem da Moral vivida, do Amor trocado por bondades distribuídas.

Não ficou o Cristo no mundo, dentro de um templo, a tecer futricas teologais; não perfilhou os conceitos farisaicos nem dedilhou a lira dos escribas, sempre meticulosos em vírgulas e acentos, jogos de palavras e mil futricas; foi Ele, o Divino Modelo, consolar aflitos, curar feridas, dar ouvido a surdos, vista a cegos; foi chorar com quem chorava, foi compartilhar das angústias daqueles que sofriam nas mãos dos ditos ministros de Deus!...

O seu livro sagrado foi o programa de Moral e de Amor, de Verdade e de Virtude que pôs em prática!

A nova ordem anunciadora, deixou-a no Consolador, na Revelação generalizada que do Pentecoste em diante teria ficado no mundo, se Roma não truncasse tudo com a sua traição!

E a prova da Moral e do Amor vividos, demonstrou-a com a Ressurreição, com a Glória com que Se apresentou após a crucificação.

Estas realidades, todos por aqui as conhecemos, por isso mesmo que devotamos um profundo pesar a todos os ortodoxismos, a todos os dogmatismos, a todos os estatutos que visam reduzir a Verdade e a Virtude a decretozinhos de homens. Temos a mais plena certeza de que, com um dedalzinho de prudência, de bom senso, qualquer um pode compreender que a Moral e o Amor, a Verdade e a Virtude, não cabem em papéis e decretozinhos humanos.

As coisas deviam ser repostas no lugar e já foram mesmo restauradas, mas em caráter de Doutrina Viva, evolutível ao infinito, e não como instrumento de novas dogmatizações, e não como edição moderna de viciosos fanatismos sectários. A Excelsa Doutrina do Cristo não cabe em livros, é Espírito e Vida! Os livros devem ceder lugar aos atos de Verdade e de Virtude! As grandiosas lições de Deus estão no infinito emanado e toda a real Sabedoria está no Amor praticado!

Os homens ignorantes esperam o novo Cristo, mas o Cristo eterno espera pelos homens prudentes através de suas obras. Não há outro Deus a ser anunciado, não há outra Lei a ser promulgada, não há  outro Cristo a ser apresentado, não há outro Amor a ser indicado, não há outra Justiça a ser lembrada.

Quem afirmou perante o mundo que Deus é Espírito e Verdade, assim querendo que Seus filhos venham a ser, nunca jamais passará, porque essa afirmativa contém a Sabedoria Total. Ninguém dirá  verdade doutrinária maior do que essa, diga o que disser, no infinito do Espaço e do Tempo.

Não há que esperar um novo Cristo; há que desabrochar o Cristo Interno, conforme a Divina Modelagem do Cristo Externo, que Jesus, o Diretor Planetário, viveu diante da humanidade. Porque Cristo é grau, e todos devem atingi-lo.


CAPÍTULO 8 

HÁ SÁBIOS NOS INFERNOS

 

“De um ou de outro modo, os Cristos e Missionários da VERDADE e da VIRTUDE sempre são crucificados; e o são pelos papas, sacerdotes, escribas e fariseus... Isso prova a falência das maquinações e dos conciliábulos humanos e afirma que os infernos estão cheios deles.”

 

Retornemos, pois, aos eventos daqueles dias, quando fui aprender a ler e conhecer a história das Revelações sucessivas.

Não havendo milagres nem mistérios na Ordem Divina, está claro que não foi milagrosamente que aprendi a ler, mas a verdade é que nos tornamos muito mais penetrantes, de um muito maior poder assimilativo, estando sem os embargos do corpo denso.

Uma vez querendo aprender, desejando aplicar a mente em determinado sentido, e começando pelas chaves iniciais, podemos avançar muito e em pouco tempo. Acima do formal colocamos o essencial, antes da forma damos valor ao espírito da coisa, por isso mesmo que passamos a sentir a Verdade e a Virtude em todas as coisas, em lugar de acontecer como na encarnação, quando o intelecto funciona marginalmente à essência dos fatos, parecendo mais ficção do que realidade.

Para apelar a um paralelo, vamos dizer que o Cientista fala em Moral e Amor, porém os coloca em plano subjetivo, com isso podendo aplicar a Ciência em sentido criminoso. Jogará com as forças e os elementos externos, mas ficará muito abaixo dos valores íntimos, dos poderes morais que determinam as conseqüências. É menos do que meio sábio, enquanto um ser moralizado e virtuoso, sem saber ler e escrever, pode ser muito mais do que apenas meio sábio.

Por isso já foi dito que há sábios nos infernos e ignorantes no Céu!

O que importa é saber em que resume a Sabedoria, se é  em jogar com os elementos externos, aplicando criminosamente as leis e os fatores conhecidos, ou se é respeitando o sentido Moral da vida e da chamada Criação em geral, único modo de viver em sintonia com a Soberana Vontade de Deus, para de fato ser feliz.

Uma das modalidades conceptivas que julgamos bastante comprometedora é a chamada Ciência Pura, pelo fato de redundar quase sempre em pura calamidade, visto como todas as ações partem do espírito e todos os espíritos serem sujeitos a uma Lei de Harmonia Universal. Ninguém jamais será senhor isolado de coisa alguma; e por todos os motivos será sempre responsável pelo uso que fizer das leis e dos efeitos conseqüentes.

Que os materialistas pensem pobre ou miseravelmente, isso é  questão que não nos cabe avaliar, porque refletem a falsa educação de que são portadores; certamente a Lei e a Justiça os encararão segundo o grau de ignorância. Mas que espiritualistas venham a fazer tais afirmações, querendo fugir ao sentido Moral da vida e suas aplicações, isto redundará em trevas e ranger dos dentes.

E bem sabemos quem habita os reinos de treva e de luz; porque a Lei e a Justiça não carecem de conselhos humanos, de sabedorias rastejantes. Muito antes de que o pobre terrícola pensasse em Ciência Pura, já  era de Total Pureza a Sabedoria Divina!

Lembramos a todos, portanto, que a humanidade terrícola é devedora de encargos morais e virtuosos, muito e muito acima de outros quaisquer. Porque jogar com as realidades externas, as leis e os elementos do mundo material, isso qualquer um poderá vir a fazer, por mais que seja um bruto espiritual; mas o importante, o fundamental, para a grandeza do espírito, reside na Moral e no Amor.

Desde que o mundo terrícola existe, em expressão humana, por milhões se contam os pretensos sábios que enveredaram para as regiões de trevas, renascendo depois, como dementes e atrofiados, para resgatar os males causados; mas o Príncipe da Moral e do Amor, ao passar pelo mundo, encareceu a questão de modo total, fazendo ver que todas as funções devem obediência à Moral e ao Amor.

A parte de Deus, que é Eterna, Perfeita e Imutável, não precisa ser posta em jogo pela presunção humana; mas a obrigação de cada filho de Deus de se realizar em Verdade e em Virtude, essa é intransferível. E quem fará isso, fora da Moral e do Amor?

Não cairemos na leviandade de falar aos espíritas, como se estivéssemos falando a uma gente especial; porque os mesmos espíritas podem reconhecer que, nos dias do Profetismo de portas fechadas, ou antes do advento do Cristo, o Povo de Israel fora fartamente avisado pelos anjos, espíritos ou almas, nem por isso dando as melhores exemplificações. Tanto assim que nem sequer reconheceu o Cristo, a mais falada pessoa de todos quantos foram falados ou anunciados.

Tremendas já são as falhas de muitos irmãos que encarnaram para auxiliar nos modernos trabalhos proféticos; porque em lugar de se entregarem ao cultivo da Verdade e da Virtude, brandindo as armas que são a Moral e o Amor, tudo fazem para salientar rivalidades pessoais, agenciando fanatismos sectários, cometendo leviandades, tramando falsidades e traições. Não importa, conseqüentemente, que se diga alguém espírita ou cristão redivivo; o que importa é que ele de fato o seja, pelo fato de viver nos quadros da Moral, do Amor, da Revelação, da Sabedoria e da Virtude. E para viver essa conduta, terá que ser mais do que lacaio dos interesses de bolso, estômago, sexo, orgulho e egoísmo.

Não existe realidade alguma que, sendo pela Soberana Vontade de Deus, possa temer os confrontos humanos; portanto, a Verdade e a Virtude precisam de irmãos que as vivam diante do mundo, mas não precisam de pseudo-advogados ou defensores. Quem quiser ser um bom servidor da Moral e do Amor, que se moralize e torne-se amoroso primeiro, para depois falar em seu nome. Esta questão é primordial ao espírita, pois do contrário não o será!

Os conceitos humanos evoluirão através do Espaço e do Tempo, pois não existe fenômeno relativo que fora deles tenha execução. Desde que ninguém sujeite os problemas da Verdade e da Virtude aos tristes interesses subalternos, tudo irá bem, porque o homem livre de misérias de ordem Moral é sempre capaz de mudar de opinião, tanto bastando que venha a conhecer mais.

Simples é a centelha espiritual, o homem espiritual, mas complexos são os fatores que o envolverão, até que se tenha cristificado; ele terá que mudar de conceitos milhões de vezes, porque irá descobrindo novas realidades, até o dia em que tenha atingido a Síntese Geral, pelo seu mesmo desabrochamento interno. Muitas vezes pensará ter atingido a Verdade Total, mas logo mais os movimentos se encarregarão de fazê-lo retroceder em suas presunções.

Convém que o santo desconfie de sua santidade e que o sábio ponha em dúvida a sua sabedoria; pelo menos, ao ter que voltar atrás para recomeçar a caminhada, não precisará de se envergonhar. Feliz daquele que age dignamente, porque mesmo sendo habitante de um plano inferior, pelo fato de ser também inferior, nem por isso agirá em função da ignorância pura e do puro interesse subalterno.

Foi, meus irmãos, por algumas dezenas de anos que se prolongara o período de estudos e trabalhos. Subimos um pouco e outros desceram, para chegarmos a um regular grau de conhecimento de causa, sobre os problemas fundamentais que a Moral e o Amor, a Verdade e a Virtude representam. E sabemos que toda e qualquer função, para encarnados e desencarnados, fora dessa Chave Mestra é comprometedora. Essa Chave Mestra é acima de condições sociais, porque todos a ela estão subordinados.

Se é certo que múltiplas são as manifestações da vida, os ramos do conhecimento e as possibilidades de aplicação dos indivíduos, o grande problema é que a parte de Deus não precisa ser posta em dúvida pelos Seus filhos; se procurarem viver a vida com decência de conduta, aplicando a Moral e o Amor, simplesmente atingirão a Verdade e a Virtude. Caso contrário, como tem sido, andarão querendo discernir Deus e o espírito, enquanto contribuem para a manutenção de um mundo de guerras, pestes e fomes, um mundo de misérias e de imoralidades.

Essa foi a conclusão a que se chegou, depois de tantos estudos teóricos e depois de focalizar o problema das almas pelo prisma dos fatos observados. No fundo de todas as condições e situações individuais, sempre vimos os fatores Moral e Amor em jogo; quem agiu de acordo, estava bem e tinha bens a distribuir; enquanto que os desarmonizados tinham trevas para si e para outros. E todos aqueles que se haviam harmonizado com esses fatores, tinham conseguido realizar em si mesmos uma quantia apreciável de Verdade e de Virtude, estando em condições hierárquicas satisfatórias. E como argumento básico, fica dito que ao Grau Crístico não se pode ir por outros meios.

Poderia existir argumento maior do que ver espíritos, dos altos planos da vida aos máximos baixios, cada um recebendo segundo suas aplicações em Moral e Amor, sem embargo das condições sociais? Que significam pobrezas ou riquezas, títulos ou não títulos, religiões ou não religiões, perante a Lei e a Justiça?

Os encarnados e os desencarnados ainda perambulantes em lugares muito inferiores, podem não entender destas realidades supremas, porém um dia terão que as entender. O Reino do Céu interior, que não virá mesmo com mostras exteriores, é uma questão de Moral e de Amor. Tudo o mais que seja, poderá contribuir para a grandeza do espírito, mas apenas como contribuição àquela realização. Se falhar naquela Chave Fundamental, tudo cairá por terra!


CAPÍTULO 9 

O APÓSTOLO BEZERRA DE MENEZES

 

“No curso dos séculos consecutivos a Jesus Cristo, todos os Apóstolos e aqueles outros que mais de perto acompanharam o Divino Modelo voltaram à carne, cumprindo tarefas em os mais diferentes setores de trabalho; Lucas, o Apóstolo que era médico e pintor, veio na personalidade de Bezerra de Menezes, pela última vez, deixando marcas inconfundíveis do seu valor e indo ser, após o desencarne, um grande chefe de legiões socorristas. Bezerra de Menezes não é apenas um nome a ser pronunciado com respeito, é uma bandeira de trabalho, é uma ação em movimento, é uma das muitas Graças de Deus ao dispor das almas que buscam a Verdade e a Virtude.”

 

Se é certo que a Restauração do Caminho do Senhor, com o nome de Espiritismo, está fazendo abalar os alicerces do multimilenar edifício clérico-dogmático, também é  no mundo astral onde a grande revolução se processa. Porque tudo, por aqui, é muito maior e mais intenso. E como do quarto céu, ou da quarta faixa para baixo tudo são ainda subfaixas muito relativas, ou com profundos reflexos da vida carnal, podem calcular o que sejam e como vivem estas humanidades. Mesmo nos lugares já de luz e de paz, a vida transcorre muito ligada a costumes advindos da crosta. E dos planos de trevas, nem convém por ora falar, porque a narrativa o fará, em seu curso normal, conforme o plano estabelecido pelos chefes ou mestres que nos determinaram transmiti-la.

Outra realidade que muito fez movimentar a máquina revelacionista, foi a reencarnação daquele que em vida se chamou Adolfo Bezerra de Menezes. Como foi providencial a sua volta ao mundo carnal, foi e está  sendo grandiosa a influência produzida! Em torno desse nome movimentam-se organização e falanges, como não podem calcular. Ninguém fará a sua rogativa, começando por apelar para Adolfo Bezerra de Menezes, que não seja atendido. E se não fosse a Lei e a Justiça terem que impor condições e situações, muitas mais intervenções felizes haveria.

Entretanto, no mundo astral ou no plano carnal, apesar das motivações cármicas limitarem a ação dessas organizações e falanges servidoras, o trabalho assistencial é enormíssimo. E calha, conseqüentemente, o fato de lembrar uma vez mais a Moral e o Amor; porque havendo tais méritos, muitas mais portas se abrirão aos que fizeram seus pedidos de assistência.

E se lembrarmos o sentido assistencial das legiões do Senhor, que se filtram pelos escalões hierárquicos, lembramos a inteligência funcional de Jesus Cristo, que entregando o Bem e o Bom pelos caminhos afora, reclamava entretanto o dever de renovação íntima, pelas trilhas da moralização e do crescimento em atos amorosos. É necessário que cada um peça a assistência do mundo espiritual, mas que o faça lembrando bem de suas obrigações fraternais.

Estamos absolutamente autorizados a falar em nome desta realidade, porque o nosso trabalho é nesse sentido, faz várias dezenas de anos.

 

CAPÍTULO 10 

SUJEITAI-VOS À VERDADE E À VIRTUDE

 

“Ninguém pensa como quer e sim como pode; para pensar melhor, cumpre evoluir; para evoluir, somente sendo contra todos os dogmatismos; e para ser contra os dogmatismos, somente sendo da VERDADE e da VIRTUDE ou contra os malabarismos que certos agrupamentos humanos teimam em dizer que são religiões, embora estejam sempre funcionando contra a Lei de Deus e o Divino Exemplo de Jesus Cristo.”

 

O homem isolado nada poderá fazer de grande, seja em que sentido for; mas desde que tenha o amparo de bons emissários espirituais, a coisa muda, podendo produzir obra de alongada influência. Quem quiser uma vez mais buscar exemplo em Jesus Cristo, saberá que afirmou diante do mundo, para sempre – “Vereis os céus abertos e os anjos de Deus subindo e descendo sobre a cabeça do Filho do homem.”

Que faziam os anjos, espíritos ou almas que desciam sobre Jesus?

Que fazia Jesus, tendo as Suas legiões espirituais em perene trabalho?

Não queremos gente “crente”, mas desejamos que todos se tornem conscientes e trabalhadores fiéis. Basta de molambismos pelos caminhos lodosos da letra morta e dos clericalismos pagãos e comercialistas!

A hora que se avizinha reclamará muito mais consciência das verdades eternas, perfeitas e imutáveis de Deus, porque fora dessa linha de conduta, mundo algum e humanidade alguma conseguirão jamais atingir o nível de Sabedoria e Amor. E tal estado espiritual poderá ser conquistado sem romper com o passado, com a tradição, naquelas partes em que apenas servem para engordar escolas de molambismos?

Sujeitem-se, pois, os livros e os costumes à Verdade e à  Virtude, e não a Verdade e a Virtude aos livros e costumes!

Sujeitemos nossos pensamentos ao Pensamento Divino, em lugar de pretendermos sujeitar o Pensamento Divino ao nosso!

Eis como foi, meus irmãos, que entrei para a falange de Bezerra de Menezes, quando o apóstolo da humanidade e da fraternidade começou realmente o seu apostolado. Sendo ele portador de um elevado encargo a ser desempenhado na Pátria do Cruzeiro do Sul, grandes forças espirituais lhe foram designadas, para que o trabalho fosse aumentando, alastrando, criando raízes, a fim de se alongar pelos dias seculares porvindouros.

Muitos irmãos já trabalhavam sob o controle de seus mentores, quando fui convidada a tomar parte numa das caravanas. E foi junto ao primeiro trabalho que se passou a coisa que me fez registrar o assunto exposto a seguir.

Anacleto era evangelista, mas tinha parentes já militantes na Seara do Consolador Restabelecido; e como não poderia deixar de ser, para ele mais importava o Evangelho da letra morta e adulterada em muito, do que a imitação dos Divinos Exemplos de Jesus Cristo.

E como todos os que nascem já o fazem hipotecados à morte física, Anacleto teve que deixar o fardo carnal, para enfrentar a nova situação. Como não fora amigo do Bem e do Bom, sem ser teoricamente, as coisas não lhe foram bem nas tramitações do mundo espiritual. Ficou mergulhado em uma penumbra, sujeito a solavancos, ora subindo um pouco para melhor, ora descendo muito para pior, até que lhe ordenaram o recolhimento, para ser tratado e instruído.

Como todos os fanáticos religiosistas, ou todos os que confundem a Religião da Verdade e da Virtude, da Moral e do Amor, com as manias sectaristas, Anacleto logo que se pilhou tratado, começou a querer discutir textos com os seus benfeitores espirituais.

Ele, que vinha do palavrório dogmatizado e histérico, queria ensinar aos que viviam, aos que em trabalhos já sabiam imitar um pouco dos exemplos do Cristo.

Ignorante que era da passagem, logo que a reconheceu, pelos tratamentos e avisos amigos, logo quis exigir a presença de Jesus Cristo, alegando que tinha acreditado, que tinha tido fé em Jesus.

Nada sabendo da lei de progresso através das vidas, assim que lhe falaram a esse respeito, perguntou se por ventura não estaria no meio de demônios que o tentavam, fingindo-se de anjos.

Pensando numa beatice vagabunda, quando lhe disseram do trabalho edificante, no Espaço e no Tempo, para todos os filhos de Deus, encarnados e desencarnados, ele perguntou se era assim que recebiam prêmios os crentes em Jesus Cristo, fazendo cara de forte desagrado.

Aqui foi-lhe dito, então, que se quisesse poderia não trabalhar, nada fazer por quem quer que fosse, ficando apenas sujeito a não ter recompensa alguma, em amizades e passeios, conversas e estudos.

— Acho isso muito esquisito! – disse ele, pensativo.

— Mas poderá modificar o seu modo de pensar e agir, quando quiser – respondeu-lhe o instrutor.

Ocorreu-lhe perguntar se outros já haviam enfrentado uma tal situação, tendo o instrutor respondido:

— Pode estar certo de que não está sendo original em coisa alguma, irmão Anacleto; nós todos, ao virmos do mundo carnal, temos de nos adaptar em pouco ou muito a estes planos e modos de vida. Porém, quem vem conhecedor de melhores Verdades, sabe que o progresso é lento, que todos enfrentam dificuldades e necessidades durante a escalada evolutiva, e fazem questão de auxiliar, de dar a mão ao irmão que vem mais atrás. Amor para nós é trabalho, não é conversa; e o programa da Verdade, pode estar certo, é bastante vasto para ser realizado numa vida, apenas.

Considerando as falhas educativas, deram-lhe dois dias de absoluta liberdade, dois dias que ele passou observando postos de socorros, até  encontrar-se com uma irmã, meio aparentada, que se achava hospitalizada.

— Você aqui?! – perguntou assustado.

— E você?! – fez ela, retribuindo o susto.

— Estou aqui! – boquejou, desajeitado, olhando ao redor, onde outras irmãs também se achavam sob cuidados.

Cristina sorriu, movimentou um pouco a cabeça, e murmurou:

— Eu católica e você evangelista... E estamos todos aqui...

Anacleto cismou, encolheu os ombros e também murmurou:

— Não há diferença... Pelo que se vê...

— Deus não faz diferença... – ponderou Cristina, satisfeita.

Um enfermeiro, aproveitando a deixa, acrescentou:

— A diferença sempre esteve em nossas obras; quem mais vive para a Moral e para o Amor, mais depressa atinge as regiões onde a Verdade e a Virtude se apresentam intensamente. E quem fala muito em Deus e no Cristo, e vive para o seu infeliz fanatismo religiosista, ou vai mais para baixo ou chega mal até aqui.

Anacleto mirou-o com reserva, tendo perguntado:

— Era religioso?

O enfermeiro, atarefado, respondeu:

— Chii!... Até demais!... Eu vivia de Bíblia na mão!...

O enfermeiro se foi, para trabalhar, para viver o Evangelho, e todos ficaram a olhar para ele, bastante enigmáticos.

Eu havia recebido ordem específica, razão por que lhe disse:

— Por que não põe a mão sobre a cabeça da irmã Cristina, rogando para ela os benefícios do Senhor?

— Eu?!... – fez ele, atônito.

— Jesus não passou a vida fazendo isso e mandando fazer?

Anacleto olhou-me com certa gravidade, depois pendeu a cabeça, como que envergonhado. Eu me aproximei, apanhei-lhe a mão direita, coloquei-a na cabeça de Cristina, ordenando:

— Vamos, peça a Deus por ela, para ter também para si; como Jesus Cristo fez, rogando ao Pai, façamos nós todos, que isso é boa religião! Ou quererá pretender, ainda, que religião é ter gosto por leituras ditas sagradas, feitas com fanatismo sectário, ou mesmo as dobras de espinhaço diante de homens fantasiados e seus manobrismos?

Anacleto levantou a cabeça, olhou para o teto, como fazem aqueles que por má interpretação de Deus O procuram longe e fora, e com voz comovida orou:

— Senhor Deus e Pai Nosso! Senhor Jesus Cristo! Não sabe este vosso filho e discípulo, como confessar a sua ignorância em face da Verdade; porque tudo é diferente do que nos ensinaram na vida carnal... Também não sei se o meu rogo possa ter valia... Mas peço, com toda a minha alma, por esta vossa filha e discípula. Que as vossas bênçãos caiam sobre ela...

Embargada a voz, Anacleto cessou a fala; mas a sua mente, bem se via, demandava os reinos superiores. Envolvido em luz dourada, projetava sobre a irmã Cristina um facho maravilhoso, que após se estendia pelo corpo todo.

Ao abrir os olhos, olhou em torno, notando que o grupo estava bem aumentado, fazendo parte do mesmo, agora, uma personagem para ele muito cara.

— Mãe!... Ó minha mãe!...

Estes reencontros são sempre muito comoventes, porque aprendemos a mais sentir, nestes reinos, do que a pensar; e tomamos parte em todas as manifestações de amor e carinho, sabendo que somos todos filhos e pais. O próximo é nós mesmos, para todos os efeitos; suas dores e alegrias, suas lágrimas e suas exaltações emotivas, tudo é coisa nossa, porque no Espaço e no Tempo as conjunturas nos obrigarão a viver todas as condições e situações.

A mãe de Anacleto, a irmã Natália, era um espírito bastante avançado nos domínios da Verdade e do Amor, habitando região bastante superior, onde dirigia um estabelecimento de ensino. Supus, na ocasião, que ela devia estar a par do que ocorria com o filho, aguardando entretanto que os acontecimentos tivessem seguimento normal, para intervir segundo a Lei, no momento oportuno.

— Como a senhora está maravilhosa! – exclamou o filho, notando a maravilhosa personagem, que todavia revelava uma simplicidade realmente absorvente.

Ela comentou:

— Todas as maravilhas do Nosso Pai estão ao nosso dispor; basta que cultivemos a Moral e o Amor, para irmos crescendo nelas.

Anacleto rememorou:

— A senhora foi uma grande professora!... E dizia que detestava todos os modos de padrequismo... Achava que para serem como eram, ou Deus estava errado ou eles, em nome de Deus, cometiam tremendos erros. E por saber que em Deus não pode haver falha, era totalmente contra eles.

Ela, com palavras ponderosas, explicou:

— Sempre distingui, ou procurei fazer, entre o homem em si e a sua função; assim é que podemos encontrar bons homens em más funções, como nos casos clericais, em que criaturas boas, almas piedosas, se aplicam de modo idólatra e perniciosa, pelo simples fato de terem sido mal orientados. Eu tenho um ex-padre como subordinado, um bom professor e uma grande alma; é que, embora errando sobre religião ou doutrina, sempre se distinguiu na vida pelos atos de bondade. Ocupou o seu tempo de folga em pedir esmolas aos que as podiam dar, para distribuí-las aos que passavam privações. Muitos pais e muitos filhos oravam para que ele jamais deixasse o mundo; mas ele o deixou, como todos deixam, para vir colher, nestes reinos, as belas semeaduras que fizera no mundo, em trabalhos sociais.

O filho repetiu, pensativo:

— Em trabalhos sociais!...

A mãe tornou a comentar:

— Sim, meu filho, a religião da Verdade e da Virtude. Afinal de contas, o Nosso Pai quer colaboradores fiéis ou quer aduladores sectários?

Naquela hora dava entrada no vasto salão o diretor dos serviços hospitalares da região; como a função indicava e indica, era um médico de profissão e uma alma dotada de muitos dotes morais. E, pelo que se viu, sabedor da presença, ali, da irmã Natália, compareceu para encontrá-la. E o encontro de criaturas de mais altitudes vibratórias é sempre um acontecimento feliz para os presentes em geral, porque sempre há uma elevação de tônus psíquico. Há um mergulho de todos numa atmosfera de elevada sublimidade.

Ela apresentou o filho ao diretor, e este, todo paternal, perguntou-lhe:

— Vai ser professor do quê?

Anacleto meditou um bom tempo, depois olhou para a mãe de modo indagador, tendo respondido, com uma boa dose de incerteza:

— Se me permitirem, gostaria de conversar com minha mãe antes de escolher a minha nova função... Digo que me encontro, ao mesmo tempo, decepcionado, perplexo e encantado, senhor diretor. Por isso, peço a ajuda de todos... E eu sei que me ajudarão, porque vejo que a religião, por aqui, graças a Deus, é amar sempre o próximo.

O diretor sorriu, sentenciando:

— Quem apela a César deve ir a César!

Natália agradeceu, dizendo que iria falar primeiramente com o governador da região, para depois dizer ao filho como escolher a nova função, com inteira liberdade e assumida de responsabilidade.

E ali todos se despediram. Mais tarde, Anacleto foi indicado a servir no hospital primário, a pedido seu. Lidando com os mais doentes, aplicando mãos e lendo páginas evangélicas, foi melhorando muito, até vir a ser participante dos trabalhos relacionados com o bondoso Bezerra de Menezes, onde ainda permanece, juntamente com outras dezenas de milhares de entidades servidoras. Porque Bezerra de Menezes cumpriu a função terrena de tal modo que, com a sua desencarnação, a semeadura cresceu, mas cresceu tanto, que não é fácil considerar o montante atingido. E continua crescendo, e muito mais crescerá ainda, pelo que sabemos por informes superiores.


CAPÍTULO 11 

O DOUTOR BEZERRA DE MENEZES

 

“Raríssimas são as pessoas que, encarnando, trazem lembrança das vidas pretéritas e dos encargos que as trouxeram ao mundo; entretanto, os espíritos de escol sempre trazem o poder intuitivo em grau superior, tendo por isso um inato sentimento da VERDADE e da VIRTUDE, inclinando-se pois aos trabalhos de ordem celestial; o trabalho de ordem celestial não é aquele que se fantasia de religioso, à maneira clerical, com ou sem batina, mas sim aquele que se caracteriza pelo VERDADEIRO, BOM e BELO, que é o que conduz a Deus.”

 

Por estas alturas de minha narrativa já  estava participando das legiões que giravam em torno de Bezerra de Menezes. Quando digo o homem em seus trabalhos, o que faço é  salientar a Determinação Divina, o serviço delegado pelo Plano Diretor. Porque se alguns espíritos vêm do submundo ou da subcrosta, para ressarcir tremendas faltas; se outros vêm dos reinos espirituais ainda pouco vantajosos, para terçar armas com as obrigações evolutivas mais elementares; se outros vêm dos reinos um pouco melhores, para evoluir e deixar bons exemplos, certo é que outros vêm de reinos superiores para marcar suas vidas com o vinco dos missionários de primeira linha, deixando no mundo os rastros luminosos de seus feitos, os caminhos por onde outros poderão se endereçar aos Sagrados Objetivos da Vida.

Há gente, muita gente, que pensa estar a marca do missionário superior nas arengas teologais; outros querem encontrá-la nos galardões religiosistas, nas pompas mundanas ou nos títulos da nobiliarquia clerical; outros pretendem que esteja a marca superior na descoberta de Deus e do espírito, do que sejam feitos e como são; porém, a verdadeira marca está no serviço do Bem, no amor pelo próximo, na renúncia de si mesmo pela melhora alheia!

Deus não é o produto das elucubrações humanas; tudo quanto existe, material e espiritualmente, não é pelo desejo humano; o movimento a que está sujeito é por Deus e não pelo homem; a evolução das almas não foi programada pelo homem; a responsabilidade é acima de cogitações humanas; a Reencarnação, a Comunicação, a Habitação Cósmica e a Sagrada Finalidade, tudo é por designação de Deus, tudo está totalmente acima do que podem os míseros vermes que ainda somos.

Portanto, havendo o que seja de nossa vontade apressar ou não, isso é a realização em nós mesmos da Verdade e da Virtude; isto é, identificar com a Verdade e viver a Virtude. Se a Moral for esquecida e o Amor desprezado, por qualquer motivo que se pretenda pôr em jogo, tudo estará muito mal, porque essa alma deitará para longe de si a luz e a glória, caindo em sofrimentos tremendos, até o dia em que, reconhecendo os desígnios de Deus, venha a trabalhar em si mesma pela Verdade e pela Virtude.

Não importam as posições sociais; não há que considerar a cor ou a nacionalidade; tampouco observar o homem pelo prisma do seu culto sectarista, porque os fatores de ordem essencial, como a Moral e o Amor, únicos que conduzem à Verdade e à Virtude, não reconhecem tais argumentos, sem ser, em muitos casos, para tanto mais responsabilizar.

O Divino Modelo não apelou para estes e aqueles ramos do saber dito humano; mas, pelo contrário, apelou e mandou apelar para a Suprema Cátedra, que é amar o quanto seja possível. Porque não existe saber algum que, mal aplicado, seja caminho de glorificação!

E o médico Bezerra de Menezes, defrontando a vida dos semelhantes pela senda pura da medicina, compreendeu que o semelhante, branco ou preto, rico ou pobre, doutor ou analfabeto, nacional ou estrangeiro, religioso ou ateu, era alguém que vinha de Deus, que estava acima de suas forças poder julgar. Se, no pouco, o homem é tão pequenino, pensou e sentiu ele, como poderá ser grande naquilo que cabe a Deus, somente a Deus querer e determinar?

E tendo assim compreendido a religião da Verdade e da Virtude, enveredou por ela e deu de si, por toda a vida, o que podia dar. O missionário tinha, no plano carnal, encontrado a porta do Reino de Deus!

Sabendo ou não, o plano invisível estava sempre a postos; o médico da matéria fazia o que podia e o mundo espiritual agia segundo outras ordens, limpando aqueles que se fizessem dignos de limpeza. E os trabalhos doutrinários foram tomando conta do médico, colocando-o em plano superior, exigindo mais trabalho, a fim de traçar as metas futuras, a fim de sulcar a terra, para que outros, mais tarde, em tais sulcos encontrassem as veredas a serem abertas.

Bem sabemos de multidões de almas desencarnadas que em seus trabalhos doutrinários encontraram o caminho da recuperação; digo recuperação, porque a libertação está no Grau Crístico. Quem está sujeito ao processo evolutivo não está livre de cair e de ter que levantar, para prosseguir a jornada; não está liberto, porque a libertação é a superação das reencarnações obrigatórias. E os realmente libertos, os Cristos ou Cristificados, quando encarnam é por vontade própria, como Jesus o salientou, afirmando que viera de espontânea vontade.

E no primeiro trabalho espírita em que tomamos parte, por causa da designação do diretor da região, tivemos o caso seguinte: pessoa encarnada falara ao médico Bezerra de Menezes do seu doente, nestes termos:

— Minha esposa já não tem mais remédios para tomar; e de tudo quanto ela tem tomado, nada resultou. Agora alguém falou no senhor, e eu aqui estou... Para lhe ser franco, não creio em coisa alguma... Isto é, creio na Natureza!...

O medico sorriu, perguntando onde morava, nada mais. E para lá  foram eles, o marido com suas idéias e o médico com o seu dever em dia.

Casa rica de bens materiais, porque o dono, o engenheiro, era de boa fama e de muita procura. Sua esposa estava acamada, enfraquecida, intoxicada de tantas medicações, aliás materialmente muito bem indicadas.

Bezerra falou à doente, lembrou-lhe Deus e o mundo espiritual, recomendou-lhe tomar os remédios e não se esquecer das orações. Que tomasse os remédios com a água fluidificada, lembrando na ocasião que os bons espíritos ali estariam, para auxiliá-la.

E a doente, mais duvidosa do que outra coisa, balbuciou:

— Eu sempre faço o que me recomendam, doutor!...

Todo bondade, Bezerra assegurou-lhe:

— Então faça o que Jesus quer que faça... Seus filhos necessitam de cuidados maternais, e Jesus sabe disso. Eu lhe dou os remédios do corpo, mas é Jesus quem lhe dará os remédios do espírito.

— Como fala com tanta certeza, doutor? – inquiriu ela.

— Porque Jesus é quem realmente cura, minha senhora. Nós, os médicos, apenas remendamos alguma coisa...

Sabendo ou não os doentes, crendo ou não, mas Bezerra de Menezes colocava os casos à frente do mundo espiritual; e quando os casos eram como este, graves de certo modo, então sabia ele que a cura estava nos trabalhos espíritas, porque as atuações espirituais maléficas tinham que ser combatidas pelas atuações espirituais benéficas.

No momento da visita, o nosso grupo assistencial, guiado por Tancredo, retirou um dos vultos negros que envolviam a senhora do engenheiro. Afinal de contas, se o marido não acreditava em Deus nem nos espíritos, isso não fazia com que a realidade dos fatos deixasse de ser aquela. E se a esposa duvidava de tudo, nem por isso tinha menos do que dois vultos negros colados a ela. E para nós, uma vez mais, a rica miséria do homem falecia defronte ao pobre realismo da Verdade!

O vulto negro, retirado no momento do receituário, uma vez sujeito ao nosso processo de tratamento, revelou-se uma nobre dama, nobre para os galardões do mundo, que compartilhara com ela de afrontosos atos contra a Lei de Harmonia, lá pelos meados do século dezessete. Foram familiares e agiram monstruosamente contra pobres escravos e outros servidores. Suas vontades eram leis e quem tinha o poder tudo fazia para agradá-las.

E uma vez colocada em condições de falar, reclamou respeito à  sua posição; o nosso instrutor e dirigente, Tancredo, nem para seu criado poderia servir, pois o principal em um criado é obedecer cegamente, assim reclamava ela.

Depois de dar-lhe total liberdade, sem nada lhe explicar do que estava ocorrendo, Tancredo achou que era hora de avisá-la:

— Irmã, a morte física deu término aos seus títulos mundanos, faz muito tempo. É apenas um espírito sofredor, retirado de junto de alguém que também participou dos mesmos erros e crimes.

Irritada, gritou:

— Feitiçarias é para escravos! Desapareça de diante de mim, que o mandarei esfolar vivo!...

Cinco servidores estenderam contra ela as suas mãos, projetaram forças energéticas e fizeram-na dormir. Após, foi reduzida magneticamente, tratada em nossas estufas e logo mais encaminhada a uma nova romagem carnal. No seu roteiro da vida estava escrito que nasceria uma pretinha muito pobre, casaria muito cedo, teria vários filhos, ficaria viúva e teria que lavar muita roupa, a fim de enfrentar a triste situação.

Quem estava perto do servidor que lia o programa, comentou:

— Teve títulos, riquezas, extraordinária formosura e pagou bem pelos escapulários religiosistas. Como conseqüências, teve as trevas do mundo astral pelos tempos que a Justiça Divina determinou, sendo agora obrigada a encarnar assim e para esse programa. Observemos bem, portanto, que fora da Moral e do Amor tudo são caminhos de perdição. Sem acusar, mas apenas deplorando tais falhas, tratemos de aprender as grandes lições que a vida nos oferece.

Um novato perguntou:

— Resgataria ela a todos os débitos, com essa vida?

O comentarista perguntou, para dar a resposta certa:

— Quem pode garantir que não venha a fracassar de novo?

E diante do mutismo geral, do pesaroso mutismo, convidou ele a fazermos oração pela pobre irmã.


CAPÍTULO 12 

CONSOLADOR E INSTRUTOR

 

“Três são as Potestades da Ordem Divina – Emanador ou Deus, os Cristos ou os Verbos Planetários e o Ministério do Espírito Santo ou Consolador, que é a Mensageiria Divina. Nos mundos novos, como a Terra, a infantilidade dos homens com muito custo admite as verdades que em Deus são eternas, perfeitas e imutáveis... E por isso, muitas e muitas verdades ficam, sempre, por serem ditas.”

 

O outro vulto negro que envolvia, penetrava mesmo a pobre esposa do engenheiro, foi retirado dias após, depois de observarmos o seu comportamento; isto é, o comportamento da enferma, em orações e tomadas de remédios.

Como o médico Bezerra de Menezes fizesse consulta espírita, a fim de saber melhor do que ia pela vida da enferma, vida espiritual ou cármica, foi-lhe dito que ele iria falar ao espírito vampiro, que sem querer vampirizava a enferma, que em vida anterior havia sido familiar muito íntima.

Foi-lhe recomendado, também, convidar o engenheiro, para que também tivesse a sua oportunidade de outros conhecimentos, se quisesse aproveitar a chance, visto como também pertencia ao grupo altamente criminoso.

Com este outro vulto negro o processo usado foi outro, porque uma vez feita a sondagem do passado, pelo processo psicométrico, foi visto que tinha a seu favor umas vantagens. Vinha de longe essa alma, das terras egípcias, tendo tido a oportunidade de conhecer e praticar o bom espiritualismo, a iniciação; mas pelos séculos seguintes, renascendo na Europa romanizada ou pagã, embora em nome de Deus e do Cristo, cometeu tremendas faltas.

Foi assim que veio para novas tentativas, quase sempre perdendo nas transações, por não calhar de encontrar os verdadeiros ensinos espiritualistas. Quando sua antiga tendência fê-la procurar as vestes sacerdotais, como homem, foi perseguidor não pouco feroz, agindo por conta e risco do Santo Ofício, ou pensando assim ser.

Todavia, somando altos e baixos, divididos estes, deram-lhe uma oportunidade de ser tratada, educada, em nossos reinos e colocada em trabalhos, para bem mais tarde poder reencarnar, com alguns méritos a mais, para correr menos riscos de fracasso.

E foi assim que o engenheiro, convidado em tempo certo, compareceu ao trabalho mediúnico do médico, para falar com o espírito que por tantos anos vinha, embora inconscientemente, vampirizando sua esposa e atormentando-lhe o corpo e a alma, a ele, o marido.

O marido veio alegre, curioso, cismado e algo reverente, porque sua esposa apresentava melhoras bastante consideráveis. E o espírito, também regularmente doutrinado, veio falando a contento.

O engenheiro, pedindo para fazer umas perguntas, teve o consentimento do presidente da mesa, o médico que, entretanto, ponderou não estar o espírito em condições de dar muitas respostas.

E foi quando alguém deste lado, muito ligado ao médico, retirou o espírito e comunicou-se para dizer:

— Devo dizer-lhes que isto não convém, por vários motivos, pelo menos por enquanto. Em primeiro lugar, o espírito subiu da subcrosta para ser encostado à irmã enferma, em estado de completo obscurecimento, tendo ali ficado todos esses anos, sem nada mais fazer senão sofrer e fazer sofrer. Em segundo lugar, seu tratamento está em curso, sua educação em princípio, não convindo sofrer abalos nervosos. Devo dizer, a quem menos souber, que nossos corpos são relativamente a nós, como os seus relativamente a vocês, em tais circunstâncias sujeitos a terríveis desequilíbrios. E por fim, meus irmãos, nós não queremos perder o nosso tempo de tratamento, correndo o risco.

Cessou a fala por um pouco, virou o seu médium para o engenheiro e disse-lhe, em tom fraterno:

— Não tenha muita pressa, meu irmão, para fazer perguntas a outros espíritos. Eu também já fui assim, mas a vida me ensinou a perguntar muito mais a mim mesmo. E de tal modo tenho estudado, perguntado a mim mesmo, que ultimamente, em meus trabalhos e em minhas conversações, mais prefiro calar do que perguntar. Se de fato quiser saber muitas verdades básicas ou universais, e não apenas verdadezinhas particulares e sem nenhuma importância edificante, então procure ler as obras doutrinárias. Lembro mesmo, meu irmão, a conveniência de fazer isso, porque está totalmente implicado no caso de sua companheira; se o não fizer nesta vida, terá que fazê-lo em outra, porque a Lei de Deus nunca passará e a Sua Divina Justiça estará eternamente em função.

O engenheiro alvitrou:

— Minha esposa está quase sã; posso pensar que terá perfeita cura?

O guia comunicante advertiu:

— De minha parte, porque interpreto a Vontade de Deus, prefiro que pense mais no espírito eterno do que na carne passageira. Tudo isso foi uma oportunidade fornecida pelo Céu, para que conheçam a Verdade que livra. Se quiserem pensar apenas do ponto de vista imediato, melhor será que tratem de um longo programa de sofrimentos.

O engenheiro tornou a perguntar:

— Esse espírito sofredor, no seu entender, nunca mais voltará?

O guia comunicante sorriu de leve, perguntando:

— Bezerra, você que já está muito mais versado nestas questões, poderia dizer, entre eles, os encarnados e os desencarnados, qual é ou quais são os mais sofredores? Quem dentre eles têm mais dívidas a reparar?

— De forma alguma, irmão, poderia eu me pronunciar a esse respeito, com o meu pessoal conhecimento de causa – respondeu o médico.

O guia, volvendo à fala, aconselhou:

— Meu irmão, no passado estão as nossas primeiras experiências, no presente estão as oportunidades que o Pai nos fornece através de leis e de elementos, e no futuro estão as glórias a que devemos atingir. Em Deus tudo resume Eterno Presente, mas para nós, muito relativos, temos que considerar todos os eventos no seio do Espaço e do Tempo. Assim considerando, devemos situar o espírito na chave seguinte – ser apenas o que é, estar em algum lugar, de algum modo e fazendo alguma coisa.

E ante o silêncio geral, estacou por um pouco e logo completou, ponderoso e grave ao mesmo tempo:

— Encaramos nós, os guias, a todos os fatos com profundo respeito; cuidamos de seus interesses espirituais com aguda acuidade de bons irmãos; porém, jamais pretendemos diminuir a Lei e a Justiça do Senhor, aos termos que encarar os seus ou os nossos mais prementes desejos. Por ser assim, sentimo-nos imensamente satisfeitos com aqueles que antes de tudo observam as causas determinantes dos fenômenos. E, por que não dizê-lo? Por que não sentir tristeza diante de quem procura nos fenômenos apenas os recursos para soluções superficiais?

Algo empertigado, o engenheiro perguntou:

— O irmão acentua rigorosamente um tom de advertência em suas palavras; ao que devo atribuir essa atitude?

Como que satisfeito pela situação criada, o guia terminou a sua doutrinação com as seguintes palavras:

— Estamos vendo, com toda a nitidez possível, a caudal de sofredores que a sua família arrasta. Uma vez procurando entender a lei dos fatos, poderão i-los doutrinando, encaminhando, libertando-se da tremenda pressão que eles, em caso contrário, irão causar. Temos feito como devíamos fazer: o nosso médico tratou do corpo, nós tratamos das causas espirituais, e, por fim, estamos dando conta do nosso trabalho evangelizador. Temos ordens de ser, antes de tudo, médicos dos espíritos.

Despediu-se e retirou-se, com outros colegas, para o trabalho hospitalar que os aguardava no mundo espiritual.

Nós ficamos no recinto, até Bezerra de Menezes encerrar o trabalho. Após, fomos ao recinto familiar do engenheiro, seguindo-lhe os passos, observando suas reações, auxiliando-o com pensamentos favoráveis.

Foi conosco a ex-vampiro, para, no local, receber de Tancredo algumas palavras doutrinárias. Depois de falar de todo um passado, cheio de altos e baixos, mais baixos do que altos, Tancredo recomendou a ela fazer orações ao Senhor, para ir melhorando o seu corpo perispirital. Encareceu rogar pela encarnada, sua parenta íntima no passado, para que viesse a ter facilidade nos aprendizados.

Ouvimos nós toda a conversa do engenheiro e de sua esposa; ele contou como transcorrera a sessão, como falara o espírito ex-vampiro e como falara o guia, em tom de muita rigorosidade doutrinária. A esposa, muito mais sensível do que ele, sentindo a presença de Tancredo, que lhe pôs a mão direita sobre a cabeça, disse:

— Tenho certeza de que há gente invisível aqui!

O engenheiro recomendou:

— É melhor você fazer orações...

— E por que não você também?!... – reclamou ela, veemente.

Ele ficou pensativo, duvidoso, mas assentiu:

— Bem, eu direi alguma coisa... Você sabe que eu não sei rezar... Minha falecida mãe era católica, porém meu pai continua positivista ferrenho.

O silêncio envolveu o dormitório; as movimentações cerebrais passaram a emitir ondas luminosas; o Deus Onisciente, Onipotente e Onipresente começou a ser procurado muito e muito longe, lá num Céu distante, vago e quase impenetrável; mas os trabalhadores do mundo espiritual passaram a agir, impondo suas vibrações amorosas.

— Ó meu Deus!... Meu Deus!... – exclamou a ex-enferma, toda chorosa.

O marido, assustado, procurou saber:

— Que tem, Júlia! Que se passa?!...

Com a voz embargada, a esposa explicou:

— Vi... Eu vi um espírito!... Estava com as mãos sobre a sua cabeça...

O engenheiro nada disse, mas ficou a meditar; e quando tudo havia tornado à normalidade, a esposa lhe perguntou:

— Saiba que eu vi um espírito luminoso, orando sobre a sua cabeça?

O marido, revelando grande emoção e profunda alteração conceptiva, murmurou:

— Creio, Júlia, que a Obra de Deus é mesmo muito mais vasta do que pensam os homens. O que vemos não é tudo, não pode ser...

Replicando imediatamente, a esposa perguntou-lhe:

— Ora! Você já viu o ar que respiramos? Já viu o som que transmitimos e ouvimos? Já viu a olho nu aquilo que só se consegue com o microscópio?

Eles ficaram entregues a suas cogitações, tendo a caravana espiritual saído para outros rumos, deixando porém um guarda no recinto.

Durante a viagem de retorno, a ex-vampiro quis saber se voltaria ao recinto de sua ex-vítima.

— Tancredo lhe dará instruções – disse-lhe eu – na hora certa; porque sabemos que a nossa irmã Júlia desenvolverá suas faculdades e trabalhará. E você fará a sua parte, trabalhando com ela.

— Anseio por isso... Sinto um novo mundo dentro de mim, uma vontade irreprimível de fazer alguma coisa útil, realmente útil. Mas, saliento bem, sob outras noções de espiritualidade.

— Sob outros conceitos religiosos! – aparteei.

— Justamente! – sentenciou ela.

E Tancredo, aproveitando a oportunidade, interferiu:

— Toda vez que uma consciência se esclarece, rompe violentamente com os grilhões religiosistas ou formalistas que a lançaram nas trevas. Se fosse possível mostrar a realidade do mundo espiritual aos encarnados, em pouco tempo faríamos a renovação do mundo, transformando a humanidade terrestre em alguma coisa digna de sua Divina Paternidade. Mas um véu encobre as realidades e a mentira toma o lugar da Verdade, o vício o lugar da Virtude e as simulações comercialistas o lugar da Moral e do Amor.

Luzia, a ex-vampiro, comentou com bastante gravidade:

— Tenho meditado muito sobre três pontos; o que Deus quer de Seus filhos, o que ensinam as religiões e o que nós fazemos.

— A que conclusões chegou? – inquiriu-a Tancredo, interessado.

Por estas alturas da viagem de retorno ao nosso reino espiritual, estávamos no pátio do hospital; e foi estacando sob frondosa árvore, que Luzia teceu as suas considerações.

— Bem sabem que fui rica, poderosa e católica; fiz minhas vontades e paguei minhas indulgências, portanto. Todavia, desci aos abismos, onde permaneci por muitos e muitos anos, para depois de lá sair, vindo a perseguir uma pessoa encarnada, sem o saber e querer. É por isso que me pergunto as três perguntas, nada mais.

Tancredo tornou a perguntar, curioso:

— Como solucionaria a questão?

Luzia sorriu, cogitando apenas:

— Quem sou eu para solucionar tamanha questão? Entretanto, coloco Deus acima de cogitações, considero que agi por conta dos ensinos religiosos recebidos e concluo que gravíssimas responsabilidades devem pesar sobre as religiões. E se acrescentar a isso o que vejo, sinto e vivo agora, aqui, entre vocês, que nada querem com os religiosismos da Terra, que direi? Não terei que dizer coisas infernais dos senhores proprietários de religiões? Não serei obrigada a considerar que eles, por interesses subalternos ensinam inverdades, falseiam tudo, enviando com isso os seus crentes aos abismos?

Tancredo fitou-a com imensa simpatia, mas observou-a:

— Minha irmã Luzia, você terá que ver onde vão parar certos espíritas!

Luzia arregalou muito os olhos, fez um semblante lívido e nada disse. Ficou imóvel, triste, como se uma nuvem negra a tivesse envolvido, fazendo-a desaparecer na escuridão mais negra possível.

E Tancredo, retornando à fala, balbuciou:

— Acorrem ao Espiritismo criaturas vindas de todos os redutos da ignorância, da imoralidade, da covardia, do fingimento, da idolatria, de todas as misérias tradicionais e não tradicionais. Portanto, lembre-se, o Espiritismo é uma coisa e os espíritas são outras coisas...

Luzia suspirou profundamente, gemendo:

— Meu Deus! Meu Jesus!...

Tancredo lembrou-lhe:

— Jesus Cristo não foi um piegas, um comodista, um interessado nos benefícios do mundo espiritual. Ele foi o Divino Revolucionário da Moral e do Amor, a fim de ensinar a todos como atingir a Verdade e a Virtude. Não fez confusão entre a mentira e a Verdade, entre o vício e a Virtude, entre a covardia e a Coragem. Soube o que dizer e o que fazer, sem temer perseguições e martírios. Jamais calou diante da perversidade dos potentados e grandes do mundo. Nunca deixou passar em brancas nuvens os crimes clericais. Atirou contra os donos da falsa crença e dos monopólios temporais, todos os argumentos da Verdade e da Virtude, arcando com todas as responsabilidades. Virou o rosto aos malvados e hipócritas e não deu resposta aos maliciosos e comprados de consciência.

Quando cessou de falar, mostrava-se revoltado, pelo que disse, para despedir-se e rumar ao seu domicílio:

— A Verdade e a Virtude não precisam de advogados, mas sofrem na crosta a tremenda falta de lutadores corajosos! Muitos repetem as sentenças de Jesus para com os pobres e oprimidos; quase todos encontram nelas o recurso com que encapar a covardia que albergam; mas quem se lembra de repetir, diante dos vendilhões dos templos e dos esfoladores do povo miserável, aquelas palavras e aquelas atitudes que Jesus teve, expondo a vida para fazê-lo?

Quando ele se afastava, gravemente conturbado, alguém comentou:

— É isso mesmo... Há muita diferença entre ser um falador sobre a Verdade e ser um lutador pela Verdade!

Mas essa mesma pessoa, depois de recordar certas passagens, ponderou:

— Bem... Bem... O Cristo que perdoa serve para todos os naipes de conduta, mas o Cristo que ataca e descobre podres é muito perigoso... Quem mandaria, hoje, não atirar dádivas aos cães e pérolas aos porcos?... Quem ordenaria sacudir o pó das sandálias contra os incrédulos e perversos?... Quem diria tudo aquilo que Ele disse, contra clérigos, escribas e fariseus?... Quem teria a coragem de não responder uma palavra aos Herodes modernos?... Quem faria com que os modernos Pilatos ficassem com as suas perguntas suspensas?...

Luzia, recém-saída das sombras da ignorância e do mal, ponderou:

— Ainda bem que ninguém pensa ir parar no cimo de um madeiro, para lá de cima, sofrendo pelos males que não fez, e pelos bens que produziu, ter a presunção de perdoar a todos os algozes, dizendo-os apenas ignorantes!

Outro companheiro, que até então apenas ouvia em silêncio os testemunhos de insuficiência e de arrependimento de quantos haviam falado, interveio:

— Vamos ficar alegres, meus amigos, porque tudo isso prova que temos um Divino Modelo a ser realmente imitado e igualado. E vamos trabalhar, vamos produzir, vamos adquirir méritos para, quando tivermos que voltar à carne, podermos ser da turma dos cooperadores, em lugar de sermos da turma dos faladores, apenas. Porque, verdadeiramente, os comodistas e fazedores de acomodações, de que temos falado, são apenas como nós fomos; faltou-nos o conhecimento, que a eles agora não falta, porque a Doutrina do Consolador os informa, mas a verdade é que não tivemos a coragem de ser verdadeiros diante de um mundo de mentiras, para virmos a morrer, como Jesus e os Seus discípulos, pela Causa da Verdade.

E foi nessa atmosfera de peso que findamos um dia de trabalho, nós que habitamos estes reinos de paz e de luz relativas; e quem nos ler, faça o favor de levar em conta os seus atos, as sua provas de servidor da Verdade e da Virtude, a fim de, quem sabe, subir um pouco mais na escala dos valores, atingindo reinos um pouco ou muito superiores, para não ter que brigar consigo mesmo, ao deparar com as falhas alheias.

De uma realidade queremos capacitar os nossos irmãos encarnados: ninguém jamais terá, nestes reinos, aquilo que à custa de trabalhos não haja conquistado, mas trabalhos íntimos, realizações em termos de Verdade e de Virtude, enfrentando perigos e sacrifícios, perseguições e crucificações.

E lembrando Tancredo, diremos que estamos com ele; porque falsas bondades, mal encobertas capciosidades, verdadeiras articulações com os mais agravantes delitos andam passando por virtudes cristãs. Se é verdade que nenhum de nós deve se arvorar em juiz do próximo, também é verdade que à Lei de Harmonia ninguém poderá apresentar aparências em lugar de realidades.

Como a Moral e o Amor, a Verdade e a Virtude, que constituem a Chave Libertadora, não são propriedades particulares de quem quer que seja, ou de seitas e de religiões, aqui deixamos o nosso lembrete a cada um dos nossos irmãos; porque a mania tradicional de confundir os homens com as religiões ou seitas, deve ir cedendo lugar à verdadeira interpretação, que é a responsabilidade individual.

O Amor não exclui a Justiça, e vice-versa!

Se alguém achar que os ignorantismos e crimes da humanidade, por serem defeitos de nossos irmãos, devem ser defendidos ou pelo menos acomodados, vamos então perguntar às nossas consciências, por que motivo Jesus e os Seus discípulos enfrentaram o mundo, agiram como agiram, até serem perseguidos e martirizados.

É muito fácil fugir da verdadeira luta, arrumando pretextos e desculpas; o que não é justo, é pretender que o mundo, hoje em dia, seja menos ignorante e errado em matéria de Verdade, do que naqueles dias. E quem deixa de falar e de fazer o que deve, na hora justa, como quererá ser discípulo de Jesus e companheiro dos Apóstolos?


CAPÍTULO 13 

O IRMÃO PUREZA DE JESUS

 

“Quem disse que nomes significam virtudes?”

 

Se os nossos hospitais trabalhavam muito, atendendo criaturas que vinham pelos caminhos das trevas, apontando aos lugares e casas de socorros, muitos outros trabalhos e muitas outras preocupações passaram a ter com o advento do Espiritismo, do Consolador Restaurado.

A nossa região, ligada ao Brasil, veio a ter imensamente aumentados os seus afazeres, por esse motivo; e quando Bezerra de Menezes surgiu no campo doutrinário, arrastando após de si as falanges servidoras, por força das determinantes ordens do Plano Diretor, ainda mais cresceram as nossas atividades.

Podemos afirmar que crescem dia a dia, hora a hora, não só nos céus do Brasil, mas em outras partes do mundo, porque o seu nome, ligado às falanges médicas e socorristas, ganha ouvidos a todos os minutos. E como os postos de escuta se encontram em pleno funcionamento, eis que a Mensageiria Divina, o Consolador ou Espírito da Verdade, esparge pelas gentes o que pode, segundo a Lei e a Justiça o permitam. Porque nada se faz sem haver ordem superior.

Apraz aos céus que os homens não pensem apenas em rogar o auxílio espiritual, mas sim, que se compenetrem das devidas obrigações para com a Moral e o Amor, a fim de que as multidões servidoras, ao se locomoverem, não tenham apenas o trabalho de observar e bater em retirada; que possam encontrar merecimentos, virtudes acumuladas, meios de acesso e fáceis campos de ação.

Como temos obrigação de situar as verdades evangélicas no terreno da prática, da vida comum a todos os cidadãos do Infinito, porque assim foi o Programa Libertador vivido universalmente pelo Cristo, eis que vamos tomar exemplo frisante em um caso muito corriqueiro, infelizmente muito comum nos meios espiritualistas.

Aqui dizemos espiritualista, porque o irmão em foco não é  um dogmático nem tampouco um espírita; veio de uma das escolas ocultistas; e porque poderia ter vindo de qualquer uma delas, ou do Espiritismo, que ensinam muito mais, devemos lembrar que veio muito mais responsável.

Assim teve desenvolvimento a temática do irmão que, por ironia da sorte, tinha entre os nomes também o Pureza de Jesus. Diremos que o senhor J. A. Pureza de Jesus tinha tudo, também sabendo da pureza de Jesus, de quem era grande e respeitável admirador, do que muito falava, porque era farto de leituras espiritualistas.


CAPÍTULO 14 

O REINO DE DEUS NÃO É TEORIA

 

“O Reino de Deus não é teoria nem malabarismos religiosistas, sectários e idólatras.”

 

Nascido em terras européias, chegou ao Brasil e se empregou no comércio; aos vinte e três anos casou-se e aos trinta e um tornou-se o proprietário da casa comercial onde estivera servindo como bom empregado.

Comprava e vendia, penhorava, executava, tinha articulações com elementos os mais esquisitos do contrabando marítimo; e assim a fortuna foi aumentando, enquanto lia e relia muito bons livros espiritualistas.

Verdadeiramente, meteu-se a escrever um livro, e de fato escreveu-o, ficando a vida toda a retocá-lo, sem nunca mandá-lo ao prelo; e se tivesse feito, teria êxito, porque a matéria era excelente; como tanta gente tem feito, viver aos cambulhões, metida nas patifarias do mundo, mas escrevendo bem para os outros, ele também o teria feito. Porque a dificuldade não está no saber, mas sim no realizar.

Ninguém vive isolado, todos precisam de sociedade, porque nada no Universo se basta; tudo e todos, em qualquer grau da escala dos valores, precisam de ter o que circunde, para baixo e para cima, para os lados, e que contribua com os seus valores intrínsecos.

Ao que ficaria reduzido o mais importante dos homens, se lhe tirasse Deus os três elementos mais simples: o solo debaixo dos pés, o sol que lhe dá calor e as energias e o ar que respira? E se disso não é ele, o homem, o fabricante, em que é ele realmente grande?

Ora, longa seria a série das misérias humanas, se fôssemos focalizar o homem à margem dos desígnios de Deus, que a tudo fez e a tudo sustenta e determina, colocando o homem no seio de Sua Obra. Todavia, a própria pequenez humana faz com que ele, o homem, não enxergue o tamanho de suas limitações.

E por ser assim, pensa ele na imensidão do Cosmo, mas dá-se bem vivendo com o seu mísero egoísmo, entre as imundícies do ambiente. Deus e a Verdade, a Moral e o Amor, merecem muitas atenções teóricas, mas o bolso, o estômago, o sexo, o orgulho e o egoísmo, estão rentes à vida, reclamam atenções imediatas. Portanto, é muito mais fácil bancar o tolerante, o paciente, do que fazer como Jesus fez, que foi precisamente o contrário!

O nosso irmão Pureza de Jesus, grande ledor de grandes livros, foi um espécime comum da fauna à qual pertencemos; ele sabia, mais do que muitos outros, que o Reino do Céu está  dentro de cada um de nós; porém, como tantos de nós, sentia muito mais a presença dos interesses subalternos, razão por que sufocava os brados do Reino do Céu.

E foi assim que, no seu qüinquagésimo sétimo aniversário, estava acamado, sentindo fortes pontadas no peito. Se ninguém morre de saúde, mas de desastre ou de doença, o irmão Pureza de Jesus deixou o mundo carnal embalado pela angina do peito, sem completar os sessenta anos.

Há um estado ótimo para tudo e para todos, que entretanto varia ao infinito, considerando a infinita variedade dos homens e dos elementos; e foi assim que, em seguida à grande perda, a muito chorada perda, aos poucos a situação voltou ao estado ótimo. Viúva e filhos, muito bem postados na vida, foram desenvolvendo os seus respectivos dramas.

Ano e meio após o desencarne do irmão Pureza de Jesus, o estado de saúde de sua filha Maria começou a passar por algum desequilíbrio. Teve início, então, a ronda pelos consultórios médicos. De dentro de suas respectivas honorabilidades e especialidades, os médicos foram trabalhando, tratando da jovem Maria. Mas os sintomas foram tomando outros rumos, razão por que um dos médicos achou conveniente mandar a enferma ao doutor Bezerra de Menezes.

O médico espírita, como de costume, sujeitou o caso aos seus amigos do mundo espiritual; e foi então que começamos o trabalho de retirada e de orientação do irmão Pureza de Jesus, que por falta de pureza, por falta de sentimentos cristãos postos em prática, ingressara no mundo espiritual em condições de plena cegueira, perambulando pelo recinto familiar, onde o prendiam as mentes queridas, vindo por fim a encostar definitivamente na jovem filha, cujas faculdades passivas lhe deram oportunidades.

Bezerra deu à jovem, a medicação precisa para a sua recuperação física, pois o fenômeno de vampirismo estava caracterizado; e os mentores espirituais trataram de conduzir o irmão Pureza de Jesus para o local de reconhecimento do estado e aprendizado necessários.

Antes de mais nada, fizeram-no passar pelo sono reparador; depois de acordado, fizeram-no falar:

— Então, irmão Pureza de Jesus, como vão as coisas? – perguntou-lhe o bondoso médico do mundo espiritual, sem dizer-lhe de outras realidades.

Pureza de Jesus olhou pelos arredores do vasto pavimento, perguntando:

— Sem dúvida estou hospitalizado... Eu sabia que isso iria se alongar por muito tempo... Mas creio que perdi a consciência, que dormi muito...

O médico falou-lhe, entressorrindo e ponderando:

— E se desencarnasse?

Pureza de Jesus fitou-o longamente, perguntando:

— Isso não é para quem encarnou, doutor?

— Sim, mas em que paragens do mundo espiritual estaria, a estas horas?

Pureza de Jesus encolheu os ombros, dizendo:

— Bem, eu sou espiritualista... Tenho até um livro a ser editado... Mas a Deus é que cumpre determinar tudo, não é?

O médico emendou:

— A parte de Deus é Eterna, Perfeita e Imutável; isto é, Deus rege tudo através de leis. Portanto, cada filho recebe segundo como dá. Quem dá mais para a Verdade e a Virtude, tanto melhor; e quem dá menos, tanto menos terá. De uma realidade, porém, devemos nos capacitar: em Deus não prevalecem particularismos.

Satisfeito, o irmão Pureza de Jesus perguntou-lhe:

— Também é espiritualista?

— Eu sou espírita, mas não em função de tendências, paixões ou sectarismo algum a ser alimentado; sou da Verdade que vale por si mesma, sem ser pelo crivo dos conceitos humanos.

Pureza de Jesus, cada vez mais satisfeito, renovou a pergunta:

— Leu muitos livros, doutor?

Assentindo com breve inclinação de cabeça, disse o doutor:

— Sem dúvida! Como não reconhecer o imenso trabalho dos livros? Não é nos livros que a humanidade armazena o extrato das conquistas custosamente conseguidas? Porém, irmão Pureza de Jesus, uma coisa é sujeitar os livros à VERDADE e outra coisa pretender sujeitar a VERDADE aos livros.

— Compreendo perfeitamente! – aparteou o acamado irmão.

E o médico informou-o:

— Então saiba que desencarnou...

Pureza de Jesus estremeceu, olhou ao redor, arregalou os olhos, quis falar e não conseguiu.

— Por que não fecha os olhos e endereça ao Pai Divino uma oração de agradecimento? – aconselhou o médico, colocando a mão direita sobre a testa do irmão Pureza de Jesus.

Bem se viu que a intenção do acamado não era essa; ele queria alegar umas tantas coisas; mas o médico advertiu-o, com severa bondade:

— Peço que respeite, irmão, o desígnio de Deus... Nenhuma alegação poderia agora prevalecer...

Pureza de Jesus derramou lágrimas a valer; mas uma vez refeito, indagou:

— Quantas horas faz, doutor?...

O médico respondeu:

— Isso não importa... Mas faz alguns meses. E agora vai levantar-se, para dar uma voltinha pelos nossos jardins. Não é assim?

— Posso?! – perguntou, admirado.

— Deve! – respondeu o médico, auxiliando-o a pôr-se de pé.

A seguir nos entregou o irmão Pureza de Jesus, desejando-lhe felicidade e breve ingresso em campo de serviços

Já no jardim, observando a beleza, sentindo essa imensa felicidade que não é possível transmitir ao papel, perguntou ele:

— O Céu! Que Céu é este?

Tancredo falou-lhe:

— Uma das primeiras faixas depois das trevas... Deve compreender que os Sete Céus se subdividem em dezenas e dezenas de subcéus. Ora, como em torno do Planeta estão umas faixas umbrosas, depois delas começam as luminosas... Estamos numa das primeiras, apenas...

— Mas é maravilhoso!... – exclamou, observando as flores, as águas, as gentes que transitavam, etc.

Tancredo esclareceu:

— Que diria então, dos reinos superiores?

— Conhece-os? – perguntou, sequioso de resposta.

O instrutor volveu:

— Poucos acima disto conheço e de visita muito breve; mas sei de reinos que jamais deles poderia eu dizer coisa alguma, tal a glória que manifestam.

Pureza de Jesus olhou bem para todos nós, perguntando:

— São todos espíritas?

Tocou minha vez de falar:

— O Espiritismo é a restauração do Consolador, da Excelsa Doutrina que o Divino Mestre deixou no mundo, em seguida ao Pentecoste, ao Seu Batismo de Espírito. Tem por fundamento a Moral, o Amor, a Revelação, a Sabedoria e a Virtude. E eu pergunto ao irmão se está vendo em nós isso tudo em plena evidência, em total manifestação.

O irmão Pureza de Jesus calou-se, porque não quis dizer o que pensou; mas voltei ao assunto, com inteira consciência da realidade:

— Dia virá em que seremos todos espíritas! Jesus nos espera com os braços abertos e o Nosso Pai Divino sempre nos oferece os meios de progredir.

Pureza de Jesus ficou a meditar; seu olhar perdeu-se na vastidão florida de nossa região, tendo-o acordado dessa meditação o nosso Tancredo, ao dizer-lhe:

— Recupere-se, para que logo possa estar em trabalhos...

— Bem, bem!... – fez ele, volvendo a sentir-se feliz – Que trabalho poderei fazer eu?

Tancredo apontou para dentro ou para baixo, ou para o centro, avisando-o:

— O Espiritismo é a revolução nos termos da Lei de Deus! Assim como Jesus Cristo foi o exemplo da Lei em execução, assim terá que vir a ser a humanidade, mais tarde ou mais cedo. Apronte-se para o trabalho junto aos irmãos encarnados, porque Maria, sua filha, está com sua mediunidade em tempo de manifestação. Dois dos seus plexos estão manifestamente dilatados...

Outra vez Pureza de Jesus caiu em pranto, mas agora de alegria intensa. Nós todos o abraçamos e ele prometeu tornar-se um digno servidor de Jesus.

Mais tarde, quando dentro da casa em que Bezerra fazia sessões, e já tendo ordem de comunicar pela filha, Pureza de Jesus comentou, vendo algumas entidades que conhecera na vida carnal:

— Não fui apenas eu que andei falando muito e fazendo pouco... Vejo aqui dentro alguns conhecidos, gente que pensei ser melhor do que eu, mas que vejo em situação nada melhor do que a minha!

Tancredo lembrou-lhe:

— É bem difícil alijar de nós as paixões e tendências sectárias; porém é muito mais difícil alijar de nós as muitas mediocridades. Se é certo que não existe religião alguma que seja igual à Verdade e à Virtude, também é certo que em muitos outros pontos, nada fazemos para sermos humanamente melhores, apenas humanamente melhores. Portanto, vamos chegar perto, cada vez mais perto dos procedimentos de Jesus, Ele que tratou de viver a Lei, ela que é acima de religiões, porque é paralela à Verdade e à Virtude!

Pureza de Jesus exclamou, cismado:

— A Verdade e a Virtude!...

Tancredo retornou à Chave Mestra:

— Sim, como faremos para realizar em nós a Verdade e a Virtude, sem prezar na prática a Moral e o Amor?

Agora Pureza de Jesus perguntou, revelando dúvida:

— O Amor é fácil de entender, porque filtra-se pela Bondade, que o dinamiza; mas a Moral implica em contrastes. Não acha que é assim?...

— Muito bem! – aparteou Tancredo – Como acertaria as questões?

Pureza de Jesus comentou:

— Fiz questão de ler muito, para saber pelo menos um pouco; e tive pela frente, sempre, os pólos em contraposição. O Cristo, por exemplo, que mandou perdoar setenta vezes sete vezes; que Se ofereceu em sacrifício total; que pronunciou o Sermão da Montanha; que, enfim, foi o Amor vivido, Ele mesmo mandou não atirar dádivas aos cães e aos porcos, Ele mesmo mandou atirar contra os rebeldes até o pó das alparcas, Ele mesmo mandou pôr fogo na cabeça dos adversários através da oração feita em favor deles. Ele mesmo teve para com os clérigos, para com as autoridades temporais, para com os fariseus e saduceus as mais terríveis invectivas. Como poderemos acertar, como disse, tudo isso?

Tancredo falou-lhe:

— O Amor não exclui a Justiça; e como Cristo é Verbo de Deus ou Delegado de Deus, junto aos irmãos menores em processo evolutivo, cumpre lembrar que Ele foi, a um tempo, o Amor e a voz da Justiça. De Jesus Cristo haviam dito os Profetas:

 

“Senta-te à minha direita, até que eu faça de teus inimigos o estrado de teus pés.”

 

Tudo isso, irmão Pureza de Jesus, para assinalar com que poderes delegados o Cristo age na direção planetária; e foi por assim saber que Jesus sentenciou, em face da humanidade:

 

“Aquele que se esbater contra esta rocha, rebentar-se-á; e aquele sobre quem ela cair, será esmigalhado.”

 

Lembre-se, pois, irmão, que o Cristo é a Síntese Geral, é  a um tempo a Moral e o Amor, a Verdade e a Virtude, as Lei e a Justiça. O capítulo vinte e dois do Apocalipse define-O com inteireza de Autoridade, porque como Intermediário do Pai, fá-Lo aparecer como distribuidor de Amor e Justiça.

— Conseqüentemente... – ia emendar o irmão Pureza de Jesus, quando Tancredo continuou, satisfeito:

— Conseqüentemente! Justamente isso, irmão Pureza de Jesus, o Cristo é o Amor e a Justiça de Deus, a um tempo aplicados, segundo o merecimento de cada um; e por isso mesmo, fala de Amor aos bondosos e fala de trevas e infernos aos rebeldes e malévolos. Não há contradição no Cristo, mas sim nos homens; e se você encontrar contradição nos escritos, lembre-se de que Jesus não escreveu, tendo ainda os escritos passado por mãos de quem tinha ignorância a encobrir e interesses subalternos a defender.

— Justamente... – foi outra vez apartear o irmão Pureza de Jesus, mas o nosso instrutor Tancredo continuou, veemente:

— Justamente, sim senhor! Resta ainda que lhe diga que o Evangelho é a Lei que Jesus viveu, sendo testemunho da Moral, do Amor, da Revelação, da Sabedoria e da Virtude. Portanto, irmão, faça cada um dessas cinco palavras o seu programa de vida, se quiser ascender ao Grau Crístico o quanto antes. Porque, se ficar apenas em conversas e mais conversas, terá que cair no ramerrão dos religiosismos, disso tudo que falando muito em Deus, na Verdade e no Cristo, vive remetendo legiões de criaturas aos abismos de pranto e ranger dos dentes.

Pureza de Jesus fitou-o bem, indagando:

— Então, assim é?

E Tancredo retornou, afirmando:

— Procure, nos planos de mais luz e de mais Glória, quem adore a Deus e a Jesus, o Seu representante, sem ser através de trabalhos amorosos. Porque a Onipresença de Deus e do Seu Cristo é evidente em tudo e em todos, e o que todos devem fazer é cooperar no grandioso trabalho do Amor. Repare, por exemplo, naquilo que se passa aqui dentro. Procure a inteligência do movimento.

E como dentro daquela casa espírita, daquela escola, encarnados e desencarnados tudo quanto faziam era ensinar a Verdade e a Virtude, Tancredo repetiu:

— Veja que trabalhão junto a irmãos ignorantes e rebeldes! Entretanto, tudo resume na afirmação de um Emanador, de uma Lei de Harmonia e da Suprema Força, que é o Amor!

— Exatamente! – exclamou o irmão Pureza de Jesus, entusiasmado.

Tancredo, entretanto, doutrinou mais uma vez:

— Cada centelha de Deus tem em si mesma, em potencial, a Verdade e a Virtude; cada uma deve a si mesma o trabalho de manifestação ou desabrochamento; e no Espaço e no Tempo, através dos mundos e das vidas, enfrentando condições e situações, terá mesmo que desabrochar, até atingir o Grau Crístico. Este Grau é o Libertador, porque significa vencer a Lei das reencarnações obrigatórias. E foi por isso, falando desse Grau, que Jesus afirmou que era o Caminho, a Verdade e a Vida! Isto é, a Síntese Geral perfeitamente revelada.

Pureza de Jesus sorriu, abanou a cabeça e lastimou:

— Então, irmão Tancredo, a coisa está mal figurada para muitos espíritas e espiritualistas... Porque ficam criando ranço e ferrugem em torno do pouco que sabem, ficam falando muito em termos apenas sectários, enquanto que a realidade, por aqui, demonstra uma Verdade que é absolutamente acima de paixões e de tendências religiosistas. Tenho notado que todos pedem a graça do trabalho, a sagrada oportunidade de servir, de fazer algum bem a algum irmão que precisa!

Tancredo abraçou-o, dizendo:

— Parabéns! Você chegou depressa onde eu queria; pois entendendo que Deus quer filhos cooperadores da Sua Divina Obra, tudo está fielmente encaminhado. Aquele que vê e sente o Emanador nos fundamentos da chamada Criação, em qualquer tempo e local procura servir a seus irmãos, trabalhando para que desabrochem a Verdade e a Virtude que trazem dentro de si mesmos. Eis o supremo trabalho, para que possam conquistar as supremas glórias!

Pureza de Jesus estava jubiloso, tendo dito:

— Agora sei por que o Cristo não ficou tecendo futricas com os fariseus e sacerdotes, escribas e saduceus; agora sei por que o expulsaram do templo e o perseguiram, até prendê-Lo e matá-Lo; é que o Cristo nada tinha com os formalismos religiosistas ou idólatras, tendo tudo com a grandiosa obra da Verdade e da Virtude, da Moral e do Amor, tudo isso em aplicações sociais imediatas, em trabalhos feitos a irmãos menores, simples e diretos, completamente à margem de quaisquer simulações!

Bezerra encerrava o trabalho, por essas alturas, tendo cada chefe de caravana chamado os seus para os devidos encaminhamentos; a Veneranda Irmã Maria, que do alto do cone de Luz guiava ou patronizava os trabalhos, derramou sobre todos a sublime candura do seu maternal Amor, deixando todos livres.


CAPÍTULO 15 

BEZERRA FORÇA O MUNDO ESPIRITUAL

 

“Nunca deixará, o esforço humano, de influir sobre os planos espirituais; porém, assim como pode forçar os superiores, também o faz para com os inferiores. Importa, pois, saber usar as leis de Deus, ou que Deus nos colocou ao alcance da vontade.”

“Se Jesus tinha os anjos subindo e descendo sobre Ele, é porque todos os filhos de Deus podem tê-los. Basta merecer.”

 

A nossa região teve que aumentar o número de organizações socorristas e de trabalhadores, com o avançamento do trabalho de Bezerra de Menezes. Onde quer que estivesse, o bondoso médico ia distribuindo benefícios e endereçando almas ao Regaço do Pai Divino, através da Divina Modelagem de Jesus Cristo.

Antes eram os caminhos, aqueles caminhos que saíam dos abismos, que mais davam trabalho aos nossos hospitais; mas depois começaram a ser os trabalhos de Bezerra, porque o seu trabalho estava articulado com ordens muito superiores, em virtude daquilo que bem mais tarde deveria dar-se, como de fato se está dando, e com imensos crescimentos de minuto a minuto.

As escolas ou centros de doutrinação, segundo o Cristianismo do Cristo e não segundo as balelas romanas, também tiveram aumentadas as suas funções, porque o Consolador generalizado pelo Divino Mestre e corrompido pela Roma pagã, havendo sido reposto no lugar, teve necessidade de aumentar seus quadros de serviços e de servidores.

Os centros espíritas foram aumentando, e aumentando foram os nossos trabalhos de variada ordem. Quando digo de variada ordem, não pretendo que os encarnados tenham noção exata daquilo que estou falando; porque os nossos trabalhos de recolhimento e de tratamento, de orientação e de preparação de novas reencarnações, excedem de muito aos seus poderes de entendimento. Podem saber que fazemos de tudo isso, mas não podem conceber as extensões de nossos trabalhos, quando penetramos os matizes de nossas atividades.

Uma das medidas é o entrosamento de serviços, entre as regiões inferiores e as regiões imediatamente superiores. E como tudo isso ocorre por meio de organizações e de atividades individuais, de centros de serviço e de interferências pessoais, tendo no centro de tudo a Lei de Equilíbrio, devem compreender o quanto este vastíssimo mecanismo atinge de amplidão, dando serviço a legiões de servidores. E por isso mesmo, quantas especialidades se fazem mister, por meio de criaturas dotadas dos mais variantes graus de sabedoria e de tendências.

Se todos pudessem, durante a romagem carnal, compreender a importância das amizades, das simpatias, como conseqüentes de efeitos a serem produzidos nestes reinos mais tarde, ou no após desenlace, todos procurariam compreender o motivo de Jesus ter calcado toda a futura felicidade nos atos de fraternidade, nas felizes ações praticadas entre irmãos, durante a vida carnal.

Se é certo que ninguém deveria praticar o Bem com olhos fitos nas recompensas futuras, porque isso implica em certa forma de egoísmo, também é certo que uma nobre ação, uma simples palavra bonita aplicada na hora certa, tudo quanto seja realmente edificante ficará registrado no indivíduo, para efeito de contagem no após desencarne. E assim, é claro, tudo quanto for contrário ao Bem!

Muitos ainda pensam que Deus manda seus anjos registrarem nos livros do Céu, ato por ato dos Seus filhos encarnados; e se é real que todos temos uma folha corrida nos reinos administrativos, o mais justo, o mais respeitável, o mais necessário de reconhecimento é saber que tudo fica em nós mesmos registrado. E disso os exames psicométricos dão cabal evidência!

O caso seguinte é um dos muitos em que alguém, de plano ou reino superior ao nosso, interveio em favor de outro alguém que se achava em perturbação depois do desencarne. Não é um caso como o do irmão Pureza de Jesus, que foi por apelo feito por um encarnado; este derivou de uma ordem superior, vinda pelos canais administrativos.

Qual o histórico?

Todos os históricos se parecem, pouco ou muito, não é  verdade? E por isso este caso teve por centro de gravidade duas irmãs, duas filhas de Deus, cada uma estribada nas suas convicções e tendências em geral. Como ninguém vive isolado totalmente, porque todos estamos mergulhados na caudal humana, também Angélica e Clarinda se encontram no curso da vida, criando uma situação, construindo uma conseqüência para o futuro.

Quem fora Angélica?

Angélica fora freira, superior de uma escola de meninas; porém, tão fanaticamente católica ou clerical, que os deveres cristãos mais elementares ficaram para longe de suas cogitações, muito para longe. Se muitos clérigos atingem os planos ou reinos de Luz e de Glória, embora muito relativos, pelo fato de praticarem o Bem, independente de serem clérigos, outros há que descem aos abismos da subcrosta pelo fato de se tornarem simplesmente clérigos, produzindo muitos males e nenhum Bem.

Porque a Deus importa o Bem a fazer e realmente feito, o Amor posto em prática, sem importar a cor sectária do indivíduo, a roupa que vestia ou se gostava de macarrão ou de farinha de milho... Lembre-se de que as parábolas do Cristo estão cheias de muita moralidade, pelo fato de colocarem o Bem acima de qualquer cogitação religiosista. Para o cristão, a Bondade é a única maneira de desabrochar o Cristo Interno, porque é a Bondade quem dinamiza o Amor!

Angélica fez absoluta questão de ser clériga, achando que somente assim poderia servir a Deus; e quando pilhava alguém em menos condição de respeito ao seu clericalismo fanático, punia, impunha castigo rigoroso, odiava de corpo e alma, fazendo reaparecer a grande servidora inquisitorial que fora vidas atrás. Tinha que descer para lugares terríveis, porque a lei do peso específico é por Deus e não pelos homens!

Quem fora Clarinda?

Esta pobre mãe, quase analfabeta, começou a questão no fato de Angélica ter-lhe castigado severamente uma filha, além de, após, expulsá-la. Entre ambas surgiu diferença de ânimo, porém Clarinda não tinha em si a mania dos ódios sectários, a pretensão absurda de achar que religiosismos estes ou aqueles representassem bem ou mal a algum filho de Deus. Para ela, a questão estava cingida ao cumprimento dos deveres e ao fazer todo o Bem possível.

Quando alguém fundou em sua cidade natal um abrigo, procurando servir a todo e qualquer filho de Deus, ela se ofereceu para lavar roupas, cobrando bem menos do que a importância devida, com o fito de fazer alguma coisa pelos órfãos. Em muitas ocasiões, organizava listas e pedia esmolas, também para auxiliar os mesmos órfãos. E assim foi atravessando a sua jornada terrena, sem saber ler bem o Evangelho da forma, porém sabendo escrever muito bem o seu caderno de merecimentos.

A freira desencarnou muito antes; foi o seu falecimento cantado e lastimado, tendo um enterro concorridíssimo; mas, como a Lei de Equilíbrio funcionou integralmente à margem dos conceitos e dos preconceitos humanos, ela desceu a lugar bem desagradável.

Clarinda desencarnou bastantes anos depois, e, como já vinha de uma longa e bela escalada sentimental, sua morte fora a de uma pobre mãe envelhecida, porém chorada por muitíssimos corações agradecidos. A casa era pobríssima, porém os irmãos de reinos superiores ali estavam, para recebê-la carinhosamente.

E mais tarde, uns trinta e tantos anos depois de sua passagem, Clarinda fora designada a receber Angélica, assim que fosse retirada do terrível lugar em que estivera, penando em parte por seus feitos muito religiosos!... Em parte, sem dúvida, porque bem depressa reencarnou, ela que não podia ouvir falar nessa lei do Emanador, sem sentir os bofes a lhe saírem pela boca; e reencarnou, estando ainda na carne com uma tremenda corcunda nas costas, além de viver de esmolas, que em nome de Deus as pede.

Como se deu a chegada de Angélica?

Deu-se, como tantos outros, subindo a rampa trevosa, para atingir, rastejante, uma casa de socorro. Ali foi recolhida, vestida e alimentada com sucos, para depois ser enviada a um dos nossos hospitais, onde ficou em tratamentos por algum tempo, visto como seu corpo astral era muito denso, muito pesado, não podendo ceder depressa aos impactos curativos.

Quando estava em condições de passear pelos nossos floridos bosques, que não são lá muito diferentes dos da crosta, mas já  refletem as graças de Deus de modo absorvente, calhou de dar-se o seu reencontro com Clarinda.

Sentada sobre uma pedra, ali colocada propositalmente para servir de pousada aos convalescentes, viu ela aparecer, subindo a ladeira florida, uma figura feminina de tal modo brilhante que se atirou por terra, a nossa macia e cheirosa terra, clamando pela Virgem Maria!

Clarinda chegou-se, levantou-lhe a fronte e falou-lhe:

— Irmã Angélica, eu estou muito longe da sublimidade da Virgem Mãe!

Angélica fez muito esforço para fitá-la, porque Clarinda se manteve brilhando intensamente, de acordo com a ordem recebida. Ela poderia recolher ou controlar o seu brilho, mas a ordem fora cumprida, porque o seu brilho teria de significar um bom ensino doutrinário. E quando Angélica viu quem era, depois de Clarinda ir diminuindo lentamente o seu brilho, sem perder a majestosidade dos espíritos que são simplesmente bons e humildes, cobriu o rosto com as mãos, caindo em pranto, gemendo palavras de arrependimento.

Clarinda sentou-se no chão, afagou-lhe a cabeça, beijou-a com maternal ternura, fê-la sentir-se à vontade.

Quando tudo estava em paz e alegria, Clarinda falou-lhe:

— Minha irmã Angélica, vim por ordem superior; vim dizer que o Nosso Pai é, em todos os sentidos, Eterno, Perfeito e Imutável; que é Onisciente, Onipotente e Onipresente; que não estima filho algum por causa de religiosismos ou sectarismos; que deseja a todos de uma só maneira, porque sujeita, através de leis fundamentais, à Verdade e à Virtude.

Angélica bramiu, pesarosa:

— Tenho sofrido muito!... Muito!... Peço que me ajude!...

Clarinda explicou-lhe:

— Nada podemos fazer fora da Lei, irmã Angélica. E não se respeita a Lei apenas clamando “Senhor! Senhor!” Você irá ler uns livros que temos, para, através deles, aprender o seguinte: – fora da Moral e do Amor ninguém realiza em si o Reino de Deus, a Luz e a Glória. Se fosse o Reino de Deus uma questão de religiosidade, Jesus, que foi expulso do templo, perseguido e assassinado pelos donos de religião, teria ido parar nas trevas, não é assim?

Angélica pensou como pôde, perguntando:

— Mas os assassinos de Jesus foram os padres israelitas, não foram?!

Clarinda, abanando a cabeça formosa e ainda bastante luminosa, respondeu:

— Sempre acham um motivo, num Profeta, para perseguirem e matarem a outros e outros Profetas; a Lei de Deus opina por alguma religião? Por que, então, dar ouvidos às religiões, aos sectarismos, esquecendo de viver a Lei, que foi o que Jesus fez, porque a Lei é Moral, Amor, Revelação, Sabedoria e Virtude?

Aquele colóquio era um encanto, porque as duas falavam como se fossem duas almas gêmeas; é que Clarinda envolvia Angélica no seu manto de luz azulina tão pura, que esta sentia-se à vontade, vivendo numa atmosfera de Amor, tal e qual jamais poderia ter sonhado na vida.

Em dado momento, Angélica murmurou:

— Você tem estudado muito?

— Não, Angélica, eu leio pouco e trabalho muito... Sou uma espécie de Diretora Geral das escolas de crianças de algumas regiões, tendo que estar em perene contato com centenas de mestres e milhares de milhares de alunos. Porém, se me pode compreender, meu trabalho é mais vibratório do que intelectual ou físico, embora considerando a nossa condição física. Quem lida com crianças, deve procurar compreender, deve pôr em tudo mais coração do que mesmo intelecto.

— Locomove-se como quer, não é assim, irmã Clarinda? Basta pensar para estar onde bem quiser. Eu ainda nada disso faço... Ainda ando rente ao solo...

Clarinda sorriu, o seu carinhoso sorriso, tentando explicar:

— Consigo um pouco mais... Tenho aprendido a amar mais do que a pensar; o Nosso Pai concedeu valer-me da lei da Divina Ubiqüidade; você não sabe o que é, mas eu digo que posso estar aqui, sabendo o que há muito além daquelas distantes montanhas, podendo mesmo influir sobre quem achar conveniente. Posso, também, enviar o meu duplo mental a muitos lugares, sem sair de um lugar. E se você não estranhar, digo que posso, através dessa lei ou desse recurso, apresentar-me em muitos lugares ao mesmo tempo, esparzindo radiações ou benefícios vibratórios.

— É maravilhoso! – exclamou Angélica, passando a mão no vestuário de Clarinda, que parecia feito de luzes azulinas transformadas em sedas, mesmo tendo ela reduzido de muito a sua grandeza espiritual.

Clarinda levantou-se, depois de avisar que precisava retirar-se, prometendo à Angélica que a visitaria em breve, quando fosse hora de retornar à carne; e foi como aconteceu, tempos depois. Angélica não poderia saber, mas nós sabemos que a grande servidora do Amor a beneficia, transmitindo-lhe pensamentos de prudência e de resignação, de tolerância e de perdão, pois ela tem no programa ser atingida pela chacota de muitos irmãos menos compenetrados da Grande Lei de Harmonia.

Devo dizer que também nos beneficiamos com essas visitas superiores, pois os agentes superiores são reais manifestações do Senhor. Todos estamos nos endereçando aos planos de mais Luz e de mais Glória; todos temos que nos unir ao Divino Modelo, seguindo a trilha evolutiva; mas, enquanto isso, no caminho, vamos bebendo a água cristalina das fontes mais límpidas. Quem mais tem mais dá, sendo normal que os que têm menos, calhando a oportunidade, peçam e recebam um pouco. E como temos irmãos para baixo e para cima, assim como pedimos aos de mais alto, assim distribuímos aos de mais baixo.


CAPÍTULO 16 

ESTÃO DE PÉ OS GRANDES INICIADOS

 

“Cristo é Grau, não é nome, portanto é IMPESSOAL. Jesus representou o Grau Crístico diante do mundo, para revelar o MODELO, o Grau que todos devem atingir.

Os Grandes Iniciados foram enviados do Verbo Planetário, e nunca ficará bonito, a alguém, menosprezar o trabalho dos missionários da VERDADE e da VIRTUDE.

Também, com diferentes nomes e em diferentes épocas, voltaram à carne e forçaram a evolução da humanidade. O Espiritismo lhes deve o trabalho, quase todo, embora os fanáticos sectaristas assim não possam admitir.”

 

Uma questão que devia ser bastante apreciada pelos encarnados, pelo fato de todos terem vivido nos mais diferentes continentes e países, é a das Antigas Revelações; porque além de haver uma unidade prevalecendo na Revelação Total, que é o Cristo, cuja Doutrina é o Caminho da Verdade ou da Libertação, essa unidade é formada de todas as Antigas Revelações, acrescida daquilo que elas não tinham, que é o caráter generalizado.

Os reinos espirituais sempre existiram, mas o conhecimento deles nunca foi revelado, como nestes últimos tempos, com a restauração da Doutrina do Caminho; entretanto, se nunca tivesse havido Antigas Revelações, primeiros informes, como teríamos tido as Modernas Revelações, as informações complementares?

As raças e os povos sempre se estenderam pelos continentes, muitos deles já desaparecidos e esquecidos, porém as conquistas evolutivas ficaram nos espíritos, que era onde deviam ficar, para florescerem em futuras civilizações, em outros continentes, e marcando importância em outras raças.

E se hoje a humanidade se encontra neste estado evolutivo, sofrendo tamanhas convulsões pelo fato de Roma ter adulterado a Doutrina do Caminho; se o materialismo cresceu, afogou o espiritualismo, principalmente no continente europeu, a realidade que é premente, no caso, ressalta de bem poucos espíritos terem subido, desde muitos séculos, às regiões superiores. Tudo foi truncado, tudo brutalizado, tudo sensualizado. Além de a Excelsa Doutrina não ter invadido o mundo, como foi anunciado pelo Senhor no primeiro capítulo do Livro dos Atos, ainda mesmo no Ocidente a sua produção caiu, fez pouco e muito errado.

Também devemos considerar que nos ciclos antigos, após alguma Revelação Maior trazida por algum emissário do Cristo Planetário, as coisas tomavam rumo menos interessante, enveredavam para mercantilismos, fanatismos sectários, politiquismos truculentos, monopólios imensamente criminosos. Roma não inaugurou coisa alguma ao adulterar a Doutrina do Caminho; ela repetiu, a seu tempo, antigos crimes perpetrados contra a essência doutrinária. E se o fez piormente, foi porque truncou a generalização doutrinária, trazida pelo próprio Cristo Planetário.

Foi um convite por nós recebido, para subir a reino um pouco superior, que motivou alguns comentários entre a gente do nosso reino, por dias e dias após; é que as coisas passadas na crosta imediatamente repercutem aqui, influem para melhor ou para pior, conforme aí aconteçam.

Deviam falar vários mestres, como de fato falaram; e tudo girou em torno das Revelações Fundamentais, atingindo o Cristo, com o Seu Batismo de Revelação, passando depois para a corrupção romana, tornando a surgir fulgurante com o advento da restauração, com o nome de Espiritismo.

Porém não começou com Kardec, o Codificador, mas sim lá bem atrás, na Europa do século quatorze, com a ordem do Cristo Planetário, de serem iniciados os trabalhos restauradores, de onde surgiram no plano carnal aqueles vultos que se chamaram Wicliff, Huss, Joana D’Arc, Savonarola, Lutero, Giordano Bruno, etc. E dos frutos daí derivados, em liberdade e traduções de livros, houve a possibilidade de vir Kardec, acompanhado de muitos companheiros, trazendo de novo o Pentecoste, a grande eclosão mediúnica dos meados do século dezenove. Era apenas o retorno do Batismo de Revelação ou Espírito, tal como se acha exposto no segundo capítulo dos Atos, que fora a Graça trazida para toda a carne por Jesus Cristo.

Tudo ouvimos, debaixo de um silêncio profundo, naquele dia que correspondia, na crosta, ao lançamento de O LIVRO DOS ESPÍRITOS; porque os encarnados festejavam o retorno da Excelsa Doutrina do Caminho, e o plano espiritual festejava a data comemorativa da renovação intelecto-moral da humanidade, pelo conhecimento das verdades básicas.

Como nossos reinos são belos, límpidos, perfumosos, floridos e musicais, por muitos motivos as grandes festividades são comemoradas em lugares amplos, campinas ou vales, de modo que possam abrigar multidões de seres. Sobre como acomodar as multidões, disso não tratamos, porque aqui nada molha e nada suja, desde que a matéria é dominada, não domina. E para mais alto tanto mais belo, tanto mais dominável pela força do pensamento ou das disposições ambientais.

As disposições ambientais são aquelas que pertencem ao todo, ao reino, sendo as individuais aquelas que ficam subordinadas ao gosto de cada um, no seio da ordem geral. Isto, que saibamos, prevalece em todos os reinos; porque o todo pertence a todos, mas os matizes são de ordem pessoal.

Assim é que foi erigido um palanque, de onde deveriam falar os mestres vindos de reinos superiores. Como foi construído? Como poderia ser construído? É natural que se pergunte, pois os elementos materiais variam muito, de acordo com os reinos ou suas respectivas hierarquias. Pode-se falar em pedreiros e carpinteiros que trabalhem os materiais densos, como na crosta, como pode-se falar em técnicos que movimentam os elementos astrais, materializando casas, templos, escolas, hospitais, etc.

Mas, fica saliente, tudo segundo os merecimentos, nada fora dos direitos adquiridos pelas obras. O todo pertence a um nível geral, ao padrão, enquanto as partes, os gostos individuais, dependem dos méritos também individuais. No seio do plano geral é que cada um poderá ter o que deseje, se merecer.

O palanque foi construído pelos técnicos mentais, mestres da arte e competentes em força mental, e fora construído sobre uma elevação. A multidão ficou sentada na relva macia e cheirosa, disposta em porções, repartida no painel florido e perfumado, perfeitamente à vontade.

Não foram as sentenças do livro que motivaram as falas, mas sim o motivo histórico, o fato cíclico, a razão moral que determinou a reposição das coisas no lugar, conforme as palavras do Cristo, no tempo certo e por quem deveria fazê-lo com a devida autoridade. O Espiritismo é o Evangelho, o Divino Exemplo de Jesus, em plena continuação. Repetimos que é a EXEMPLIFICAÇÃO da Lei de Deus vivida, e não a escravização aos textos, à letra, que foi escrita por quem entendeu como pôde e depois sofreu corrupções, por conta de quem quis corromper.

Portanto, como realidade histórico-profética, Kardec remontou a Jesus, Jesus sucedeu a Moisés, Moisés sucedeu aos Patriarcas, estes remontaram em linhas gerais a Henoch, tendo este, por sua vez, remontado ao longuíssimo período Búdico-Védico, somando tudo um tempo que vai além de duzentos e quarenta mil anos. E se fôssemos falar dos vultos intermediários, quantos teríamos que lembrar? Todavia, sem colocar no meio deles o Cristo Inconfundível, repetimos que os Grandes Reveladores não foram dez, sendo os demais, figuras altamente colocadas na hierarquia planetária, porém de menos categoria.

É um absurdo considerar o Espiritismo uma Revelação Distinta, à margem de todos os demais ciclos evolutivos ou das Antigas Revelações; porque a humanidade é a mesma, que vem subindo na escala, embora considerando os fatores migratórios, e os trabalhadores da Seara do Senhor, eles mesmos têm vindo, de tempos a tempos, em falanges ou grupos, trabalhar pela movimentação dos valores doutrinários. Um maior que encarne, para cumprir função mais elevada, certamente força o acompanhamento de legiões, que fazem o movimento se estender pela humanidade.

Foi isso o que falaram mestres de reinos superiores, recomendando não tomar o Espiritismo como uma nova seita ou religião, por ser ele a reposição no lugar da Excelsa Doutrina do Senhor, que é a Verdade, a simples Verdade Fundamental em exposição. Se houver quem erre, quem menos entenda, quem corrompa, quem faça dele comércio ou instrumento de suas sanhas egoístas ou vaidosas, assim como fizeram com o Caminho do Senhor, de quem é a restauração, isso é com quem assim agir e não cabe culpa à Doutrina em si.

Nenhum Grande Revelador, e menos ainda o Cristo Inconfundível, jamais pretenderam fabricar verdades básicas; eles foram reveladores e nada mais, tendo Jesus Cristo sido, como Divino Exemplo, uma representação da Síntese Geral. Vede bem que viveu a Lei, batizou em Revelação e deu exemplo definitivo da Ressurreição Final do espírito.

Essa foi a festa comemorativa do livro básico que, embora tendo muito em que ser estendido ou completado, contém as matrizes doutrinárias. Jesus disse tudo quanto sabia? Kardec completou a sua obra? Há  na Terra alguma coisa perfeita?

Ao findar sua palestra, o último orador lembrou perante o Cristo Planetário a todos os Grandes Reveladores da antigüidade, agradecendo a todos e endereçando ao Verbo de Deus uma comovente saudação. Num ímpeto, a multidão levantou-se, ficou estática, com os olhos pregados no orador. Ele olhava para o Alto, mas para o Alto no sentido Celestial e não geográfico, tendo se transfigurado diante de todos, revelando-se um pequeno sol multicor.

A sua glória foi aumentando, todos entraram a orar com muito fervor, pelo que começou a subir do meio da multidão uma tênue fumacinha, que foi variando em colorações, até que tudo ficou iluminado de modo estranho, muito diferente do que o comum; e foi então que das alturas, do imenso azul puríssimo, foi surgindo uma multidão gloriosa, luminosa e cantante. Tudo aquilo descia, parece que o Céu vinha ao nosso encontro, todo transformado em luzes e espíritos gloriosos, sons divinais e maravilhas incontáveis.

Ao chegar a uns quinhentos metros, de vossa medida, aquele Céu rumou para o lado das montanhas, que ficava atrás do palanque, tendo-se ali postado. Fez um silêncio profundo, como se os mundos todos dormissem, por um minuto, pelo menos, do vosso tempo. E começou, a seguir, o mais lindo cântico que até então tinha eu ouvido, um hino endereçado a Jesus, o Verbo Divino.

Do Céu dos Céus, direi assim, envolto em multidões gloriosas, porém banhadas de infinita simplicidade, vinha o Cordeiro de Deus, o Modelo da Ressurreição Final do espírito, também feito como a imagem da Divina Simplicidade. Não sei como dizer isto, mas sei que Ele estava muito mais simples do que as Suas legiões, e tanto assim era, que chegou perto de todos nós, imenso na Sua Glória, porém meigo, igual, acessível, participante de tudo em nós, como se estivesse dentro de nós, sentindo o que nós sentimos, vivendo o que nós vivemos.

Depois de volitar ao redor da multidão, sempre rodeado de multidões gloriosas, foi também ficar atrás do palanque, indo todos os Seus maravilhosos acompanhantes para trás d’Ele, formando um arco-íris inenarrável. E como podemos ver longe ou perto, até certo ponto, sem sair do local, com a Sua Glória essa faculdade aumentou, porque a gente se sentia estar no Seu colo, nos Seus braços, no Seu carinhoso amplexo.

Pensei tudo, menos que Ele fosse falar; mas falou, umas palavras musicais, e tão simples, tão natural, que me pareceu ter sempre ouvido aquela voz, aquelas palavras, aqueles conselhos, aquele convite ao Supremo Amor. Se quiserem saber o que disse, digo apenas que repetiu aquelas palavras do Livro dos Atos. Porque afirmou que esteve, está e estará sempre com todos os filhos do Pai Divino, desde que os filhos do Pai Divino queiram ficar com a Lei. Depois disse algumas palavras, sempre divinamente simples, sobre a festividade, dizendo de Sua felicidade pelo fato de retornar ao meio de Seus comandados o Batismo de Revelação. E com um firme tom de voz numa entonação diferente, como que se uma lei falasse ou decretasse, lembrou que no Seu Batismo de Espírito estava a Sua nova vinda, o Seu perene regresso para junto da humanidade. Ouvi-O dizer perfeitamente que muitos encarnados O veriam em espírito, por intermédio de suas faculdades, fazendo isso lembrar as antigas promessas, fazendo reconhecer que o Pai prometera e que Ele, o Seu Verbo, cumprira em verdade a tudo quanto fora prometido.

Seria estultice de minha parte, sequer pretender passar ao papel tudo quanto de glorioso foi visto e ouvido, naquela manifestação do Nosso Senhor Jesus, o Cristo Planetário. Isto que digo, portanto, é  apenas o muito mínimo.

As Suas legiões gloriosas entoaram outro hino, de Graças ao Eterno, e nós vimos que Ele, inclinando a lucilante cabeça, entrou a orar ou aquilo que eu creio tenha feito. Todos fechamos os olhos do espírito, num outro ímpeto, entrando em fervorosa oração de Graças ao Eterno. Quando abrimos os olhos, o Céu estava se recolhendo, toda aquela multidão estava subindo, estando Ele no meio, agora convertido numa Fonte de Luzes, num Divino Chuveiro de Luzes.

Tentei descrever o que vi e senti, compreendi e vivi, naqueles instantes em que participei da Sua Glória, estando certa que Ele, o Nosso Divino Mestre, participou de minha humílima vida. Acima de tudo, sei que Ele sempre nos transmite a Sua Mensagem Mental, conclamando à Moral e ao Amor, à Verdade e à Virtude. Se quisermos ouvir a Sua Mensagem, podemos fazê-lo, porque Ele fala a todos e de maneira muito simples, através de tudo quanto a Verdade encerra, através de tudo quanto o Amor contém, à margem, porém, de qualquer sentido sectário.


CAPÍTULO 17 

O AMPARO CELESTIAL

 

“Estendendo a tua mão a sarar as enfermidades, e a que se façam maravilhas e prodígios em nome do teu Santo Filho Jesus” – Atos, cap. 4.

“Que se leiam os capítulos um, dois, quatro, sete, dez e dezenove, dos Atos, para saber que Jesus nunca prometeu o Consolador para dezenove séculos mais tarde – Ele o deixou pronto a funcionar, do Pentecoste em diante.”

“Que se leiam os capítulos doze, treze e quatorze, da Primeira Epístola aos Coríntios, para saber como os primeiros cristãos cultivavam o Consolador generalizado pelo Cristo – porque o Consolador é de sempre, mas até ali era esotérico, ou de portas fechadas.”

 

Dias depois daquela inolvidável festividade, fomos atraídos pelas orações de uma irmã encarnada, a quem Bezerra de Menezes receitara remédios e fizera recomendações sobre orações a serem feitas.

Doente ela era, e doença que surgia do seu corpo astral, por força de culpas antanho adquiridas; mas o pior nela era uma tremenda atuação de um irmão enegrecido, a ela tão ligado que chegava já a estar penetrado em seu corpo astral.

Ela vibrou intensamente, por estar diante de duas filhinhas, pensando que se as coisas não melhorassem, talvez não pudesse chegar a vê-las crescidas. Sua oração atingira o posto devido, em nosso reino, tendo havido ordem de pronto socorro.

Chegando o grupo ao local, o seu dormitório, vimos a mãe lidando com as suas filhinhas, estando bastante arcada, aflita e lagrimosa. Todavia, paupérrima que era, cuidava de tudo, embora em estado cambaleante. E nós, embora sabendo que a Lei de Equilíbrio não erra, embora reconhecendo que em tudo aquilo devia estar e estava a Justiça Divina, tomamos parte em suas lágrimas.

Tancredo colocou a sua mão direita sobre a cabeça da jovem e enferma irmã, rogando poderes ao Senhor, para conseguir afastar o embrutecido irmão que a feria tão profundamente. E como todos nos lembrávamos da Presença do Cristo, por causa daquela maravilhosa festividade, fizemos um pensamento conjunto, depois de combinar.

Aquela oração movimentou forças e elementos superiores, tendo chegado a nós, e muito rapidamente, irmãos do círculo de Bezerra de Menezes, que fora a reencarnação de Lucas, o Apóstolo médico ou terapeuta, da Ordem Essênia ou do Profetismo Hebreu.

Com a chegada de elementos assim superiores, ficamos ao dispor do que julgassem conveniente fazer, depois de estudar o caso. E aquele que deles era o chefe ou o mais autorizado, colocando a mão sobre a jovem e doente irmã, procurou ver nos seus registros íntimos, os motivos de tudo aquilo.

A seguir, falou-nos de um padre muito rigoroso em favor do Santo Ofício, que depois de penar dezenas de anos na subcrosta, foi recolhido e instruído, sendo logo mais preparado para a imediata reencarnação, estando ali, na condição daquela pobre irmã, mergulhada em muita penúria, além de sofrer o tremendo impacto daquele irmão enegrecido, mais parecendo uma grande larva negra, que a envolvia, de preferência tomando-lhe toda a região do estômago, pâncreas e baço.

Depois, fazendo o mesmo com as filhinhas, contou-nos de dois companheiros de maldades, fortemente vinculados a ela. E aproveitando a oportunidade, disse-nos da Justiça Divina, que confere oportunidades para que os filhos do Pai Único tenham com que ressarcir as faltas, para prosseguirem após na jornada libertadora.

Coincidiu de ela ter que tomar o seu remédio, juntamente com a água fluidificada, do que se valeu o chefe deles, para levantar a mão direita ao Alto, rogando por ela. Formou-se uma luz sobre a mão, luz que foi se condensando, até que se revelou uma bola azulina, que também foi diminuindo, comprimindo, até ficar como um comprimido de remédio, desses que as vossas farmácias vendem, com a diferença de manter uma azulina luminosidade.

Ele colocou o comprimido luminoso dentro do litro de água fluidificada, tendo este se derretido, transformando a água num farol de grande potência. E quando a irmã terminou a oração que fizera antes de tomar o remédio e foi colocar o mesmo dentro do copo que enchera de água, de tal forma sintonizou com o ambiente espiritual ali criado, que caiu num pranto feliz, convidando a mais velhinha das meninas à oração, dizendo que Deus estava mandando-lhes o Seu auxílio.

Absorveu o líquido com o remédio, e nós vimos que a luminosidade a tomara toda, pondo o enegrecido irmão em convulsões e gemidos. Foi então que o chefe do grupo convocou alguém, erguendo a mão direita em direção ao Alto, tendo muito logo chegado dois vigorosos pretos velhos, felizes e bondosos, aos quais o chefe disse que retirassem o tal enegrecido irmão.

Os dois servidores projetaram as mãos na direção do mesmo, enquanto endereçavam a ele vigorosos olhares; e a larva enorme, caindo no chão, ficou como morta, sem nenhum movimento. Estava hipnotizada.

Não sei de onde vieram dois outros pretos velhos, e duas belas moças pretas, irradiando bem e revelando muita felicidade. Os homens traziam varas feitas de madeira e as moças uns potes brancos, cheios de alguma coisa.

Sem falar, enfiaram as varas debaixo da larva adormecida e a levaram para o quintal da casa. E como o chefe nos convidou, fomos todos parar no quintal, onde os servidores colocaram o mostrengo. Ato contínuo, as moças jorraram o pó que estava dentro dos potes sobre a larva, retirando-se de perto. E ficaram olhando, esperando acontecer alguma coisa, sendo esta coisa uma chama verdeada, que foi aumentando, até atingir certa altura. O resultado foi o seguinte – uma vez queimado o corpo exterior, a larva, tudo se reduziu a um homem, um padre ainda jovem, que entretanto ainda gemia e esbravejava, perguntando onde estaria Deus, que não o ouvia.

O chefe a ele se endereçou, colocou-lhe a mão direita sobre a cabeça, fê-lo dormir e mandou que o levassem embora; e o lugar para onde o levaram foi o local de trabalhos espíritas do doutor Bezerra de Menezes. Disse o chefe que o padre seria doutrinado num dos seus trabalhos mediúnicos costumeiros.

Quando entramos de novo casa adentro, a jovem mãe cuidava de suas obrigações. E o chefe disse a Tancredo:

— Esta irmã precisa de um aviso nosso; deve saber que a sua cura depende mais do espírito; e você fará isso, assim que ela vá aos trabalhos do nosso companheiro encarnado, doutor Bezerra de Menezes.

Tancredo prometeu, e dias depois cumpriu, falando a ela como devia falar, para ela proceder como devia proceder. Mais tarde, como sabemos, aquela irmã teve suas faculdades desenvolvidas, tornando-se ótima servidora; isto é, fazendo muito pelos outros, para bem-fazer a si mesma, ressarcindo faltas e acumulando bens para si mesma, com vistas ao porvir.

Antes de sairmos daquela casa, naquela primeira visita, tivemos uma prosa edificante com o chefe daquele grupo; ao findar a conversa proveitosa, apontando para a irmã enferma ainda e cheia de trabalhos, disse ele, com muita reverência:

— Agradeçamos ao Pai a oportunidade de servir... Porque embora pareça que tenhamos servido, a verdade é que fomos nós os beneficiados... Todos temos de transformar os nossos respectivos corpos astrais em Luz Divina, o chamado Segundo Estado de Deus, que nos garantirá a penetração na Divina Ubiqüidade. E sem trabalhar, sem servir, sem amar através de obras, como poderíamos conseguir isso?

Depois da oração de graças ao trabalho amoroso, partimos.

Já em nosso reino, fomos parar à beira de um leito, onde uma irmã gemia e dizia coisas sem nexo; ela estava chegando de uma das casas de recolhimento, vindo das trevas, depois de muitos anos de terríveis sofrimentos.

Um dos enfermeiros, antigo habitante das trevas, mas agora dedicado servidor, comentou, como de costume, com a sua pontinha de ironia:

— Se quiserem, logo mais, umas aulas de mandinga, falem com ela!...

Sucede, porém, que a conversa parou ali, porque um dos médicos vinha acompanhado de um auxiliar do diretor dos hospitais da região, e de mais cinco irmãos, bastante diferentes dos nossos conhecidos da região. Eles vestiam roupagens como hindus, tinham olhares duros e personalidade esquisita. Diria criaturas acentuadamente místicas, porém ainda pouco evoluídas ou algum tanto comprometidas.

O auxiliar olhou bem para a irmã, conversou depois com os cinco hindus, dizendo que ela havia sido boa conhecedora do revelacionismo, sendo dotada de faculdades interessantes, que entretanto foram usadas para comercialismos e vinganças, sem todavia ter deixado de fazer algumas boas obras.

O mais categorizado dos hindus aproximou-se dela, descobriu-a e fitou-a com acurada atenção. Estando ela desnuda, observamos que estava cheia de manchas redondas como patacas, de coloração marrom e de aspecto ulceroso.

O hindu cobriu-a de novo e, voltando-se para o auxiliar do diretor, disse com segurança:

— Essas manchas são ligações eletromagnéticas que a prendem a fatos criminosos, a locais e a elementos que se encontram nos tristes locais.

O auxiliar do diretor explicou:

— O médico que a tratou ficou embaraçado, porque as reações apareciam e de novo sumiam, como por encanto; isto é, a cura vinha com lentidão, para logo voltar atrás, de modo desesperador para ela.

O hindu falou-lhe, aconselhando:

— Estes casos, que nós cinco conhecemos bem, podem ser resolvidos até certo ponto; depois, por longos anos, séculos muitas vezes, o espírito fica obrigado a grandes empenhos, em serviços do mesmo ramo, porém na razão inversa, para conseguir uma reencarnação proveitosa. Como é sabido, desde os mais remotos tempos, a feitiçaria reina pelo mundo carnal, com tremendas ligações aos planos astrais inferiores. A luta é titânica, as legiões se digladiam terrivelmente e não pode deixar de ser tudo isso considerado, no círculo da vida planetária e no quadro da evolução das almas.

O auxiliar do diretor inquiriu:

— Que julga o irmão, devemos fazer com ela? Acha que deve ficar por aqui, até melhorar, ou pretende que vá para um departamento próprio?

A resposta foi prontamente dada:

— Eu gostaria de tratá-la aqui, se me permitirem o favor, porque isso traria vantagens experimentais a alguns dos presentes. A seguir, quando estiver melhor, levá-la-ei para o meu departamento, porque ali ela terá muito em que aplicar os seus muitíssimos conhecimentos sobre a matéria. Se é real que usou mal de suas faculdades e de seus poderes sobre muitos elementos, também é real que dispõe de fartos recursos técnicos, isso de que carecemos, para combater a feitiçaria.

O auxiliar do diretor fê-lo saber que isso implicaria em sondar outros dirigentes, razão por que lhe daria a devida resposta horas depois. E com isso nós ficamos contentes, porque iríamos pedir no mesmo sentido, para vermos como o hindu iria lidar com ela.

Aquilo combinado, o hindu pediu uma concentração mental sobre a irmã, que parecia sonambulizada. Os cinco estenderam as mãos horizontalmente, olharam fixos para ela e começaram a falar em seu idioma. Ela foi levitando, subindo, até ficar um metro acima do leito, quando começou a girar como se fosse um disco, atingindo velocidade tremenda.

Eles foram ordenando, e ela foi parando de girar, até que parou de tudo, quando começou a descer. Uma vez direitinha no leito, o hindu chefe colocou-lhe as duas mãos a uns cinco centímetros da testa, com os dedos na direção dos olhos, tornando a olhar fixo para ela. Foi ela abrindo os olhos, até ficar de olhos bem abertos. E o hindu falou-lhe, tendo ela respondido, porém muito baixinho e como que bastante perturbada.

De novo o hindu mandou-a fechar os olhos, e tornando a fazê-la dormir, falou aos presentes:

— Peço a todos muitas vibrações a seu favor... É muito devedora, sem dúvida, mas está recolhida e é uma filha de Deus. Vamos auxiliá-la, assim como gostaríamos de ser auxiliados, se estivéssemos no seu lugar. E por agora que durma, para não ficar em sofrimentos e não dar muito trabalho; o dormir, para ela, representa parte integrante do processo da cura.

E como tudo fora combinado, ali mesmo ela foi sendo tratada, até  o dia em que se despediu, para ir ao encontro do seu trabalho, junto aos que entendessem de quebrantar males feitos. Pelo pouco tempo que ficou conosco, deixou muitas saudades, e muita curiosidade em torno de seus dotes, pois ela era capaz de dizer coisas altamente sérias, pela sua clarividência, pela facilidade com que invadia os recônditos do histórico alheio. Com ela foram feitas muitas experiências, tendo os nossos chefes e os médicos ficado encantados com as suas faculdades; pareceu-nos que, para ela, nada de nosso passado era coisa de segredo.

Nas despedidas, tudo entre muita alegria, disse-lhe o diretor:

— Minha querida irmã, se algum dia voltar à carne, pois certamente voltaremos todos, não vá tornar a exercitar a vingança... Faça o Bem, com as graças mediúnicas de que dispõe, sem jamais julgar que tem o direito de desenvolver mal algum a quem quer que seja. Perdoe sempre, minha querida irmã, que perdoar aos outros já é dirimir faltas. E que o Nosso Senhor Jesus Cristo, Verbo do Pai neste mundo, lhe confira muitas oportunidades de trabalho santificante.

Dias e dias após a sua partida, comentários eram feitos, durante as nossas conversações, a seu respeito; porque ela envolvia muitos assuntos, inclusive os cinco hindus, com os seus grandes poderes, com aquela técnica para nós esquisita, sabendo, como grandes conhecedores, aplicar as mãos e a força magnética dos olhos.

Como alguém do nosso círculo de amizade e trabalho falasse na irmã, que tão dotada de grandes faculdades, tão mal as aplicara, Tancredo comentou:

— A Lei de Harmonia paira acima de tudo, reclamando de cada um o devido, em trabalhos e responsabilidades, seja quem for, disponha do que dispuser de conhecimentos e faculdades. Se o Cristo assinalou a Sua condição de servidor da Lei e não de senhor da Lei, porque dela só Deus é Senhor, vamos compreender isso e não cair na asneira de usar mal a coisa alguma, a poderes quaisquer.

E em tom ponderoso, completou, depois de meditar um pouco:

— Lidar com agentes do nosso plano, para desfazer coisas feitas, como dizem lá na crosta, tem levado muitos trabalhadores a reincidir em graves faltas, porque as relações entre os dois planos são, por natureza dos trabalhos, muito ligadas aos níveis mais inferiores do astral. Quando menos esperam, estão servindo a guias que desguiam, estão fazendo o que pretendiam desfazer, chafurdando nos abismos e comprometendo futuras vidas.

Dado à gravidade dos conceitos, aquele alguém que havia inquirido voltou a inquirir, admirado:

— Então, bondoso instrutor, a questão é assim comprometedora?!...

Tancredo sorriu, e num tom de análise mais acurada acentuou:

— A questão não é comprometedora, mas sim o modo de encará-la. Se há quem faça o mal, por esses processos, há quem os possa quebrantar, porque a dialética é lei na Ordem Divina. Mas a questão não manda revidar, não manda vingar, nunca impõe valentias perniciosas. Porém, e aqui mora a periculosidade, muitos trabalhadores dessa ordem deixam-se levar pela conversa de certos guias, espíritos ainda muito inferiores, caindo em graves faltas.

— E foi assim que ela cometeu faltas graves? – tornou aquele servidor a perguntar, sequioso de conhecimentos.

— Sim, pois dispondo de maravilhosas faculdades e tendo certa dose de poder sobre legiões do nosso plano, aplicou por conta própria a “Pena de Talião”, revidando elas por elas, e até muito pior ainda. E assim sendo, dentro de algum tempo era escrava de elementos menos felizes, que lhe ordenavam, a título de defesa, os mais tenebrosos revides. Desceu à feitiçaria, cometeu crimes tremendos e foi parar nos abismos da subcrosta, como sabeis.

— Isto é coisa muito séria! – comentou aquele companheiro.

Tancredo, erguendo a seu modo o indicador, alertou a todos:

— Para desfazer qualquer mal, o importante é não aplicar o mal; assim fez Jesus Cristo, renunciando a mesma vida. Tudo proclamou, ensinou, advertiu e exemplificou, em palavras e atos, sem recorrer à aplicação do mal. Disse todas as verdades que deveriam ser ditas, enfrentou poderosos e potentados, com a máxima gravidade, mas não pensou sequer em vinganças. Foi como cordeiro ao cutelo, sem dizer palavra alguma de vingança, deixando tudo a cargo da Justiça Divina. Infelizmente, porém, os trabalhadores dessa ordem de serviço, com muita presteza se entregam à mania de valentias, dos desafios, das paixões comprometedoras.

E assim terminamos aquela jornada, com boas colheitas doutrinárias. Isto é o que não nos falta, porque tão ligados que estamos ao mundo carnal, sempre temos pela frente muita fartura experimental. Tudo quanto é do próximo, também pode ser nosso, mais tarde ou mais cedo, e, portanto, fazemos questão de estudar bem a todos os fatos. Os mestres teóricos são muitos, mas a mestria principal cabe mesmo à vida! Ela é prática, ela é vida, ela é fato!

Vede bem que tudo pode ser comentado, contra ou a favor, sobre todos os assuntos; porém, quem poderia deixar de ser vivente e responsável? Bem sabemos nós, deste lado, que as movimentações humanas variam ao infinito, entretanto sabemos, e sabemos muito bem, que o Supremo Juízo compete a Deus e a ninguém mais. Porque os mesmos Cristos Planetários nada mais são, em Suas altas funções diretoras, do que servos da Lei de Harmonia. Eles não vivem em estado de lástima e de pranto, pelo fato de alguns de Seus tutelados irem parar nos abismos tenebrosos, por causa de faltas cometidas. A Lei de Deus data do período Védico-Búdico, ou vice-versa, tendo sido Moisés apenas um retransmissor e grande codificador. O Divino Exemplo do Cristo todos sabem comentar, não é isso? Portanto, para subir ou descer, cada um o fará pelas suas obras; e depois, quem é o responsável? O Cristo? O próximo? A Justiça Divina?


CAPÍTULO 18 

O CRISTO É PERMANENTE

 

“Cristo é Grau, não é nome, e, portanto, um espírito cristificado o representa diante de uma humanidade em evolução. Sendo Grau de Unidade com o Pai, é naturalmente VERBO DIVINO, ou representante de Deus.”

“Se os mistifórios clérico-políticos não tivessem alterado as lições do Cristo, todos já teriam conhecimento delas, e do que o Cristo é, e representa, ou a síntese das verdades fundamentais.”

 

Um Cristo será sempre rigoroso e causticante em suas palavras, mas os Seus exemplos serão sempre amorosos e cheios de renúncia. Aqueles, porém, que se tornam adeptos do anticristo, em suas palavras querem parecer bons, tolerantes e vítimas de certo modo, mas as suas obras revelam covardia, falsidade e traição, sendo comum apelarem para atos violentos ou repugnantes.

Todos os movimentos renovadores, principalmente os de ordem Moral, sempre viram surgir, em seus meios e no meio de seus elementos, essa coisa feia, essa mancha. Uns por excesso de zelo, outros por excesso de vaidade, mas o fato é que nenhum movimento, até o presente, deixou de ter contas a ajustar com esse doloroso fato.

Alguns apelam para os anos passados em estudos ditos doutrinários, sejam estes ou aqueles os sectarismos; outros querem valorizar os seus cabelos brancos; ainda outros pretendem dar boa representação ao reumatismo que ostentam, achando que ele é testemunho de sabedoria; e não faltam os portadores de outras marcas de perebas, que com elas fazem questão de marcar ponto no relógio dos estatutos e das instituições.

Caifás, Anás, o Sinédrio, os fariseus, os saduceus e os escribas, todos falaram de cadeira, todos tinham uma tradição, não permitindo que Jesus Cristo pudesse falar em nome da Moral, do Amor, da Revelação, da Sabedoria e da Virtude. É que Jesus era jovem, não tinha rugas, reumatismos, calvície, perebas e outros argumentos da mesma marca. Em conseqüência, o ranço e a ferrugem puderam mais do que a Verdade e a Virtude!

Considerando que isto poderá acontecer e muito, ainda, no Planeta, bom será que se evitem ortodoxias, dogmatismos, fanatismos sectários, etc.

O essencial, para não cairmos em tais faltas, seria não termos jamais ignorâncias a encobrir nem interesses subalternos a defender; mas, quando iremos planar nessas alturas?

Observemos, portanto, que o maior risco é ou será, sempre, daqueles que se acreditam proprietários da Moral e do Amor, da Verdade e da Virtude. Tudo isso em termos teóricos, porque os praticantes, os vivedores dessas virtudes, jamais cairiam em semelhantes emboscadas, em tais leviandades.

Foi um caso, fica bem saliente, enfrentado por nós, que motivou este capítulo. Sempre, portanto, aprendendo com as grandes lições da vida prática! Sempre focalizando a Lei de Equilíbrio, através dos vincos profundos deixados naqueles que contra ela atuaram, por culpa de seus fanatismos sectários, ou de seus orgulhos feridos, ou dos clamores de seus mais imediatos interesses mundanos.

Estávamos em nosso reino, reunidos em torno de uma irmã; brilhava o sol da Verdade Central, de Deus, que nos ilumina e aquece, sustenta e estimula; e ela, recém-chegada dos abismos, em processo de tratamento, fora colocada ao lado de belo jardim, florido e perfumado. Nosso instrutor falava e ela ouvia, coisas sobre Jesus Cristo, que ele sempre filtrou como Verdade e Virtude. Porque ela vinha de uma vida desregrada, isto é, sem Verdade e sem Virtude.

Estando entre flores e águas, servidores do Bem e conversas edificantes, não há quem não sinta surgir de dentro aquela cura que não pode vir de fora; e como uns aprendem com outros, ali éramos ouvidos abertos, armazenando conhecimentos, quando vimos chegarem, acompanhados do diretor dos hospitais da região, dois vultos maravilhosos, simplesmente estuantes de espiritualidade, que vinham ao nosso encontro.

Eram irmãos de alta hierarquia, habitantes de reinos superiores, diminuídos em si mesmos, cumprindo alguma delegação, isso bem se descobria; e foi como nos falou o diretor dos hospitais da região, apresentando-os:

— Tancredo, venho apresentar estes funcionários da Mensageiria Superior, em virtude de trabalho a ser feito. Alguém deve desencarnar, dentro de dias, e é quando eles deverão estar presentes. O mais tudo, eles mesmos farão, porque são os encarregados da missão que lhes cumpre levar a termo.

Disse os nomes, mas isso não importa porque não saberia como traduzi-los e porque a essência da coisa é que nos faz estar escrevendo. Se não fossem eles, é certo que seriam outros, porque a Lei e a Justiça pairam acima de indivíduos. O que é por Deus, alguém terá que fazer, sem dúvida alguma!

E tudo ficou combinado, quando o mais categorizado deles, explicou:

— Um irmão, de nome Plácido, deverá ser retirado da carne dentro de uma semana. Desejamos que nos avisem, quando chegar a hora; e a hora será, lembrem-se, quando o irmão doutor Bezerra de Menezes for atender como clínico ao chamado de uma nossa irmã, que é a progenitora de Plácido.

Disse como proceder, enviando a ele a mensagem mental, retirando-se após. E nós ficamos meditando e comentando, quem seria o irmão Plácido, para ser assim recebido. Para nós, conforme os usos, devia ser alguém de bastantes merecimentos, pois os dois elevados irmãos agiam também segundo ordens superiores. Portanto, para todos os efeitos, seria muito interessante o trabalho a ser feito; porque o aprendizado vem sempre através dos fatos comuns da vida.

E uma semana depois, entrando por um cortiço adentro o doutor Bezerra, fomos topar com o nosso irmão Plácido; atirado no fundo de um quarto escuro, mais miserável do que pobre, estava um homem de meia idade, todo retorcido, aleijado, tendo ainda a mão esquerda ressecada, mais parecendo um galho seco de árvore.

A pobre mãe, ou riquíssima, talvez, assim implorou:

— Doutor, trate de meu filho!... É assim, porém eu só tenho esse... Sei o que tem feito e peço a sua ajuda....

Bezerra deu tudo, receita e dinheiro, dando também uma fervorosa oração; e o mundo deste lado, que o acompanhava sempre, deu o que devia e podia dar.

Tancredo fez como recomendou o tal Mensageiro Superior, e ele, dentro de segundos, estava presente, dizendo:

— Hoje à noite, terá que deixar o corpo... E vamos, por ora, formar um círculo, dando-nos as mãos. Vamos rogar a Jesus, o Divino Medianeiro, por este irmão altamente comprometido perante a Justiça Divina.

Assim foi feito. Fazer um círculo e dar as mãos, entrando em oração, produz maravilhas. E quando já em oração, disse o Mensageiro Superior:

— Olhem bem para ele e observem o que vai ocorrer.

Nós já tínhamos visto um monstro agarrado ao pobre irmão, tão agarrado que pareciam dois em um; tínhamos visto quatro bondosos pretos velhos, sorridentes e felizes, que lhe montavam guarda, cumprindo ordens superiores. E dali em diante, observando bem, fomos notando que um vapor subia do chão, envolvendo o homem e todos nós. Pouco depois, o vapor deixou de ser denso, tornando-se luminoso, cada vez mais luminoso.

Quando a luminosidade atingiu certo ponto, apareceu uma paisagem, que bem vimos ser a velha Jerusalém. Tudo como naqueles dias, quando Jesus palmilhou aqueles caminhos, para viver a Lei, Batizar em Revelação e testemunhar a Ressurreição Final do Espírito.

Tudo era simples, claro, normal, exato. Jesus estava vestido como os Nazireus, com a Sua túnica branco-opalina e coberto com o manto carmesim. Era jovem, esbelto, imensamente espiritual, ligeiro, pensativo e algo triste. Por todas as partes muita gente a cercá-Lo, pedindo curas, sorte, o Céu, etc.

E do meio do povo saía, repetidas vezes, um sacerdote magricela, barbudinho, encaveirado, de olhos faiscantes, que atirava contra Jesus ofensas, ora como perguntas, ora como afirmativas severas, lembrando os preceitos, etc. E Jesus calava e trabalhava, ou respondia algumas vezes, sempre rodeado pelos Seus discípulos, sempre muito amparado por algumas mulheres contritas, fervorosas e piedosas.

Vimos depois, dentro de vasto e muito ornamentado salão, Jesus sentado sobre um tamborete, estando alguns sacerdotes e outras pessoas, do outro lado, à Sua frente, fazendo perguntas as mais contraditórias. Dentre eles se destacava o sumo sacerdote com um pergaminho na mão direita, que lia e argumentava contra Jesus. Porém, o sacerdote magricela e encaveirado pedia licença e dizia tremendas coisas contra Jesus, chamando-O feiticeiro e discípulo de Belzebu.

E o cenário mudou, num repente, aparecendo o Monte das Caveiras com as três cruzes levantadas.

Também isso logo mais desapareceu, voltando tudo ao quarto miserável, com o sacerdote magricela, agora na personalidade daquele pobre aleijado. E o Mensageiro Superior explicou, em breves palavras:

— Estamos na presença de um dos grandes algozes de Jesus... Porém, não vem diretamente de lá esta situação. Porque outros já se recuperaram, estando em boas condições, servindo a Causa da Verdade e da Virtude, absolutamente à margem dos religiosismos perniciosos. Este pobre irmão, entretanto, tem errado muito, tem recaído em faltas, tendo agora sido obrigado a renascer assim, para ser obrigado a resgatar um pouco de suas imensas culpas.

E voltando-se a Tancredo, recomendou-lhe:

— Assim que for desligado, ao entrar no hospital, desejo ser avisado; é só fazer como fez agora, e depressa virei, para tomar as providências necessárias. Como sei que gostam de aprender, digo que o movimento restaurador grassa no mundo, havendo grandes oportunidades para muitos errados de outros tempos. E este nosso irmão vem de receber de Jesus uma oportunidade de trabalho; porque, como deveis saber, perdão não existe, mas existe o trabalho que ressarce e constrói o Reino de Deus dentro de nós mesmos. Ele voltará à carne em breve, com boas faculdades, com boas ferramentas e, no trabalho mediúnico, servindo aos outros com o devido carinho, estará conseguindo servir a si mesmo.

Pouco depois da saída de Bezerra de Menezes, também nós saímos, ficando tudo bem combinado para a retirada do pobre irmão, logo à noitinha. E como tudo gira em torno de leis e sobre leis, tudo foi encaminhado devidamente. Quanto ao fundo moral da questão, que cuidem bem de si mesmos, antes de mais nada, aqueles que se escravizam a estatutos e a instituições humanas. A Moral e o Amor, a Verdade e a Virtude, não são realidades que possam caber em conchavismos de homens. Títulos dados por homens, reumatismos e perebas não significam espiritualidade!


CAPÍTULO 19 

MARCHAI PARA O GRAU CRÍSTICO

 

“O Cristo Interno deve ser elaborado segundo a Divina Configuração do Cristo Externo; para isso é que o Pai Divino, em tempos apropriados, envia Cristos ou Divinos Modelos às humanidades em evolução.”

 

Uma das realidades simples que transbordam em nossos serviços é o fato de haver quem saia do corpo físico doente, vindo parar nestes reinos doente, necessitando enfrentar o mesmo tratamento, ou tratamento segundo as suas desarmonias físicas. Já não dizemos as psíquicas, porque afora os erros registrados na intimidade, ocorre que a perfeição só é total no Grau Crístico, ao superar a lei das reencarnações obrigatórias.

Antes de atingir a Suprema Libertação, ao ter que reencarnar, em um mundo como a Terra, atrasado em todos os sentidos da Ordem Moral, pode muito bem cair em faltas, tendo que responder por elas. Por conseguinte, os tratamentos de que falamos é o físico, o do nosso físico, que comporta todos os complexos do vosso, em virtude da lei de Causa e Efeito.

Porque ser um espírito inferior em evolução já é ter um corpo astral denso, é arrastar um carro pesado, é brilhar menos; e se, por cima, estiverem faltas acumuladas, erros gravados, então podeis avaliar como os nossos hospitais devem tratar de muitos corpos astrais atacados de muitos desequilíbrios.

E como os céus concêntricos e superpostos variam muito de grau hierárquico, podeis avaliar, também, quantos poderão ser os processos de tratamento, segundo os males das entidades e, acima de tudo, da normal hierarquia de cada um. Como é que se irá tratar numa faixa ou céu superior, uma nonada superior, do indivíduo que é inferior, que poderia na superior encontrar ainda mais dificuldades?

Vede, portanto, que os nossos reinos oferecem de tudo, segundo o grau evolutivo de cada um e segundo os males de que possa estar sofrendo; na Casa do Pai as moradas são muitas, em forma de galáxias, sistemas planetários, planetas e seus céus ou faixas astrais. E ainda resta a Casa Crística, o Céu Crístico, a Esfera Universal, que não pertence a Planeta algum, porque é acima de mundos, formas e transições. Lá está a Libertação Total, a Ressurreição Final do Espírito!

Antes de chegar lá, como deveis saber, cumpre tratar dos filhos de Deus, de nós mesmos, segundo a hierarquia e o mal que arraste consigo, na faixa ou céu a que faça jus. E não temos, por aqui, a mania de achar que a existência, a evolução, a respiração, os merecimentos, as responsabilidades, sejam fatos que possamos resolver fazendo cálculos algébricos ou inventando teorias complicadas e superficiais, muitas vezes traiçoeiras em alta conta. As coisas, por aqui, devem é ser encaradas com simplicidade e objetividade, deixando de lado tratados de sistemas estes ou aqueles, com que, na crosta, os formalistas pseudo-sábios engodam os incautos.

O Amor, a máxima conquista evolutiva, filho da Virtude realizada no imo, não é apanágio de ricos ou pobres, sábios ou ignorantes, nacionais ou estrangeiros, pretos ou brancos... E muito menos ainda de religiosismos estes ou aqueles!

Se, pois, não podemos fabricar Amor para aplicá-lo via oral ou por injeção, está dito que o nosso tratamento parte, sempre, da educação mental. Sem Lei não há Evangelho, e sem Evangelho não há cura!

E dia virá, em que os encarnados terão que pensar e fazer assim, porque tudo tende à simplicidade na Ordem Divina. Custará ainda muito, mas a Finalidade Sagrada impõe que assim venha a acontecer. A falsa ciência dará lugar à Ciência do Amor, em que tudo se resumirá, finalmente, em um irmão querer fazer o máximo bem ao seu irmão, que é de onde surge o ideal cristão, a consciência da vitória final do espírito, a antevisão do Grau Crístico!

Todos somos esperados, no Céu Crístico, por aqueles que já  atingiram o píncaro evolutivo. Eles nunca foram filhos do favor de Deus, porque em Deus nunca houve favor. Uma é a Lei de Harmonia, e todos terão que com ela acertar contas durante a escalada evolutiva. E chegar ao Grau Crístico, fora da Lei de Harmonia, por um favor de Deus, seria coisa de se pensar?

Conseguintemente, meditemos nos céus inferiores, nas faixas do submundo e nas bem pouco iluminadas; pensemos, enfim, nos céus que se sucedem, reconhecendo em tudo isso a Sabedoria Divina. Porque a evolução é lenta, e cada um terá, nos reinos espirituais, o lugar que por suas obras tenha merecido.

E como a realidade é sempre decorrente de alguma lei, não custa nada compreender que ela é letra evangélica e muito rigorosa!

Foi assim discursando, num ambiente reconhecidamente preparado, que um servidor de plano um bocado superior transmitiu a ordem de construção de uma casa de oração com o fito de cura. Ali tudo seria feito, informou, com o fim de fazer compreender, a cada um dos presentes, que a cura real vem de dentro e deve ser a procurada fielmente; lições sobre a Moral e o Amor, a Verdade e a Virtude, disse ele, devem preceder a todos os pedidos, a todos os movimentos de ordem mental.

E foi construindo um prédio, com o emprego da força mental de algumas dezenas de irmãos competentes; eles desenharam tudo, encararam com acuidade a todos os mínimos detalhes e, quando tudo era questão de ação, agiram. Depois houve música e alegria, com a presença de muitos irmãos bastante superiores, tendo no final, com a bênção rogada a Jesus Cristo, vindo das alturas um Alto Emissário, que sobre o prédio deixou cair uma folha como que de papel, onde estava escrito:

 

“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus, porque sempre representou Deus. Todas as coisas foram feitas por ele; e do que há feito, tudo por ele foi feito.”

 

Depois de tudo terminado, o governador da região entregou o escrito a um grupo de artistas do nosso reino, ordenando que fizessem uma laje, do material mais apropriado que julgassem, para ficar no centro da parede posterior do prédio, por dentro, ou onde costumam colocar o altar dos idólatras.

No dia da inauguração, disse o governador aquelas palavras de Jesus Cristo, sobre ser Deus, Espírito e Verdade, assim desejando que Seus filhos venham a ser; e concluiu, portanto, que aquela inscrição era tudo quanto podia haver de mais certo, porque resumia o Poder de Deus através do Cristo Planetário. O Senhor e o Seu Delegado Planetário.

E como o vasto salão estava repleto de enfermos de variada ordem, foi feita uma preleção pelo mesmo governador, sobre o sentido Moral da vida, porque ele achava, depois de tanto ler e meditar, que esse é o sentido que abrange todos os demais, que dizem respeito aos filhos de Deus. Disse que a parte de Deus é Eterna, Perfeita e Imutável, cumprindo a cada filho realizar a sua parte, sendo que o sentido Moral da vida é o resumo de tudo, porque fora dele nada há de realmente enobrecedor.

Assinalou que todos os cidadãos da região eram livres para ocupar a tribuna e falar, achando ele, também, que essa disposição vinha ao encontro da máxima dignidade de cada um, porque a oração não é privilégio de ninguém, sendo um direito igual garantido pelo Pai Divino a todos os Seus filhos. Ficava dito, portanto, que nunca um mesmo orador ou presidente da reunião exerceria duas vezes em seguida a mesma função; a oração final era para desejar curas, e seria feita em silêncio absoluto, para facilitar a melhor mentalização por parte de todos. Alguém comandaria, e esse alguém seria qualquer dos filhos de Deus da região.

Ato contínuo, chamou ele o diretor dos hospitais da região, passando-lhe a direção da reunião, para que mandasse fazer a oração quem julgasse conveniente. E o diretor chamou um doente, alguém que estava em tratamento, dizendo-lhe:

— Graças ao Nosso Senhor Jesus Cristo, que representa o chamado Criador neste Planeta, na parte sólida como na astral, sendo também o Mestre dos mestres, eu te peço para fazer a oração, desejando curas e bens para todos nós.

O doente, que havia sido na vida carnal um escritor de bons recursos, porém descrente de Deus e de tudo que diz respeito à sobrevivência e responsabilidade do homem, fez ali uma confissão de culpas que a todos fez derramar lágrimas. E quando orou, um Pai Nosso à sua moda, ninguém o acompanhou sem ser de ouvido, em virtude de ser inventado na hora. Depois, entrando todos em silêncio, ou orando realmente, as coisas mudaram, porque o prédio pareceu sumir, ficando tudo imensamente brilhante, quase impossível de ser bem visto. E no final, lá em cima do cone de luz, vimos muitos espíritos gloriosos, estando entre eles o Mestre dos mestres, com as mãos estendidas, fazendo jorrar muita luz sobre toda a região. O importante, realmente, é que a oração dos presentes estava beneficiando a todos os habitantes da região, os presentes e os ausentes, os que puderam comparecer e os que não puderam, por causa de serviços e outros motivos quaisquer.

Quando tudo havia retornado ao natural, o diretor dos hospitais encerrou a reunião, dizendo que jamais esperaria por tamanha colheita. As graças do Senhor vieram, disse ele, de modo a fazer compreender que a Presença do Cristo é real e não apenas mística, para aqueles que O buscarem de coração. E não é assim que o Cordeiro de Deus prometeu, no primeiro capítulo do Livro dos Atos? E por que os nossos reinos seriam menos do que a crosta terrícola? Estas ovelhas não são, também, do Seu Aprisco? Ou pretenderão, os encarnados, que a Obra Divina é apenas aquilo que eles pensam que seja? Ou julgarão a Jesus como enganador e mentiroso?

 

CAPÍTULO 20 

BEZERRA DE MENEZES, MÉDICOS E PRETOS VELHOS

 

“O trabalho socorrista é muito mais vasto do que pensam e sabem os encarnados; e como não há anarquia nem promiscuidade no mundo espiritual, o mecanismo socorrista revela o desdobramento das chefias e subchefias; e Bezerra de Menezes é um grande chefe, e sob sua chefia movimentam legiões de pretos velhos, índios, hindus e caboclos, comandados pelos seus respectivos imediatos.”

“Onde quer que haja um bom trabalho mediúnico, realizado por gente que conheça e muita disciplina reinante, os videntes podem ver e relatar como se distribui o trabalho dos espíritos socorristas.”

 

Os últimos tempos de Bezerra de Menezes, no plano carnal, foram marcados em nossos reinos, como de preparação arregimentadora, com vistas aos tempos porvindouros, principalmente dos meados do século vinte e um ao ano seis mil; porque o segundo ciclo do Cristianismo será esse, com essa longura de anos. Tudo quanto o Espiritismo fizer, por ora, será apenas semeadura, considerando-se aquilo que terá de fazer, nos futuros ciclos, em caráter de colheitas espirituais.

Como missionário vindo de plano bastante superior, Bezerra de Menezes não se entregou a outro gênero de obras que não fosse zelar pela saúde e evangelizar os irmãos. Não evangelizar pelo prisma dos clericalismos, que corresponde a tirar do Divino Exemplo do Cristo, para transformar em comprador de simulacros; ele o fazia pelo prisma do Consolador reposto no lugar, da volta ao sistema de culto dos Apóstolos, que era em termos de Moral, Amor, Revelação, Sabedoria e Virtude, como bem podeis compreender no Livro dos Atos, escrito por ele mesmo quando fora Lucas, e nas Cartas dos Apóstolos, onde a Revelação era o marco central das movimentações em geral.

A encarnação é a válvula redentora e evolutiva das almas; quando deve culpas, ela facilita repará-las, e quando deve-se evolução, ela oferece os meios. Cuidar da saúde, quando não haja questão cármica depondo em contrário, é um dever; e uma vez tendo saúde, que se transforme em oportunidades de nobres realizações.

Bezerra passou a vida curando os corpos, como podia, e ensinando a procurar a suprema cura, seguindo os Divinos Exemplos de Jesus Cristo. E no mundo espiritual, seus companheiros de trabalho empreenderam a organização de núcleos socorristas e educacionais. Seu nome devia ficar ligado a um imenso movimento socorrista, sendo que os socorros teriam de levar, conjuntamente, as lições da Moral, do Amor, da Verdade e da Virtude, porque os ciclos futuros teriam que fazer incidir sobre esses quatro pontos cardeais, o edifício realmente religioso, o trabalho social dos filhos de Deus lotados na Terra.

Teria que ser, diziam, quando ele ainda estava encarnado; agora, poucas dezenas de anos após a sua passagem, Bezerra de Menezes já funciona como vastíssimo órgão assistencial, tendo a servir essa máquina socorrista, dezenas de milhares de médicos e de outros servidores. Muito complexa é a máquina, se levarmos em conta os mais diferentes rogos que a atingem, vindos de muitos recantos do Planeta, para atingir os mais diferentes reinos deste lado. Não será fácil, temos certeza, a um encarnado, compreender a vastidão dos serviços que nos cumprem, vindos através do nome de Bezerra de Menezes.

Mas existem postos centrais de recolhimento de mensagens; e estes postos as distribuem, conforme as necessidades, de acordo com o trabalho a ser feito. Do serviço puramente médico aos socorros de variada ordem, tudo é feito com rigorosa disciplina e encantadora harmonia. Médicos, enfermeiros, guardas, legiões de africanos, de pretos velhos, de hindus, de caboclos; tudo por ordem, cada facção cumprindo a sua parte, pois na Ordem Divina tudo é hierarquia, competência e disposição de trabalho. Conforme a necessidade e o merecimento do encarnado que pede, assim a distribuição do serviço é feita. A máquina assistencial é vasta e o seu movimento é disciplinado. Cada servidor, maior ou menor, cumpre o seu dever e faz jus à recompensa. Quem poderia ser o juiz de Deus, para depor em contrário?!

Quando Bezerra de Menezes atravessou de uma vez os umbrais da carne, jamais poderia compreender o que havia feito e como o seu nome iria representar, futuramente, o instrumento de invocação do maior organismo assistencial de nossos reinos. E podemos afirmar que o movimento cresce, que novos postos são montados, porque o Batismo do Espírito trazido pelo Cristo, reposto no lugar com o nome de Espiritismo, invade a humanidade!

Com dois mil anos de atraso, por culpa de Roma, mas o certo é  que se cumpre o que Jesus afirma, no primeiro capítulo do Livro dos Atos; e nestas plagas da Terra, o nome de Bezerra de Menezes concentra a maior quantia de chamamentos à Graça da Revelação generalizada por Jesus Cristo.

Depois do desencarne do Apóstolo do Bem, os serviços subiram tremendamente de monta; e subiram também os merecimentos.

Com os merecimentos, tudo acontece. Portanto, fomos convidados a visitar, em reinos superiores, muitos departamentos ligados ao nome e aos serviços que giram em torno dele. Desde a Chefia Central de Bezerra, contando com elementos de muita elevação espiritual, até o mais humilde servidor, o último preto velho ou índio, tudo é por ordem, tudo vem de chefias muito bem organizadas. Há muito que fazer e há muita prestação de contas, para efeito de contagem de merecimentos.

Os religiosismos fazem questão de estatutos e de instituições humanas; querem que Deus seja deles, segundo os seus respectivos exclusivismos; entretanto quem é que, sendo inteligente, pretenderá que Deus seja analisável pelo homem? Ou que o homem, por si mesmo possa discernir o que seja, em essência? Ou quererá dizer que a Verdade e a Virtude deixarão de se impor pela Vontade de Deus, para ficarem à mercê das relativas concepções do homem?

Eis, pois, que concitamos à máxima liberdade para efeito de estudos; que nunca dogmas e ortodoxismos vençam contra o livre exame; e que, muito menos ainda, as ignorâncias a encobrir e os interesses subalternos a defender, criem condições de dificuldade para a prática do Bem.

Não pensem em Deus, a Essência Divina do Infinito, segundo estatutos e instituições humanas; porque Deus é Absoluto e essas coisas são relativas. Encarem o relativo pelo prisma do Absoluto, para que todos os conceitos sejam reverentes ao Pai Divino.

Não pensem na existência da chamada Criação, material e espiritual, considerando que os homens saibam tudo a respeito; porque nas mais altas esferas da vida, filhos de Deus divinamente evoluídos se inclinam diante da infinidade da questão.

Não pretendam limitar o movimento de tudo quanto Deus manifesta, porque ainda não sabeis, sequer, o que contém o nosso pobre mundinho.

Não pretendam afirmar tudo sobre a evolução, porque realmente quase nada conhecem sobre a matéria, nem a seu mesmo respeito.

Devem afirmar a imortalidade essencial de tudo, porque em Deus tudo é Vida Eterna; em nada existe a morte real!

Devem considerar totalmente a responsabilidade, porque em menor ou em maior dose, ela já os atingiu, pelo pouco ou muito que já conhecem.

Reverenciem a lei das reencarnações, diremos em todos os reinos, porque ela é válvula redentora e evolutiva dos espíritos.

Cultivem a Revelação com inteligência e amor, porque o Serviço de Mensageiria Divina, ou Ministério do Espírito Santo, é desígnio de Deus; além do mais, generalizar a Revelação foi a função missionária de Jesus Cristo. Jesus pagou com a crucificação o direito de ser o Derramador do Espírito sobre a Carne!

Considerem, com inteiro respeito e perfeita liberdade, que são por Graça de Deus, verdadeiros centros do Infinito; reverenciem ao Pai Divino, de lhes ofertar o Cosmo, a Casa Infinita, tudo quanto está  ao seu redor.

Tenham sempre em mente a Sagrada Finalidade, o Grau Crístico; acima de religiosismos ou sectarismos quaisquer, coloquem a Moral e o Amor, a Verdade e a Virtude, porque assim o fez Jesus Cristo, o nosso Divino Modelo.

Não esqueçais que nos abismos da subcrosta vivem gritando, clamando “Senhor! Senhor!” milhares de milhares de criaturas que tiveram religiões e muito andaram lendo os chamados livros sagrados; observai que a Lei de Deus, sendo tão curta, é o mais longo documento existente, tanto assim que o Cristo afirmou, de início, que veio para vivê-lo e não para derrogá-lo. Perguntai sempre, a vós próprios, qual é a religião que a Lei manda obedecer.

E não espereis o Cristo em carne e osso, porque Ele está atrás de Suas Legiões Mensageiras para, através delas, advertir, ilustrar e consolar; e em verdade vos afirmamos, de Ordem Superior, que todos os olhos O verão, através do Espaço e do Tempo, por causa dos poderes mediúnicos e segundo os merecimentos que forem sendo alcançados.

Entretanto, repetimos, religiões e sectarismos nada vos poderão dar de realmente bom; somente a Verdade e a Virtude garantem a Libertação, sendo praticadas e não apenas faladas.

E para todos os efeitos, Deus é o Pai Divino e Jesus Cristo é o Divino Mestre; a Ordem está na Lei e o Exemplo está  no Cristo!



A Volta de Jesus Cristo - Segunda Parte