segunda-feira, 19 de maio de 2008

CAPÍTULO 10 - SUJEITAI-VOS À VERDADE E À VIRTUDE

“Ninguém pensa como quer e sim como pode; para pensar melhor, cumpre evoluir; para evoluir, somente sendo contra todos os dogmatismos; e para ser contra os dogmatismos, somente sendo da VERDADE e da VIRTUDE ou contra os malabarismos que certos agrupamentos humanos teimam em dizer que são religiões, embora estejam sempre funcionando contra a Lei de Deus e o Divino Exemplo de Jesus Cristo.”

O homem isolado nada poderá fazer de grande, seja em que sentido for; mas desde que tenha o amparo de bons emissários espirituais, a coisa muda, podendo produzir obra de alongada influência. Quem quiser uma vez mais buscar exemplo em Jesus Cristo, saberá que afirmou diante do mundo, para sempre – “Vereis os céus abertos e os anjos de Deus subindo e descendo sobre a cabeça do Filho do homem.”
Que faziam os anjos, espíritos ou almas que desciam sobre Jesus?
Que fazia Jesus, tendo as Suas legiões espirituais em perene trabalho?
Não queremos gente “crente”, mas desejamos que todos se tornem conscientes e trabalhadores fiéis. Basta de molambismos pelos caminhos lodosos da letra morta e dos clericalismos pagãos e comercialistas!
A hora que se avizinha reclamará muito mais consciência das verdades eternas, perfeitas e imutáveis de Deus, porque fora dessa linha de conduta, mundo algum e humanidade alguma conseguirão jamais atingir o nível de Sabedoria e Amor. E tal estado espiritual poderá ser conquistado sem romper com o passado, com a tradição, naquelas partes em que apenas servem para engordar escolas de molambismos?
Sujeitem-se, pois, os livros e os costumes à Verdade e à Virtude, e não a Verdade e a Virtude aos livros e costumes!
Sujeitemos nossos pensamentos ao Pensamento Divino, em lugar de pretendermos sujeitar o Pensamento Divino ao nosso!
Eis como foi, meus irmãos, que entrei para a falange de Bezerra de Menezes, quando o apóstolo da humanidade e da fraternidade começou realmente o seu apostolado. Sendo ele portador de um elevado encargo a ser desempenhado na Pátria do Cruzeiro do Sul, grandes forças espirituais lhe foram designadas, para que o trabalho fosse aumentando, alastrando, criando raízes, a fim de se alongar pelos dias seculares porvindouros.
Muitos irmãos já trabalhavam sob o controle de seus mentores, quando fui convidada a tomar parte numa das caravanas. E foi junto ao primeiro trabalho que se passou a coisa que me fez registrar o assunto exposto a seguir.
Anacleto era evangelista, mas tinha parentes já militantes na Seara do Consolador Restabelecido; e como não poderia deixar de ser, para ele mais importava o Evangelho da letra morta e adulterada em muito, do que a imitação dos Divinos Exemplos de Jesus Cristo.
E como todos os que nascem já o fazem hipotecados à morte física, Anacleto teve que deixar o fardo carnal, para enfrentar a nova situação. Como não fora amigo do Bem e do Bom, sem ser teoricamente, as coisas não lhe foram bem nas tramitações do mundo espiritual. Ficou mergulhado em uma penumbra, sujeito a solavancos, ora subindo um pouco para melhor, ora descendo muito para pior, até que lhe ordenaram o recolhimento, para ser tratado e instruído.
Como todos os fanáticos religiosistas, ou todos os que confundem a Religião da Verdade e da Virtude, da Moral e do Amor, com as manias sectaristas, Anacleto logo que se pilhou tratado, começou a querer discutir textos com os seus benfeitores espirituais.
Ele, que vinha do palavrório dogmatizado e histérico, queria ensinar aos que viviam, aos que em trabalhos já sabiam imitar um pouco dos exemplos do Cristo.
Ignorante que era da passagem, logo que a reconheceu, pelos tratamentos e avisos amigos, logo quis exigir a presença de Jesus Cristo, alegando que tinha acreditado, que tinha tido fé em Jesus.
Nada sabendo da lei de progresso através das vidas, assim que lhe falaram a esse respeito, perguntou se por ventura não estaria no meio de demônios que o tentavam, fingindo-se de anjos.
Pensando numa beatice vagabunda, quando lhe disseram do trabalho edificante, no Espaço e no Tempo, para todos os filhos de Deus, encarnados e desencarnados, ele perguntou se era assim que recebiam prêmios os crentes em Jesus Cristo, fazendo cara de forte desagrado.
Aqui foi-lhe dito, então, que se quisesse poderia não trabalhar, nada fazer por quem quer que fosse, ficando apenas sujeito a não ter recompensa alguma, em amizades e passeios, conversas e estudos.
— Acho isso muito esquisito! – disse ele, pensativo.
— Mas poderá modificar o seu modo de pensar e agir, quando quiser – respondeu-lhe o instrutor.
Ocorreu-lhe perguntar se outros já haviam enfrentado uma tal situação, tendo o instrutor respondido:
— Pode estar certo de que não está sendo original em coisa alguma, irmão Anacleto; nós todos, ao virmos do mundo carnal, temos de nos adaptar em pouco ou muito a estes planos e modos de vida. Porém, quem vem conhecedor de melhores Verdades, sabe que o progresso é lento, que todos enfrentam dificuldades e necessidades durante a escalada evolutiva, e fazem questão de auxiliar, de dar a mão ao irmão que vem mais atrás. Amor para nós é trabalho, não é conversa; e o programa da Verdade, pode estar certo, é bastante vasto para ser realizado numa vida, apenas.
Considerando as falhas educativas, deram-lhe dois dias de absoluta liberdade, dois dias que ele passou observando postos de socorros, até encontrar-se com uma irmã, meio aparentada, que se achava hospitalizada.
— Você aqui?! – perguntou assustado.
— E você?! – fez ela, retribuindo o susto.
— Estou aqui! – boquejou, desajeitado, olhando ao redor, onde outras irmãs também se achavam sob cuidados.
Cristina sorriu, movimentou um pouco a cabeça, e murmurou:
— Eu católica e você evangelista... E estamos todos aqui...
Anacleto cismou, encolheu os ombros e também murmurou:
— Não há diferença... Pelo que se vê...
— Deus não faz diferença... – ponderou Cristina, satisfeita.
Um enfermeiro, aproveitando a deixa, acrescentou:
— A diferença sempre esteve em nossas obras; quem mais vive para a Moral e para o Amor, mais depressa atinge as regiões onde a Verdade e a Virtude se apresentam intensamente. E quem fala muito em Deus e no Cristo, e vive para o seu infeliz fanatismo religiosista, ou vai mais para baixo ou chega mal até aqui.
Anacleto mirou-o com reserva, tendo perguntado:
— Era religioso?
O enfermeiro, atarefado, respondeu:
— Chii!... Até demais!... Eu vivia de Bíblia na mão!...
O enfermeiro se foi, para trabalhar, para viver o Evangelho, e todos ficaram a olhar para ele, bastante enigmáticos.
Eu havia recebido ordem específica, razão por que lhe disse:
— Por que não põe a mão sobre a cabeça da irmã Cristina, rogando para ela os benefícios do Senhor?
— Eu?!... – fez ele, atônito.
— Jesus não passou a vida fazendo isso e mandando fazer?
Anacleto olhou-me com certa gravidade, depois pendeu a cabeça, como que envergonhado. Eu me aproximei, apanhei-lhe a mão direita, coloquei-a na cabeça de Cristina, ordenando:
— Vamos, peça a Deus por ela, para ter também para si; como Jesus Cristo fez, rogando ao Pai, façamos nós todos, que isso é boa religião! Ou quererá pretender, ainda, que religião é ter gosto por leituras ditas sagradas, feitas com fanatismo sectário, ou mesmo as dobras de espinhaço diante de homens fantasiados e seus manobrismos?
Anacleto levantou a cabeça, olhou para o teto, como fazem aqueles que por má interpretação de Deus O procuram longe e fora, e com voz comovida orou:
— Senhor Deus e Pai Nosso! Senhor Jesus Cristo! Não sabe este vosso filho e discípulo, como confessar a sua ignorância em face da Verdade; porque tudo é diferente do que nos ensinaram na vida carnal... Também não sei se o meu rogo possa ter valia... Mas peço, com toda a minha alma, por esta vossa filha e discípula. Que as vossas bênçãos caiam sobre ela...
Embargada a voz, Anacleto cessou a fala; mas a sua mente, bem se via, demandava os reinos superiores. Envolvido em luz dourada, projetava sobre a irmã Cristina um facho maravilhoso, que após se estendia pelo corpo todo.
Ao abrir os olhos, olhou em torno, notando que o grupo estava bem aumentado, fazendo parte do mesmo, agora, uma personagem para ele muito cara.
— Mãe!... Ó minha mãe!...
Estes reencontros são sempre muito comoventes, porque aprendemos a mais sentir, nestes reinos, do que a pensar; e tomamos parte em todas as manifestações de amor e carinho, sabendo que somos todos filhos e pais. O próximo é nós mesmos, para todos os efeitos; suas dores e alegrias, suas lágrimas e suas exaltações emotivas, tudo é coisa nossa, porque no Espaço e no Tempo as conjunturas nos obrigarão a viver todas as condições e situações.
A mãe de Anacleto, a irmã Natália, era um espírito bastante avançado nos domínios da Verdade e do Amor, habitando região bastante superior, onde dirigia um estabelecimento de ensino. Supus, na ocasião, que ela devia estar a par do que ocorria com o filho, aguardando entretanto que os acontecimentos tivessem seguimento normal, para intervir segundo a Lei, no momento oportuno.
— Como a senhora está maravilhosa! – exclamou o filho, notando a maravilhosa personagem, que todavia revelava uma simplicidade realmente absorvente.
Ela comentou:
— Todas as maravilhas do Nosso Pai estão ao nosso dispor; basta que cultivemos a Moral e o Amor, para irmos crescendo nelas.
Anacleto rememorou:
— A senhora foi uma grande professora!... E dizia que detestava todos os modos de padrequismo... Achava que para serem como eram, ou Deus estava errado ou eles, em nome de Deus, cometiam tremendos erros. E por saber que em Deus não pode haver falha, era totalmente contra eles.
Ela, com palavras ponderosas, explicou:
— Sempre distingui, ou procurei fazer, entre o homem em si e a sua função; assim é que podemos encontrar bons homens em más funções, como nos casos clericais, em que criaturas boas, almas piedosas, se aplicam de modo idólatra e perniciosa, pelo simples fato de terem sido mal orientados. Eu tenho um ex-padre como subordinado, um bom professor e uma grande alma; é que, embora errando sobre religião ou doutrina, sempre se distinguiu na vida pelos atos de bondade. Ocupou o seu tempo de folga em pedir esmolas aos que as podiam dar, para distribuí-las aos que passavam privações. Muitos pais e muitos filhos oravam para que ele jamais deixasse o mundo; mas ele o deixou, como todos deixam, para vir colher, nestes reinos, as belas semeaduras que fizera no mundo, em trabalhos sociais.
O filho repetiu, pensativo:
— Em trabalhos sociais!...
A mãe tornou a comentar:
— Sim, meu filho, a religião da Verdade e da Virtude. Afinal de contas, o Nosso Pai quer colaboradores fiéis ou quer aduladores sectários?
Naquela hora dava entrada no vasto salão o diretor dos serviços hospitalares da região; como a função indicava e indica, era um médico de profissão e uma alma dotada de muitos dotes morais. E, pelo que se viu, sabedor da presença, ali, da irmã Natália, compareceu para encontrá-la. E o encontro de criaturas de mais altitudes vibratórias é sempre um acontecimento feliz para os presentes em geral, porque sempre há uma elevação de tônus psíquico. Há um mergulho de todos numa atmosfera de elevada sublimidade.
Ela apresentou o filho ao diretor, e este, todo paternal, perguntou-lhe:
— Vai ser professor do quê?
Anacleto meditou um bom tempo, depois olhou para a mãe de modo indagador, tendo respondido, com uma boa dose de incerteza:
— Se me permitirem, gostaria de conversar com minha mãe antes de escolher a minha nova função... Digo que me encontro, ao mesmo tempo, decepcionado, perplexo e encantado, senhor diretor. Por isso, peço a ajuda de todos... E eu sei que me ajudarão, porque vejo que a religião, por aqui, graças a Deus, é amar sempre o próximo.
O diretor sorriu, sentenciando:
— Quem apela a César deve ir a César!
Natália agradeceu, dizendo que iria falar primeiramente com o governador da região, para depois dizer ao filho como escolher a nova função, com inteira liberdade e assumida de responsabilidade.
E ali todos se despediram. Mais tarde, Anacleto foi indicado a servir no hospital primário, a pedido seu. Lidando com os mais doentes, aplicando mãos e lendo páginas evangélicas, foi melhorando muito, até vir a ser participante dos trabalhos relacionados com o bondoso Bezerra de Menezes, onde ainda permanece, juntamente com outras dezenas de milhares de entidades servidoras. Porque Bezerra de Menezes cumpriu a função terrena de tal modo que, com a sua desencarnação, a semeadura cresceu, mas cresceu tanto, que não é fácil considerar o montante atingido. E continua crescendo, e muito mais crescerá ainda, pelo que sabemos por informes superiores.

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